De facto, o blogue do António José Seguro ameaça tornar-se uma peça importante na blogosfera política nacional. Já aqui tinhamos referido algumas das suas caracteristicas por nós preferidas. Hoje encontro nele um excelente texto sobre as recentes eleições no Partido Democrático Italiano (escritas por uma activista atenta).
Teremos do texto importantes ilacções a retirar, nomeadamente no que refere a relação entre a «sociedade política» e a «sociedade civil», tema a nós, e ao António José Seguro, muito próximo.
Novidades de Itália
No passado domingo dia 14 de Outubro, mais de 3 milhões de italianos escolheram o líder do novo Partido Democrático (PD), nas primeiras “eleições primárias” do país.
O Partido Democrático é, na realidade, o resultado de um processo iniciado na Itália depois do final da guerra fria.
Nessa altura (1990), o Partido Comunista mudou para Partido Democrático da Esquerda (PDS, depois renomeado DS), membro do Partido Socialista Europeu, desde Novembro 1992.
Nessa fase apareceram em Itália novos partidos políticos, tal como a Forza Itália de Silvio Berlusconi.
Outros partidos, pelo contrário, desaparecerem. Em particular, o Partido Cristão Democrata (DC), desmembrando-se em dois: o Partito Popolare (PPI) e Cristãos Democratas Unidos (CDU).
O PPI integrou desde essa altura a coligação de centro-esquerda (O Olivo) liderado por Romano Prodi; e a CDU fez parte da coligação de centro-direita liderada por Silvio Berlusconi.
Nos últimos anos o PPI formou um novo partido – chamado Margherida – que reúne o PPI com outros políticos de centro-esquerda, entre os quais o antigo Presidente da Câmara Municipal de Roma, Francesco Rutelli.
O problema é que em Itália, principalmente por causa da lei eleitoral, mas não só, o panorama político aparece-nos fragmentado e instável: o Governo Prodi, por exemplo é formado por uma coligação de nove partidos e a sua sobrevivência no Senado é assegurada pelo voto dos Senadores nomeados! Na Itália, há 7 senadores nomeados vitaliciamente, pelo Presidente da República, atendendo aos seus méritos pessoais.
As infinitas discussões e a baixa eficácia das instituições têm sido a causa mais recente de fenómenos de rejeição da política da parte dos cidadãos, de que é exemplo o “Vaffa Day”, organizado pelo cómico Beppe Grillo: um dia, no qual milhares de pessoas se reuniram para protestar contra “a politica” e “os partidos políticos” em geral.
Apesar do sistema democrático italiano não estar a ser posto em causa, estes são sinais muito preocupantes.
Neste quadro, a decisão dos leaders dos DS e da Margherita de formar um só partido, o Partido Democrático, foi uma aposta dificil e corajosa.
Unir duas tradições e histórias políticas tão diferentes não foi e não vai ser tarefa fácil. Mais valeu a pena fazê-lo: a amplíssima e inesperada participação das pessoas nas “primárias” para a eleição do líder do novo partido demonstrou que foi uma boa escolha, apesar de algumas dúvidas sobre o método escolhido.
Nestas primárias, os eleitores (todos os residentes na Italia de mais de 16 anos podiam ser eleitores) tinham que escolher tanto o líder no novo partido, como os 2500 membros da Assembleia Constituinte do PD (que vai reunir-se pela primeira vez no final do mês, em Milão).
Todavia, por um lado, sabia-se desde o princípio que dos três candidatos principais - Walter Veltroni, Enrico Letta e Rosy Bindi – era o primero, e actual Presidente da Câmara Municipal de Roma, quem iria ganhar. E assim aconteceu.
Por outro lado, o sistema eleitoral escolhido foi muito criticado, por ser muito penalizador para os candidatos com menor notoriedade (e de facto a maioria absoluta dos membros da assembleia constituinte do novo partido é constituída por ex-membros dos DS), e pelo facto das listas dos candidatos serem fechadas. O resultado foi que líderes políticos importantes para o processo reformista italiano, de que Giuliano Amato é o exemplo mais sonante, não foram eleitos para a Assembleia Constituinte.
Isto poderia ter causado muita desilusão nos potenciais eleitores. Bem pelo contrário, a enorme afluência ao voto – com filas em toda Itália! – e o entusiasmo dos votantes mostrou com clareza que os Italianos perceberam a importância desta novidade no sistema partidário: ser de facto fundadores de uma nova, e importante, formação política, num processo bottom-up (ou quase). Ainda mais importante se pensarmos que o maior partido hoje existente em Itália (pelo menos em termos de votos) continua a ser Forza Itália, o qual – ao contrário do PD – foi fundado (e financiado) pelo seu líder, ainda hoje líder também da coligação do centro-direita, num processo up-bottom.
Com este voto, os Italianos também mostraram que não são todos contra a política como alguns pretenderiam, mas que, ao mesmo tempo, querem fortemente que a transição, que começou depois do final da guerra fria, seja completada. Só com uma serie de reformas importantes do sistema político e institucional, desde logo a da lei eleitoral, pode a Itália, enfim, tornar-se num pais “normal”, com uma maioria que governa e uma oposição que faz a oposição, entre as quais os cidadãos possam escolher na base dos resultados alcançados e não das promessas eleitorais nunca compridas.
Federiga Bindi
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