sábado, outubro 20, 2007

Intermitentes

Fui ontem ao debate sobre a intermitência.
Nem sei onde começar. Foi no salão nobre do Teatro Nacional D. Maria II. Boa casa, sala quase cheia. A malta do costume. Toda. Não vi, que me apercebesse, uma cara nova; um novo interlocutor, uma nova ideia. O costume.
O interesse era duplo: saber como estava a relação entre a Plataforma e o processo legislativo em curso e mostrar solidariedade com o movimento intermitente e, quem sabe, ouvir um bom debate teórico sobre o que é a intermitência, afinal.
Do segundo interesse, nada. Nem uma ideia. Toda a gente fala e critica o que o governo apresenta sobre a matéria, toda a gente chuta para o ar modelos a importar (França é amplamente citada), mas ninguém apresenta uma única proposta ou ideia adaptada à realidade portuguesa.
Só criticas, portanto. Procura-se afirmar categoricamente que a intermitência existe, que é indefinível e extremamente complexa de descrever (como todas as indefinições), e que a tentativa de definição apresentada nos textos na Assembleia falha. Concordo. Que se deixe cair, então, a palavra «intermitência». Afinal não é para isso que se está a legislar, é para resolver um problema laboral, em primeiro lugar, e de acesso à segurança social, em segundo. E é um assunto que causa muita confusão a muita gente. Dispensa-se.
Continuando. Sobre o outro ponto, a apreciação do trabalho da Plataforma. Devo dizer que sou fã deste tipo de iniciativas, por isso é que me associo a elas, directa ou indirectamente. Sinceramente acho essencial que existam este género de dinâmicas, emergentes da «sociedade civil», mais ou menos organizada (há um carácter claramente profissional na Plataforma), que possa servir de interlocutor privilegiado com o processo legislativo, seja ele qual for.
E é aqui que a coisa complica, porque a maior parte dos intervenientes não entenda os trâmites dos processos de construção de leis; confunde o acessório com o essencial. Admito que há que deixar que o processo de aprendizagem assente; que se entenda os tempos da intervenção dos legislativa, onde e quando intervir (Assembleia da Republica, Segurança Social, Teoria da Intermitência, Academia, Sociedade Civil). Mas o pior é que esta inexperiência e o carácter novel deste tipo de organizações torna-as demasiado permeáveis a «profissionais da política», especialistas em sabotar o que poderia ser processo de consenso político entre a Plataforma e o Governo.
Digo mais, julgo que existe quem não queira qualquer tipo de acordo, para daí retirar dividendos políticos directos e abrir com os «trabalhadores das artes e dos espectáculos» nova frente de ataque ao governo. E é claro que é o PCP que assume essa posição.
É pena, digo, pois julgo estarem criadas todas as condições para que a situação seja resolvida de forma satisfatória por todas as partes interessadas (Trabalhadores, Empregadores, Governo, Partidos Políticos, Sociedade Civil em geral). E temo que estas intenções dúbias estejam a desviar o que era uma boa aproximação entre o poder legislativo e uma classe profissional com sérios problemas laborais para resolver.
Bem sei que não temos muitas experiências, de base, de contacto entre a «sociedade civil» e o poder político. E a esquerda, sejamos francos, não se sabe organizar. A acrescentar, temos que a falta de cultura politica no momento da negociação e da criação de consensos é impeditiva da construção de linhas de diálogo construtivas.
É notória a incapacidade de distinção do que está em discussão. Repare-se: admitindo a densidade e a complexidade do tema, eu diria que existem três peças em discussão, o problema laboral, a ser tratado na Assembleia; o problema do acesso à segurança social, a ser tratado pelo Governo, e o problema teórico do que é a intermitência. Estes temas têm de ser tratados em separados, pois só assim conseguem ser efectivos. Colocá-los todos juntos significa não só dilui-los num conjunto fragilizado; correr o risco de nunca conseguir um articulado satisfatório (pois não existem 3 pessoas com o mesmo conceito de intermitência, só para dar um exemplo); mas também significa ou nunca ter alguma Lei ou ter um traçado legal que não satisfaz ninguém (ou que talvez satisfaça quem gosta e procura que nada resulte).
A solução é, então, separar as águas. Retirar a segurança social do pacote. Remete-la para debate posterior. Mas, entretanto, ir não só abrindo portas como preparando propostas. Depois é deixar cair essa palavra maldita, a «Intermitência», do diploma. Por fim, promover debates, também com académicos, sobre o conceito da «Intermitência».
Se assim for feito (mais ou menos), julgo ser possível alcançar uma solução bem razoável, onde todas as partes consigam se rever e, simultaneamente, consigam criticar e propor melhoras (da negociação política nunca resulta a satisfação, apenas graus de insatisfação). Se se prosseguir o caminho manipulado do confronto barato, ou do conflito por encomenda, temo que os resultados não sejam os melhores.
E logo quando estão criadas todas as condições para que se comece a entender e a resolver a complexidade do modelo laboral do pessoal das artes e dos espectáculos. Estamos tão próximo do primeiro passo. Não deixem o estraguem.

(vê-se que «gostei» do debate; e que espero pelos próximos).

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