segunda-feira, outubro 24, 2005

Ontem como Hoje?

“Gosto do parlamento como gosto dos touros, para me estontear um instante na mancha ondeante das cabeças, nos burburinhos de entrada e de saída, e finalmente, no investir do primeiro bicho (…) Pasma-se com efeito da chusma de idiotas, que lá em baixo grasnam, à mistura com velhos aborrecidos, com estadistas mancos (…) A fatalidade quer que o meu país, ao aproximar-se a hora derradeira, tenha a assisti-lo a comunidade do pior que as gerações têm produzido. Não há escultor falhado, não há filho de conselheiro hidrocéfalo, não há ricaço pândego, traficante odiento, cínico velho, bacharel vadio, amanuense inútil, que ao fazer a autópsia de si mesmo reconhecendo-se falho, não tenha apelado para este hospício de S. Bento, onde o não ter cabeça rende três mil reis por dia, sobre as vantagens de não ir preso, e de se poder arranjar, às tenças da eleição, para o resto da vida, uma chuchadeira burocrática. Oh, santo Deus, que tipos! Antigamente metiam-se os microcéfalos nos asilos. Os conselheiros, que tinham filhos cretinos, recluíam-nos no interior das suas casas, ou enviavam-nos aos hospitais, quando eles se tornavam perigosos. Agora, os partidos monárquicos recrutam as suas turmas nessa gafaria de irresponsáveis; a política trás do fundo das regressões orgânicas das castas esses destroços de seres sem préstimo, nem tino; e o Estado galardoa a estupidez por forma a impô-la como um talento, e a exalçá-la como virtude cívica raríssima.
As novas aquisições políticas de S. Bento tornaram esse pobre barracão numa espécie de albergaria de inocentes.
Tínhanos já o parlamento, bolsim de negócios: a recente legislatura acaba de fazer dele também, o Rossio – dos tolos.”

Fialho de Almeida
16-6-1890
“S.Bento, bolsim de negócios, e rossio dos tolos” (in Os Gatos, vol. 2).

Sem comentários:

Pesquisar neste blogue