quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Memórias de Lisboa


Recentemente encontrei o Daniel Melo no ICS, e ele informou-me acerca dos últimos acontecimentos do Grémio Lisbonesne, associação centenária da cidade de Lisboa. Já tinha ouvido alguma coisa, mas fiquei chocado com o grau de violência física e mental utilizado.

Honestamente que por vezes não sei o que é que andamos a fazer à nossa memória, à nossa História, ao nosso passado, ao nosso presente.

E estes episódios, não sei bem porquê, têm-se repetido com demasiada frequência ultimamente; já repararam?

Deixo o excelente texto do Daniel (disse-lhe que o roubaria...) e deixo também um (pequeno) apelo: vamos tentar prestar atenção ao que se anda a passar... já faltou mais para que Portugal seja apenas um grande centro comercial...


O Grémio Lisbonense merece o Rossio (via Peão)

O Grémio Lisbonense, associação sociocultural centenária, foi despejada esta 6.ª feira da sede onde estava desde 1842, sito na R. dos Sapateiros, 226, 1.º. Da sua varanda por cima do Arco do Bandeira tinha-se uma das mais belas vistas de Lisboa: sobre o Rossio e a cidade de todos nós.Na ocasião, a polícia agrediu à bastonada sócios e simpatizantes da agremiação que apenas estavam a manifestar o seu descontentamento pela injusta acção de despejo (depoimentos aqui, aqui e aqui; imagens na Tvnet), permitindo à Amnistia Internacional aumentar a sua colecção de cromos sobre a violência policial no país.
O Grémio foi fundado por maçons, tal como o seu nome original deixa adivinhar: Academia Fraternal Harmónica.
O blogue FozIber refere que o Grémio esteve ligado às célebres Conferências do Casino (1871), onde Antero de Quental apresentou o demolidor «Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos». Após a conferência de Eça de Queirós a iniciativa foi proibida pelo governo e o Casino encerrado pela polícia (hélas!, cá está ela outra vez). Ainda sobre a história que o Grémio entrecruzou, e sobre o bem comum, vd. o texto de Rui Tavares hoje no Público, «Público mau, privado bom».
Recentemente, o Grémio recolocara-se entre os espaços culturais de referência, combinando formação em fotografia e artes com lançamentos de livros e revistas, concertos de chorinho, tango, música de dança, etc., tudo num salão de festas único, o tal com vista sobre o Rossio, com o soalho coalhado pela luz esmaecida da cidade. Tinha um auditório heterogéneo, combinando um público de bairro que lá ia jogar bilhar, beber um copo, ver tv ou cortar o cabelo no barbeiro centenário, com jovens vindos de todo o lado para a boémia, turistas e imigrantes brasileiros que iam ouvir e dançar o chorinho brasileiro, um dos géneros musicais mais alegres e boémios do mundo, com um toque luso. Foi assim que descobri os Roda de Choro de Lisboa e, indirectamente, o grande mestre Raul de Barros. E os fabulosos Farra Fanfarra, banda de música de festa a la Kusturica.
Era já um ex-libris da boémia lisboeta e um exemplo de como as associações populares podem ter um papel relevante na revitalização urbana, mesmo em bairros desertificados como a Baixa.
Por tudo isso, fora reconhecido como instituição de utilidade pública pela Câmara Municipal de Lisboa (CML). O irónico disto tudo é o Grémio ter sido despejado depois de tal reconhecimento. Mas a CML, como lhe competia, não se alheou do caso e agora também participa nas reuniões com o senhorio para tentar desbloquear a situação. Há quem diga que o senhorio quis despejar o Grémio para ali instalar um hotel de charme, aquele contrapõe que era para arrendar. Mas se assim era, porque não arrendá-lo ao Grémio? Por se querer um valor demasiado elevado, leia-se especulativo? Enquanto instituição de utilidade pública, o Grémio deveria ter direito de preferência, fosse para arrendamento ou compra.
Portugal merece um espaço assim: podeis assinar a petição «Contra o despejo do Grémio», para o Grémio ter mais força quando for a próxima reunião conjunta com a CML e o senhorio, já esta 4.ª feira. Ou, então, fazei-vos sócios, como eu. A cooperativa cultural Crew Hassan está a apoiar o Grémio e tem na sua sede uma cópia impressa da petição. Também era importante o Grémio ter o apoio público da Confederação Portuguesa de Colectividades de Cultura e Recreio, sendo sua associada.
O Grémio merece o Rossio de todos nós. E Lisboa precisa de espaços como este para se revitalizar. Valem mais do que não sei quantos planos megalómanos.
Daniel Melo

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