Toda a envolvente da candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República parece centrar-se na temática do “Salvador da Pátria”, representada no “homem providencial” que viria, numa noite de nevoeiro, montado num cavalo branco, libertar Portugal e salvar os portugueses dos nossos problemas, sejam eles a ocupação filipina, a suposta mediocridade dos nossos governantes ou a crise económica e social.
Para todos os nossos problemas, os reais e os imaginados, Cavaco aparece como a solução divina, acima de nós, que somos apenas homens, e que portanto somos incapazes de verdadeiramente compreender o seu génio tecnocrático e as soluções que traz para resolver os nossos medos e angústias.
Cavaco está acima dos partidos, por sua expressa afirmação, estando a fazer-nos o obséquio majestático de abandonar a sua torre de marfim, para nos liderar Portugal no Quinto Império, que já teve tantas encarnações, ao sabor de putativos ditadores que se afirmavam “homens providenciais”.
Portugal, assim como a maioria dos países latinos, parece obter deste mito providencialista a razão de ser e expectativa máxima das aspirações políticas da sua população. Tal como o mito dos portugueses como “povo de brandos costumes”, algo que qualquer folhear da nossa História pelos sécs. XIX e XX rapidamente desmente, também esta visão do “Salvador da Pátria” é um efeito reminiscente da doutrinação ideológica do Estado Novo, visto que a visão providencialista de Salazar era um dos dogmas fundamentais de todo o edifício legitimador da ditadura, que tinha como objectivo, não nos esqueçamos, justificar a não existência da democracia em Portugal.
Por isso, quando vejo alguém afirmar-se como candidato a um cargo político, e ninguém no seu perfeito juízo considera a Presidência da República um cargo não-político, defendendo que um dos seus principais argumentos é o facto de não ser político... bem, direi apenas que estou sempre à espera, nessas situações, do “Deus. Pátria, Família”.
A virtude e a força da Democracia nunca irão residir no “Homem certo, na altura certa”, a lá rodagem de um carro. Residem sim, na capacidade das eleições em agregar as preferências ideológicas e temáticas dos cidadãos, em partidos, coligações e candidatos específicos, para que a maioria das pessoas vejam as suas preferências reflectidas nos Órgãos de Soberania.
A existência de “homens providenciais” é anátema dessa agregação de preferências, visto que são as suas características pessoais e não as suas ideias que servem para justificar a sua eleição. As pessoas deverão votar em X, Y ou Z, por acharem que as suas ideias e aquilo que defendem é algo com que concordam e que portanto querem ver representadas no Órgão de Soberania para o qual os elegem.
A política deve ser o debate de ideias, e não o debate de pessoas.
Esperemos portanto para saber o que os candidatos presidenciais defendem, embora já tenha dado para perceber que será bastante fácil descortinar o que uns defendem, por comparação com outros que apenas estão interessados em vender as suas características pessoais.
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