Pensar livremente sobre as “secret-agendas” ou conquistar “o animal que espeta os cornos no destino” (2 de 2)
Mas muitas outras são as “secret-agendas”. Poucos são os lugares para as tornar visíveis aos olhos das pessoas, exceptuando críticas jornalísticas cada vez menos lidas, livros que apenas se desfolham, por falta de tempo, peças de teatro a que cada vez menos se assiste, debates levados a cabo por entidades várias, nomeadamente por departamentos de mulheres de partidos e de sindicatos, movimentos de cidadãos e de cidadãs, trabalhos no terreno de organizações não governamentais, etc. Muito trabalho para pouco proveito? Talvez, mas grão a grão…
E qual o papel dos partidos políticos na revelação das “secret-agendas”? É possível desempenharem este papel? Será desejável? Cabe-lhes reflectir sobre o que levou, por exemplo, a população francesa à observação quase-unânime de 5 minutos de silêncio, em nome das vítimas (civis) das Torres Gémeas, alguns dias após o 11 de Setembro de 2001, exceptuando, por um lado, os militantes da CGT francesa e, por outro lado, os simpatizantes da festa “bleu/blanc/rouge” de Le Pen? Que sinapses funcionaram, na maioria das pessoas, relacionando “atentado terrorista” “vítimas civis” “empatia”? E que sinapses funcionaram nas minorias que, tal como em Stockhausen[1], ligaram entre si os neurónios “atentado terrorista” “obra de arte” “maravilha”?
Do mesmo modo, porque é que a sinapse “Iraque” “manifestação anti Guerra” funciona muito mais frequentemente e muito mais rapidamente do que a sinapse “Darfur” “manifestação anti-Guerra”? Esta parece ter nascido com Ségolène Royale candidata a Presidente, sem ter conseguido (ainda?) ganhar a força da sinapse “Iraque” [..] não obstante os factos históricos terem praticamente a mesma idade. É preciso pensarmos livremente todas as “secret-agendas”. De fora para dentro. De dentro para dentro e de dentro para fora. Se possível furando espartilhos adoptados aquando das “trente glorieuses années”, antes da década de 70, quando o petróleo começou a subir, as utopias a afundarem e Portugal a acordar de um longo atraso a preto e branco, isolacionista e ultramarino. Deste Portugal que morreu há 3 décadas, muitos de nós ainda não fizemos lutos colectivos. Pouco falamos sobre os soldados da Guerra Colonial e sobre a Guerra nas Colónias. Falaram alguns escritores, como António Lobo Antunes, mas não chegou para, colectivamente, tomarmos conhecimento do muito que por lá se passou e do que por cá se passou e passa: os soldados estão no meio de nós! Para fazer história e avançar é preciso memória. Não estou a afirmar que a Guerra Colonial se constituiu como uma “secret-agenda” mas tão somente que “agenda política” foi-o enquanto houve Guerra, foi-o aquando do regresso das tropas. Depois esvaziou-se, implodiu. Pouco se fala das guerras entre utopias que se estenderam por um ano e meio, a seguir ao 25 de Abril, nas cidades e nos quartéis e também nos campos, levadas pelos soldados das urbes. Uma utopia saiu vencedora, a democrática, as outras têm ficado, no decurso destas 3 décadas, pelo caminho da história: uma das últimas deu hoje um grande suspiro moribundo. Com dignidade de Velho, o Comandante despromove-se a soldado e perfila-se na última fila a partir de onde se vê tudo, mesmo que se chegue em último lugar. O espaço democrático tornou-se num aliado do capitalismo: todos temos direitos equivalentes no que ao consumo diz respeito; as diferenças entre a maioria e as minorias são tão abissais que aquelas consomem indirectamente as práticas destas lendo revistas mundanas ou cor-de-rosa. É preciso reinventar a utopia Socialista para a pôr no espaço democrático.
Como resposta à pergunta, penso que os departamentos de Mulheres, nomeadamente o Departamento de Mulheres do Partido Socialista, podem e devem reflectir sobre os conteúdos das “agendas políticas” que nem sempre contêm aquilo que achamos importante e relevante para o avanço da democracia que só pode sê-lo quando se quebrarem as barreiras dos segredos e quando se construir a força da paridade. Não contêm porque as “agendas políticas” estão construídas sobre um não-dito, um segredo, não voluntário, não consciente, que consiste na reprodução social da sinapse que liga o neurónio do poder ao neurónio do masculino. Cabe às mulheres, no espaço do Socialismo, revelar esse não-dito. É este “o animal que espeta os cornos no destino” como diria Natália Correia. E ninguém nos vai dar esse animal. Temos que o conquistar. Só assim o Socialismo será Democrático e a Democracia Socialista.
[1] Falecido há pouco tempo (2007). Terá, nesse momento, prevalecido uma visão esteticista a uma perspectiva ética?
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Vera Santana
Socióloga e socialista
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008
1 comentário:
ESPETAR OS CORNOS DO DESTINO
CONCORDO COM A TESE PRINCIPAL DO TEXTO DE VERA SANTANA, A SABER QUE É PRECISO QUE SEJAM AS MULHERES A ESPETAR OS CORNOS NO DESTINO, AINDA QUE MUITOS HOMENS NÃO ESTEJAM NADA CONVENCIDOS DE TAL. O APARELHO PARTIDÁRIO DO PS É MUITO CIOSO DA SUA MASCULINIDADE E, QUANDO VAI BUSCAR MULHERES PARA AS LISTAS PARTIDÁRIAS - PARA AS ESTRUTURAS INTERNAS OU PARA AS ELEIÇÕES - FÁ-LO FREQUENTEMENTE SEGUINDO CRITÉRIOS POUCO RELEVANTES E POUCO EMANCIPATÓRIOS DAS MULHERES.
NOS PODERES LOCAIS HÁ MULHERES DO PS QUE TÊM MUITO VALOR; OUTRAS HÁ QUE OCUPAM CARGOS DE PODER PELO SIMPLES FACTO DE TEREM PODERES EXTRA POLÍTICOS (SERÁ O CASO DAS ESPOSAS E TAMBEM O DAS AMANTES DE LIDERES DO PS) DE CERTOS POLÍTICOS DE ZONAS DO INTERIOR.
ORA, ASSIM, OS PODERES FICAM PARTILHADOS ENTRE OS CACIQUES Y SUS MUCHACHAS... O QUE MAIS PARECE AMÉRICA LATINA.
É PRECISE QUE O PARTIDO SOCIALISTA COMECE A LEVAR PARA O PODER MAIS MULHERES POLÍTICAS, INDEPENDENTES DE HOMENS POLÍTICOS DO MESMO PARTIDO.
NAO É POR ACASO QUE UMA HELENA ROSETA SE DEPAROU COM TANTOS OBSTÁCULOS DENTRO DO PS ENQUANTO QUE OUTRAS MULHERES PERCORREM A PASSADEIRA VERMELHA ATÉ AO CIMO DO PS, PASSADEIRA PREVIAMENTE COLOCADA PELOS SEUS IMPORTANTES ESPOSOS, TAMBÉM DO PS.
"DON´T CRY FOR ME ARGENTINA" ...
AO DIZER AMANTES NAO ESTOU A HIERARQUIZA-LAS NEM A ESTIGMATIZÁ-LAS.
TRATA-SE MESMO DE AMANTES, N\AO NO SENTIDO QUE OS POETAS DAO À PALAVRA
- DO SER AMADO - MAS EM SENTIDO POPULAR: A OUTRA, A QUE SE APROVEITA DA SITUAÇAO DO HOMEM QUE A SUSTENTA, SEJA COMPRANDO-LHE UMA CASA OU ESTENDENDO-LHE A PASSADEIRA NO INTERIOR DO PARTIDO.
SAUDAÇOES SOCIALISTAS
ANTONIO SOUSA
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