quarta-feira, julho 27, 2005

Devaneios

“Consegui!”, grita ele, enquanto irrompe pela casa fora ao seu encontro.
“A promoção?”, pergunta Sofia, admirada por o ver chegar sem avisar.
“Ao fim de tanto tempo, querida. Tantas horas extraordinárias, reuniões desinteressantes, fins de semana perdidos. O tempo que não estive contigo. A saudade da tua boca.”
“Já sei o que vem a seguir. Tanta saudade só pode querer dizer uma coisa...” – não podia vir em pior altura, como é que eu lhe posso contar estando ele tão feliz? – “Vieste comemorar?”
“Claro, tonta. Foste a primeira pessoa a saber. Significas tudo para mim.”
“Também gosto muito de ti, mas sabes que as coisas não são assim tão simples, pelo menos por agora. É tudo muito recente.” – vai-me chamar todos os nomes possíveis imediatamente antes de me matar – “Estou a adorar o que se está a passar entre nós, mas...”

Ele não a deixa terminar, avança abruptamente na sua direcção, sem lhe dar tempo de reacção, fazendo-a recuar, parando apenas quando a deixa pousar como uma pena na cama. Procura o lóbulo da orelha direita (nunca soube explicar o porquê de ser sempre o direito em primeiro lugar mas tal facto não é importante para esta história), descendo para o pescoço delgado. As suas mãos hábeis e experientes percorrem um caminho descendente, com paragens precisas e demoradas, estimulando Sofia até não conseguir resistir aos seus avanços. Sofia nunca gostou da palavra estimulação, mas de momento o seu deleite fazia-a esquecer-se de tudo que não estivesse no espaço confinante do seu quarto.

“Tens protecção?”, como se isso fizesse grande diferença agora, pensa ela na sua angústia.
“Eu confio em ti, meu amor.”

9´05 minutos do Allegretto da 7ª Sinfonia em Lá Maior de Beethoven a ribombar como que em resposta aos movimentos dos corpos que se unem. Sincronizado, mas não mecânico. Irracional, mas não animal. Carinhoso, terno, lamechas o suficiente porque também nunca fez mal a ninguém.

Acordaram extenuados. Ela levanta-se da cama, veste um roupão, escova o seu cabelo preto ondulado. Parece nervosa, inquietante. Ele nunca a viu assim. Pergunta-lhe se está tudo bem.
“Não, não está. Preciso de te contar uma coisa.”

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