terça-feira, julho 19, 2005

A Casa Assombrada

Um povo que não conheça a sua história vive como um animal; sem se dar conta do seu passado, limitado e submerso no presente.

Arthur Schopenhauer
(1788-1860)


A antiga sede da PIDE/DGS lá se vai mantendo na Rua António Maria Cardoso como se fosse uma casa assombrada, ignorada, abandonada, sítio onde se deixaram esquecidos os fantasmas de 40 anos de ditadura para não incomodarem.

Se o Estado ainda é o proprietário do edifício, das duas, uma: ou se esqueceu dele, ou finge que não se lembra da sua existência. Caso já não o seja, tem o dever de o comprar, certificando-se, deste modo, que não o deitam abaixo para construir apartamentos de luxo ou escritórios, uma hipótese tenebrosa que me chegou aos ouvidos há uns tempos.

Qualquer que seja a razão, este abandono é grave para a democracia portuguesa, pois, a médio ou longo prazo pode colocá-la em perigo. O exemplo do passado ensina-nos a reconhecer certos sinais de alerta quando as democracias começam a fraquejar. Sem a memória do autoritarismo que precedeu a nossa democracia, a tendência é para deixarmos de ter a capacidade de estar atentos a esses sinais.

Que o cidadão comum não se preocupe com estas questões ainda é aceitável (tendo em conta a formação cívica dos portugueses), agora que quem tem a responsabilidade de zelar pela manutenção da memória colectiva portuguesa não se preocupe com esta situação é, no mínimo, vergonhoso. E quando falo de responsáveis, não me refiro apenas ao Governo ou à Câmara Municipal, mas, também, aos historiadores, sobretudo os mais mediáticos, pois poderiam erguer a sua voz contra esta situação de uma forma mais eficaz.

Infelizmente a memória dos povos tem a tendência para ser curta quando não há nada que a auxilie, que a exercite regularmente. Os monumentos históricos são um exemplo dessas “cábulas” que a maior parte das pessoas necessita para se ir lembrando, nem que seja de uma forma um pouco simplista, que a História do Mundo é longa e que as coisas nem sempre foram como são hoje. Neste caso concreto, era fundamental que este edifício fosse restaurado e passasse a albergar um museu para relembrar aos mais velhos que os nossos direitos conquistados com a Revolução não são direitos garantidamente perenes e dar a conhecer aos mais novos que nem sempre vivemos num país democrático. Nada melhor para este efeito do que evocar a memória da luta dos anti-fascistas portugueses e do sofrimento por que passaram às mãos daquela polícia criminosa, o símbolo mais cruel do regime salazarista/marcelista e que, de forma escandalosa, parece ter sido a sua instituição que mais se procurou esquecer, e isto logo desde os tempos revolucionários. Grande parte dos agentes da PIDE/DGS não foram julgados ou, se o foram, saíram ilibados, chegando, em muitos casos, a receber indemnizações e reformas do Estado. Tal como os inquisidores que outrora a povoaram, a casa assombrada da Rua António Maria Cardoso parece querer escapar impune e desaparecer num monte de escombros, enfim livre das atrocidades que abrigou, enfim livre de ser obrigada a permanecer de pé para todo o sempre como memória do terror.

Ricardo Revez (18-7-2005)

1 comentário:

Ant.º das Neves Castanho disse...

Na minha primeira visita, os meus parabéns a este espaço.

Concordo inteiramente com a perspectiva do Autor (R. R.) no Artigo (e com Schoppenhauer...).

Caro R. Fresco, transformar o "edifício" em condomínio privado não é só uma "ideia", deve mas é ser já um belo negócio! E o que terá a dizer sobre ele a Câmara de Lisboa (tanto os responsáveis pela situação, como os actuais candidatos)?

E que teremos nós a dizer sobre o assunto, ao votarmos?

E, já agora, alguém sabe o que também se prepara para espaços emblemáticos da Cidade como são o "B.Leza" e o "Chapitô"?...

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