terça-feira, outubro 16, 2007

A MORTE DE JULIETA GANDRA NÃO FOI NOTÍCIA (III)


Texto da Diana Andringa sobre o tema, publicado na Amnistia Internacional.

Julieta Gandra foi escolhida em 1964 pela Amnistia Internacional como “Prisioneira do Ano”, faleceu ontem, dia 8 de Outubro num lar em Lisboa, aos 90 anos. A AI manifesta a sua solidariedade para com a família e amigos de Julieta Gandra.

Julieta Gandra
Conspiradora de Esperança Escolhida em 1964 pela Amnistia Internacional como "Prisioneira de Consciência do Ano", Julieta Gandra, médica, saíria da Cadeia do Forte de Caxias nos primeiros dias de Julho do ano seguinte, após 6 anos de prisão. A sua detenção ocorrera no Verão de 1959, em Luanda, Angola, onde vivia e exercia Medicina hospitalar.

A acusação de "conspirar contra a segurança externa do Estado" baseava-se em três acções concretas:

1 - ter feito uma doação de 500 escudos ao Movimento Popular de Libertação de Angola, MPLA;
2 - ter convidado a jantar em sua casa um membro do MPLA;
3 - ter enviado a outra pessoa vivendo em Angola um sobrescrito contendo papéis do MPLA.

Era ainda acusada de pertencer ao Partido Comunista Português. Nem o sobreescrito nem os papéis foram apresentados em Tribunal, mas isso não teve qualquer relevância no processo. Julieta Gandra não escondia a sua simpatia pela luta dos angolanos, e isso bastava.

Julgada com 6 outros presos políticos em Tribunal Militar, em Luanda, privada de advogado de defesa - o seu fôra detido em Lisboa quando se preparava para embarcar para Luanda - foi condenada a 12 meses de prisão. O Ministério Público recorreu da sentença e conseguiu o seu agravamento para dois anos de prisão maior e medidas de segurança de 6 meses a três anos. Julieta Gandra recorreu por sua vez, mas o novo julgamento, realizado em Lisboa, viria a aumentar ainda a sua pena, desta feita para 4 anos de prisão maior e medidas de segurança de seis meses a três anos.

Em 1964, Julieta Gandra encontrava-se a cumprir pena em Caxias. Sofria de úlcera gástrica, estava muito debilitada e família e amigos temiam pela sua vida.

Foi nestas circunstâncias que a Amnistia Internacional decidiu escolhê-la como "prisioneira do ano", depois de o Grupo de West Bristol a ter adoptado em 1962.Embora tenha sido precisamente a situação política portuguesa a inspirar a criação da Amnistia Internacional, em 1961, o primeiro "Prisioneiro do Ano", escolhido no ano seguinte, fôra um Paquistanês, Abdul Ghaffar Khan, e o segundo um sindicalista alemão preso na Alemanha de Leste, Heinz Brandt. A escolha da médica portuguesa foi um alerta para a situação de privação de direitos humanos vivida também em países do chamado "Mundo Livre" - "porque nenhum outro país ocidental desfigura a face da liberdade tanto quanto Portugal".
Segundo a Amnistia Internacional, "não seria possível encontrar exemplo mais claro de um ser humano que, dedicando-se a um trabalho pacífico e nunca tendo praticado ou defendido o uso de violência, fora sujeito à brutalidade arbitrária do Estado pelas suas opiniões e convicções" - a definição mesma de "prisioneiro de consciência".

Tal como acontecera com Abdul Ghaffar Khan e Heinz Brandt, Julieta Gandra saíu em liberdade pouco tempo após ter sido escolhida pela Amnistia Internacional como "Prisioneira de Consciência de 1964" - sendo lícito admitir que a intervenção da Amnistia Internacional, com a sua insistência em verificar as condições de detenção e saúde da médica portuguesa a sua pressão sobre o governo de Salazar, tenha precipitado a sua libertação.
Diana Andringa

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