quarta-feira, julho 27, 2005

Pontos de Vista

Há cerca de duas semanas, o Diogo Moreira escreveu neste blog o excelente artigo intitulado “Sobre a democracia e a luta contra o terrorismo”, que, pouco depois, recebeu um comentário de alguém que assina como The Studio ( tanto o artigo como o comentário podem ser consultados no Arquivos de Julho ). Esse comentário não me podia deixar indiferente e achei-o merecedor de um post.

The Studio começa por dizer que a democracia nada tem a ver com liberdades individuais e que o Diogo Moreira se havia equivocado porque é nas democracias que essas liberdades normalmente existem. Ora, parece-me haver aqui um paradoxo. Se é nas democracias que as liberdades individuais normalmente existem, é porque as democracias têm muito a ver com as liberdades individuais. Ou melhor têm tudo. Pelo menos as democracias ocidentais, as verdadeiras, que penso ser aquelas a que o Diogo se referia. Estão longe de ser regimes perfeitos, mas são o melhor que o pensamento humano já concebeu e conseguiu pôr em prática de modo suficientemente eficaz até hoje. Claro que nos regimes ditatoriais de esquerda ou de direita, também existem liberdades: a liberdade de estar sentado ou de pé, de respirar pela boca ou pelo nariz, de dormir sete ou oito horas, de andar de metro ou de autocarro, etc. No entanto, acho que as liberdades que as democracias nos oferecem a todos são muitos mais importantes, embora admita que há uma enorme evolução a fazer no campo da sua aplicação prática. Porém, a teoria está correcta e isso já é um grande passo.

The Studio também expressou as suas opiniões sobre o terrorismo. Tal como ele, também acho que é preocupante haver “terroristas a passear-se livremente por aí com bombas às costas”, mas as medidas de segurança que devemos tomar para evitar que isso aconteça não devem constituir um limite ao nosso sistema democrático, sobretudo às liberdades que lhe estão no âmago. Não vale a pena evitar que explodam bombas se, para isso, perdermos a nossa privacidade, a nossa liberdade de movimentos e mesmo de opinião ( basta sermos mal interpretados ). Se nos tornarmos em estados securitários, estamos, sem nos apercebermos, a ceder às exigências dos terroristas, convencidos que os combatemos de forma eficiente.

Quanto às sociedades multiculturais, não me parece que a sua mera existência esteja na origem do terrorismo. Acho que é apenas uma desculpa para fazer passar a defesa de um ideal xenófobo e de intolerância. O terrorismo não tem a ver com a raça, com a cultura ou com a religião, mas sim com os indíviduos. Apenas uma pequena percentagem dos muçulmanos são fundamentalistas e menos ainda são terroristas, assim como apenas uma insignificante parcela dos negros em Portugal é responsável por actos de criminalidade e violência. A comunidade muçulmana em Portugal, por exemplo, está perfeitamente integrada e, por isso, é pacífica. Os afro-descendentes não o estão, mas para o estarem é necessário um esforço de ambas as partes: deles e nosso. A repressão é apenas uma solução a muito curto prazo. Alivia o sintoma, mas não cura o problema.

Não é apanágio dos árabes, dos magrebinos, dos persas ou dos paquistaneses, ser terrorista. A sua religião e cultura são tão propícias a más interpretações, como as ocidentais, algo de que são um excelente exemplo as Cruzadas ou a Inquisição. Como em todos os rebanhos há sempre algumas ovelhas negras.Assim, o que é necessário fazer é não deixar que paguem a maioria de justos, pela minoria de pecadores como os grupos racistas pretendem. Os seu objectivos são claros: aproveitar o medo do terrorismo para espalhar a ideia na opinião pública de que esta é uma guerra de raças e de religiões; desencadear um “choque de civilizações” ( como se os terroristas fundamentalistas ou os criminosos de origem africana fossem o exemplo das culturas dos países muçulmanos e africanos ); expulsar todos os não-brancos do continente para concretizar a sua utopia nacionalista de uma Europa etnicamente e culturalmente pura, como se isso fosse possível, ou mesmo útil.

Em relação ao facto deste blog ser um bom exemplo da restrição da liberdade de expressão por nele só poder comentar quem está inscrito no blogspot, tenho apenas a dizer algo muito simples: qual é o problema de se inscrever no blogspot? É grátis e não dá trabalho nenhum!

Para terminar, gostaria de fazer um pequeno apontamento sobre o link ( na forma do retrato de um rei ) que The Studio disponibilizou juntamente com o seu comentário. O site onde fui parar após ter clicado no ícone só veio confirmar aquilo que pensei enquanto li o seu texto: “isto cheira-me a barco inclinado a estibordo”. Aliás, inclinado não. Completamente afundado sobre o seu lado direito. De uma ponta a outra deste blog, reina o mau-gosto, o insulto, a violência, a intolerância, o racismo, a homofobia, o alarmismo... Para além disso, os textos são todos assinados com nicks ou apenas com nomes próprios, o que favorece a irreflexão sobre o que se escreve e a irresponsabilidade de quem escreve. Mas a democracia, que The Studio critica, é o sistema que lhe permite ter a liberdade de exprimir as suas opiniões, quaisquer que elas sejam, até de forma anónima. Será que ele já pensou um pouco sobre isso ?
Ricardo Revez
27-7-2005

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