quinta-feira, novembro 24, 2005

Avó

Avó:

Na pureza da tua transformação, enquanto te dirigias para um naturalismo primitivo e escondido na tua doença, desenhaste traços de um talento embutido na tua portugalidade original. Do teu útero, qual mão natura, pariste meu pai. Germinavas uma linha que, cozida na Ranha de Baixo, no meu pai vive, e em mim perdura. É uma linha de orgulho, de cepa, de corpo.

Sei que me esperas, sentada num banco simples, de madeira. Estás com os braços cruzados, com o teu lenço lavado à cabeça, e olhas-me com aquela ansiedade escondida com que me marcavas e costumavas olhar. Nunca sabias bem o que transmitir. Eu nunca sabia. Ao teu lado, o teu Zé. Está encostado à parede, do lado esquerdo, apoiado na sua bengala favorita, sempre pela mão esquerda. Olha para mim. Olha para ti. Já te esperava há algum tempo, nota-se.

Olham para nós. Olhas para mim, e suspiras. Sabes que te iremos encontrar nessa fama etérea para onde te remeteste. Sabes que não é para agora. Por agora tens de esperar.

Vai esperando, velhota. Prepara uma sopa e uma broa doce para o nosso reencontro. Dá um beijo ao avô…

Por agora existes em mim.


JRS

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