domingo, junho 04, 2006

Proposta D

PROPOSTA D
(33.711 caracteres)

PARA UMA EVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA DO SISTEMA ELEITORAL PORTUGUÊS PARA A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Índice
1 – Sumário
2 – Apresentação
3 – Sistema eleitoral actual: mudá-lo, porquê?
4 – Propostas para a correcção das deficiências actuais
5 – Considerações finais

1 – SUMÁRIO
Partindo de uma análise crítica do actual sistema, apontando as suas deficiências e causas de imoralidade, proponho a adopção de soluções relativamente simples, mas bastante inovadoras, em alguns casos, para reconduzir a legitimidade da eleição da Assembleia da República a níveis compatíveis com as exigências dos valores e princípios da democracia representativa num Estado de Direito e também com o progresso intelectual e técnico das sociedades modernas.
Tendo identificado como deficiências inaceitáveis do sistema eleitoral actual:
1ª – A profunda distorção à verdade eleitoral decorrente da segmentação da eleição dos Deputados, no território nacional, em nada menos do que vinte círculos eleitorais;
2ª – A falta de garantias mínimas de segurança para a expressão dos votos em branco, cujos boletins com maior facilidade podem ser posteriormente adulterados;
3ª – A ausência total de representatividade política dos votos em branco;
4ª – A incapacidade de exprimir fielmente a verdadeira preferência eleitoral de cada eleitor por parte de um método de votação que considera, exclusivamente, a sua primeira escolha;
Desenvolvi as soluções que considero mais adequadas para cada uma delas e as quais, sintetizadamente, se podem descrever do seguinte modo:
1ª – Eliminação dos círculos eleitorais no território nacional e sua substituição por um círculo eleitoral único, verdadeiramente representativo das escolhas dos Cidadãos eleitores, que assim passariam, finalmente, a estar em total igualdade de circunstâncias, independentemente do seu local de votação e da sua preferência eleitoral;
2ª – Criação de uma linha suplementar, no fim dos boletins de voto, com o respectivo quadradinho próprio e destinada especificamente ao voto em branco;
3ª – Transformação em lugares vagos, na A. R., da percentagem nacional de votos em branco, como se de mais uma candidatura se tratasse e traduzindo politicamente, durante toda a Legislatura, esses “não-Deputados” em abstenções obrigatórias em todas as votações parlamentares;
4ª – Adaptação dos boletins de voto ao denominado “método de Borda”, que permite uma escolha múltipla e não apenas da primeira preferência do eleitor, mediante a atribuição a cada um de um número fixo de votos, igual para todos, o qual pode ser distribuído pelas várias candidaturas, incluindo obviamente o voto em branco, ou concentrado numa única lista, como acontece actualmente (este método foi desenvolvido por um matemático francês do Séc. XVIII, sendo vulgarmente utilizado em concursos ou festivais, mas infelizmente ainda não em eleições democráticas!).

2 – INTRODUÇÃO
Foi com muito prazer e entusiasmo que decidi aderir a esta louvável iniciativa do Clube «Loja das Ideias», que vem certeiramente ao encontro de algumas das minhas mais profundas convicções sobre cidadania e participação política num regime democrático, nomeadamente:
1ª) O exercício da cidadania política não pode nem deve esgotar-se no direito (e dever) de votar periodicamente e, eventualmente, ser eleito para cargos políticos;
2ª) Numa sociedade livre e democrática, muito mais importante ainda do que o tantas vezes fácil, inútil e desproporcionado criticismo, ou do que o já estafado “direito à indignação”, é o dever de participar activa e construtivamente na vida política, aqui no seu lato sentido de “governo da pólis”, a qualquer nível de decisão e dentro das possibilidades que a Lei permite, em teoria – mas infelizmente nem sempre da forma mais acessível, na prática –, a qualquer Cidadão;
3ª) A emissão de opiniões e a formulação de propostas políticas concretas, desde que respeitando cuidadosamente os limites técnicos do “saber fazer”, não deve constituir um direito exclusivo dos partidos políticos e dos especialistas, seja na vertente de eruditos, ou “políticos profissionais”, seja na de comentaristas/colunistas (que tantas vezes acabam, aliás, por se confundir ou sobrepor…), mas antes deve ser praticada por todos os interessados nestas matérias, não apenas como forma de estimular aqueles que detêm os cargos legalmente capacitados para implementar medidas, mas igualmente para criar hábitos saudáveis de intervenção social e política, indispensáveis à participação cívica activa e à própria renovação dos quadros políticos.
Não me considerando um especialista nem sequer um estudioso destas matérias, para além do autêntico “curso prático e intensivo” que obviamente não pude deixar de frequentar, como todos os demais cidadãos atentos e interessados da minha geração, nos primeiros meses posteriores à Revolução de Abril, estou porém convencido de ter amadurecido e reflectido o suficiente sobre o tema desta iniciativa, pelo que encarei esta tão inesperada quanto estimável oportunidade como uma forma descomprometida de divulgar algumas ideias próprias que me parece poderem ser, de algum modo, originais e proveitosas para a discussão, pedindo antecipadamente a vossa magnanimidade para com a forma algo “primária” como estão apresentadas, fruto da minha natural inexperiência e reduzida erudição nestas matérias.
Aliás, parece-me até da mais elementar probidade e boa educação prevenir desde já quem me lê ou quem me escuta de que não vou propriamente falar aqui de Política, seja ela na sua vertente de “ciência” (como é academicamente designada), de “arte” (como muitas vezes nos é jornalisticamente apresentada), ou mesmo, mais prosaicamente, de simples modo de vida, mais ou menos honrado, com que na maioria das vezes acaba por ser praticada, sobretudo entre nós.
Muito menos, e por maioria de razão, vos venho aqui falar de Direito – seja ele Administrativo, Nacional Público, Constitucional, ou de qualquer outro ramo especializado e co-relacionado com esta matéria –, ou até, num sentido mais amplo e alargado, de Justiça.
Lamento se vos vou desapontar, mas a verdade é que com este meu trabalho pretendo apenas e tão-só falar-vos um pouco de… Moral!
Em primeiro lugar, das inaceitáveis imoralidades subjacentes ao actual sistema eleitoral para a Assembleia da República e, posteriormente, de algumas maneiras simples de introduzir significativas melhorias – desculpem, mas parece-me particularmente desajustado, neste caso, o estafado e ambíguo termo “reformas” – nesse mesmo sistema, capazes de corrigir grande parte – de preferência a mais revoltante – destas indesculpáveis imoralidades.
Se me permitem uma opinião, estou mesmo firmemente convencido de que é sobretudo por motivo destas autênticas perversões – algumas das quais poderão nem sequer ser conscientes ou propositadas, mas que nem por isso são menos pressentidas ou intuídas pelo cidadão comum e leigo da política! – que germinou, progressivamente, sobretudo ao longo das últimas duas décadas, uma descrença popular nas instituições políticas democráticas e republicanas em Portugal e que fervilha hoje na Sociedade portuguesa, preocupantemente, uma crescente desconfiança e um estado de revolta latente contra a nossa classe política, os quais – se não forem rapida e eficazmente contrariados, com uma grande dose de pedagogia mas, acima de tudo, com acções concretas e visíveis – se poderão a breve prazo traduzir numa séria ameaça à sã sobrevivência do nosso Estado de Direito, como seguramente todos nós almejamos.
Explicitada a motivação que me conduziu a consumir algum do meu escasso e precioso tempo livre na elaboração deste documento, passo de seguida à apresentação dos pressupostos da minha análise crítica ao sistema eleitoral actual para a Assembleia da República, para com base neles fundamentar algumas propostas de modificação do actual estado de coisas, mas num sentido genuinamente democrático e fiel aos mais nobres princípios da justiça e da superioridade moral do Estado de Direito e da democracia representativa, livre e pluralista.

3 – SISTEMA ELEITORAL ACTUAL: MUDÁ-LO, PORQUÊ?
A questão fundamental associada a este desafio lançado pelo «Clube Loja de Ideias» é, naturalmente, o porquê de pensar em alterar o sistema eleitoral português para a Assembleia da República! Mas então alterá-lo para quê? Não é ele democrático e justo? Alguém ou alguma instituição, nacional ou internacional, põe ou pôs, uma vez que fosse, em causa a democraticidade e a validade das nossas eleições legislativas, livremente disputadas desde há já trinta anos? Haverá afinal imperfeições evitáveis no actual sistema eleitoral? Quais são e, neste caso, por que não foram ainda corrigidas?
As minhas respostas pessoais a estas questões – exceptuando o porquê da manutenção da actual situação –, são afinal o que procurarei clarificar de seguida.
Por motivos que hoje não me parecem facilmente explicáveis ao eleitor comum, o sistema eleitoral para a Assembleia da República está ferido de um vício estrutural que considero grosseiro e que consiste em fragmentar a eleição dos deputados de acordo com círculos eleitorais.
Essa fragmentação, no caso do território continental, está de acordo com uma sub-divisão administrativa destinada, segundo a actual Constituição, a desaparecer com a Regionalização e que já quase só possui efeitos práticos para o Ministério da Administração Interna, concretamente os nossos dezoito Distritos, acrescidos ainda, para o total do universo eleitoral português, de mais quatro círculos, dois deles relativos às duas únicas circunscrições regionais actualmente existentes, as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, e os outros dois respeitantes à denominada “emigração”, um deles para a Europa e o outro para os restantes Países (denominado “fora da Europa”).
Independentemente dos motivos que, na origem da adopção do actual sistema eleitoral, terão fundamentado e conduzido a esta “arrumação”, o facto é que ela é indiscutivelmente causadora de várias e graves injustiças, cujos efeitos vão ao ponto de se poder afirmar que não permitem uma tradução politicamente fiel, pelo menos tanto quanto a ciência matemática pode proporcionar, da vontade popular, no respeito pelos elevados princípios democráticos da proporcionalidade e da equitatividade para todo o universo eleitoral!
Apenas para prevenir a possibilidade de haver ainda quem não saiba exactamente a que me estou a refirir, ou até que ponto a situação é imoral, vou dar o exemplo concreto do nosso menor círculo eleitoral, o Distrito de Portalegre, que ao eleger apenas dois Deputados torna totalmente inúteis, repito, totalmente inúteis, realço, completamente irrelevantes, quaisquer votos livremente expressos que não traduzam a opção por uma das forças políticas – que, na melhor das hipóteses, serão apenas duas! – que consigam eleger os dois deputados a que este Distrito tem Direito!
Generalizando, por via deste método grosseiro e para mim totalmente injustificado de arrumação e distribuição espacial da eleição dos Deputados, perdem-se em cada eleição legislativa centenas de milhar de votos que, sem o suspeitarem ou sem nada poder fazer para o evitar – a não ser por meio de uma alteração do recenseamento eleitoral, para os Distritos grandes do Litoral! –, valem nada mais do que ZERO para a computação dos resultados e, consequentemente, para a distribuição final dos Deputados pelas diferentes listas concorrentes!
Por outras palavras: há em cada eleição para a Assembleia da República centenas de milhar de portugueses que, mesmo votando validamente, é como se não existissem, dado que pura e simplesmente não contam para a composição do novo parlamento! E cabe-me assim perguntar: e ninguém se indigna? Todos acham isto natural? Será assim que se pode, por exemplo, ser convincente no apelo ao voto? Aspirar a uma participação activa e consciente dos Cidadãos na vida política?
Creio que a resposta óbvia é não. Julgo por isso ser um dever de todos nós lutar para que esta situação iníqua seja prontamente corrigida!
Para que se compreenda melhor a magnitude matemática e política desta indefensável distorção gerada por este processo, sugiro-vos como exercício calcular a composição da actual Assembleia da República caso os votos de todos os portugueses residentes em Portugal e votantes a 20 de Fevereiro de 2005 tivessem contado por igual. Exacto, por igual! É que os resultados seriam, aproximadamente, os seguintes:
PS – 105 Deputados,
PSD – 66 Deputados,
CDU – 23 Deputados,
PP – 20 Deputados,
BE – 16 Deputados!
Estes valores surpreendentes obtêm-se muito facilmente somando os votos de cada Partido nos vinte círculos nacionais (dezoito distritais mais dois regionais) e distribuindo-os, pelo método de Hondt, para o número de lugares eleitos correspondente – total de Deputados (230) subtraído dos lugares correspondentes à emigração (cujos resultados considerei sem alterações) – e permite concluir de imediato, entre outras considerações relevantes, que:

1º – O P. S. não teria obtido maioria absoluta!!!
2º – Os chamados “pequenos Partidos” não são, afinal, tão pequenos como se imagina!!
3º – Para ter uma representação política mínima na A. R. (um único Deputado), bastaria a qualquer candidatura obter apenas uma percentagem de cerca de 0,5% de votos no território nacional!
E estes resultados significariam, “apenas”, uma composição política da Assembleia da República totalmente diversa da actual! E uma autêntica “revolução” no nosso sistema eleitoral!…
Imagine-se “simplesmente” o que seria da presente solução governativa portuguesa com esta distribuição parlamentar! E, por que não dizê-lo também, os resultados das últimas eleições autárquicas e, sobretudo, das presidenciais! Não estaremos nós a subestimar as consequências de uma situação tão flagrantemente aberrante? Não estaremos a contribuir fatalmente para o absoluto descrédito do nosso sistema eleitoral?? Haverá alguma justificação aceitável para uma tão clamorosa discrepância entre a composição política da actual Assembleia da República e a vontade popular? Ou será que isto não é uma questão da máxima importância política??
Parece-me assim lícito concluir que, enquanto não forem eliminados os círculos eleitorais distritais e regionais e adoptado o círculo único nacional para os residentes em Portugal, por forma a que os votos de Portimão, de Elvas, de Bragança, de Pinhel, de Viana do Castelo, ou de Sines, por exemplo, sejam justamente considerados no mesmo pé de igualdade que os da Picheleira, da Arrentela, de Vila Nova do Ceira, ou de Massarelos, também apenas para dar alguns exemplos, não se pode sequer considerar, em rigor, que a eleição da Assembleia da República seja totalmente democrática! O que considero uma asserção muito grave e que, por isso, espero comece a ser devidamente valorizada quer pela classe política portuguesa, quer pelos comentadores, analistas e líderes de opinião, pública ou publicada, para que rapidamente se torne inequívoco, para uma esmagadora maioria de opiniões, que há que concretizar uma mudança tão eficaz, tão simples e de custo tão insignificante como é a extinção dos círculos eleitorais distritais e regionais, sendo como é uma mera simplificação de toda a “contabilidade” eleitoral!
A distribuição dos candidatos a Deputados por círculos eleitorais distritais e regionais não faz actualmente qualquer sentido nem como forma de obrigar os Partidos a recrutar o seu pessoal político de forma equilibrada por todo o território – e porque não, então, também por sexos, ou por níveis etários, ou por habilitações literárias, ou por profissões, ou por qualquer outro tipo de classificação demográfica ou social?… –, como aliás se tem constatado pela fácil e aleatória “transferência” de candidatos de uns para outros círculos, nem muito menos como forma de “dar voz” às diferentes zonas do País, uma vez que a Assembleia da República é um órgão de representatividade exclusivamente nacional, sem quaisquer atribuições regionalistas (nem corporativistas, sexistas, ou etaristas…), e representa, isso sim, todo o universo eleitoral português, sendo para tal composta por deputados da Nação e tendo como mais nobre atribuição política servir de base à escolha do Primeiro-Ministro e à constituição do Governo, cuja acção lhe cumpre igualmente fiscalizar. Não precisa, por isso, de estar artificialmente fragmentada em sub-representatividades de cariz distrital ou regional!
E também não me parece válido o eventual argumento, que reputo de cínico e que muito tem inquinado toda esta discussão, da “proximidade” do eleito com o eleitor! Pessoalmente não vislumbro qualquer vantagem prática em estar “próximo” do meu suposto eleito (qual será? o décimo-terceiro da lista por Lisboa?!...), nem nunca reconheci o menor interesse nessa suposta “proximidade”, a não ser para a eventual prática do que mais condenável e nocivo pode conter uma democracia representativa: a influência directa e ilícita exercida por parte de interesses particulares – individuais ou de grupo – sobre os representantes do Povo, que o são, por essência, para benefício exclusivo do interesse geral!
Não existe pois, quanto a mim, argumentação racional e honesta capaz de ultrapassar a questão de princípio enunciada, pelo que resta apenas reconhecer a necessidade de alterar a situação presente e pugnar pela instituição, sem demoras, do círculo único para a Assembleia da República no território nacional (que, adiante-se já, não deverá ficar pendente de uma eventual reforma global que contemple, de uma forma similar, o caso específico dos círculos da emigração).
Para benefício de uma relação política nova entre eleitores e eleitos, assente na verdade, na justiça e na moral eleitorais!
E escusado será dizer que qualquer tentativa de pulverizar ainda mais a actual dispersão dos círculos eleitorais, concretamente por meio da adopção dos badalados círculos uni-nominais, só introduziria maiores distorções naquilo que deve merecer de todos nós o mais sagrado e profundo respeito, que é a igualdade e a transparência com que o processo eleitoral deve poder traduzir, com a máxima fidelidade matematicamente possível, a livre vontade dos cidadãos eleitores!
Mas há ainda mais imoralidades a registar no sistema vigente, talvez não tão chocantes e de solução tão simples e inequívoca, mas em todo o caso bastante perniciosas e, apesar de tudo, passíveis de correcção adequada, pelo menos a prazo.
Trata-se, nomeadamente, do modo concreto como é dada a oportunidade ao eleitor de exprimir a sua escolha no boletim eleitoral. Senão, atentemos – e há duas vertentes distintas e individualizáveis deste problema.
Numa eleição para um cargo nominal, como por exemplo a do Presidente da República, ou então uni-pessoal (como a de um Deputado num círculo uni-nominal…), o resultado da eleição é a escolha de um e apenas um dos candidatos. Daí que a escolha possa ser feita adoptando um processo absolutamente unívoco: cada voto corresponde a um único candidato, precisamente aquele que obtém a preferência do eleitor.
Mas será que este processo ainda se mantém válido quando o resultado da eleição é um órgão composto por diversos eleitos, como acontece para a Assembleia da República? Isto é, será legítimo obrigar cada eleitor a concentrar a totalidade da sua preferência numa única lista? Estou convencido de que não senhor, este sistema violenta a consciência dos cidadãos e não traduz nem de longe a realidade da sua escolha livre, responsável e íntima!
Outra questão do mesmo jaez: será que o eleitor pode praticar seguramente o voto em branco, não havendo uma cruzinha própria para esse efeito? Sim, porque quem garante, ao eleitor que decide votar em branco, que o seu voto não venha a posteriori a ser adulterado, em particular com a inscrição fraudulenta de uma cruzinha (ou mais…) em qualquer dos quadrados deixados vagos?
Para este problema a resposta é muito simples: basta acrescentar à das várias listas concorrentes uma linha com a denominação específica de “Voto em branco”, dispondo do respectivo quadradinho e garantindo assim a esta livre expressão da vontade pessoal um nível de segurança idêntico à de qualquer outro tipo de voto validamente expresso!
Mas voltemos então à questão principal: como assegurar uma absoluta coincidência entre a preferência do eleitor e as possibilidades reais de expressão da mesma? Não existindo nenhuma solução perfeita para este problema, há contudo formas viáveis de o minorar consideravelmente.
O melhor método conhecido foi descoberto no final do Século XVIII, cerca de 1 780 (antes ainda da Revolução Francesa!), por um matemático francês, Jean-Charles Borda, e é comummente empregue em muitos tipos de votação, como concursos e festivais, mas inexplicavelmente ainda não o é em votações de cariz político!
Pensemos no modo de votação dos “festivais da canção”, por exemplo, e atentemos nas virtualidades do método empregue: admitindo, como hipótese muito provável, que os membros do júri não tenham uma preferência inequívoca por uma só canção apresentada, mas antes dividam a sua escolha por mais do que uma, dá-se-lhes a possibilidade de distribuírem a sua votação, em graus diferenciados e de soma fixa, por várias delas – tal qual como poderia acontecer com os eleitores face às listas que lhes são apresentadas!
Imaginemos então que se punham à disposição de cada eleitor, digamos, para maior comodidade, dez, vinte ou mesmo cem votos (ou “valores”…), os quais poderiam ser utilizados no todo, ou apenas em parte, distribuindo-os pelas diferentes listas de acordo com a sua real preferência, isto aceitando obviamente como inevitável um determinado grau de aproximação (tanto maior quanto maior fosse o número total de votos disponibilizados)!
Mediante este método, que com os modernos processos de computação e tratamento de informação numérica não seria exageradamente oneroso ou difícil implementar, cada eleitor poderia ainda, se estivesse plenamente seguro da sua preferência por uma única lista, optar por concentrar todo o seu potencial de votação nessa mesma candidatura – o que equivaleria, aliás, a exercer o seu direito de voto nas mesmas condições com que actualmente se exerce –, mas seria igualmente respeitado todo o Cidadão eleitor que, não sabendo bem que lista corresponde em exclusivo à sua preferência, sabe contudo sem hesitação quais as listas entre as quais está indeciso e quais aquelas que de modo algum correspondem à sua livre escolha! Direi que o salto é tão grande, as consequências tão frutíferas quer para o processo mental de reflexão sobre a escolha eleitoral, quer para a fidelidade da tradução política da verdadeira vontade popular, que é como se passássemos de um método de escolha uni-dimensional para uma eleição a “duas dimensões”!
E é claro para mim que, nesta distribuição do tal número fixo de votos (naturalmente igual para todos os eleitores) pelas diversas listas, deveria também poder incluir-se o voto em branco! O que poderia exprimir-se de uma forma explícita, marcando no respectivo quadradinho os votos que sobrassem da distribuição do total pelas diversas listas, ou de forma implícita, através da computação automática dos votos excedentes neste mesmo sentido (linha do “voto em branco”), aquando do apuramento dos votos.
Por outro lado, e para conferir o devido significado político a estes votos em branco – ou mesmo aos que resultam do actual modo de votar! –, parece-me perfeitamente defensável ir um pouco mais longe e traduzir estes votos em “não-deputados”, ou lugares vazios na A. R., pelo mesmo processo matemático da eleição dos deputados!
Estes lugares não preenchidos contariam, em todas as votações, como as “abstenções” dos Deputados eleitos e traduziriam fielmente, deste modo, o sentir de quantos não se interessam por, não querem ou não sabem ter voz activa nas matérias da competência da Assembleia da República, posição que é tão respeitável, quanto a mim, como a daqueles que escolhem de outro modo e se manifestam activamente no acto eleitoral.
Ficaria assim garantido, também neste aspecto, o respeito pela legítima posição de abstenção política, no sentido em que é lhe dado na generalidade das votações, em qualquer tipo de assembleia democrática, em que se deve perguntar sempre “– Quem se abstém?” (não confundir aqui com o sentido comummente empregue, nos actos eleitorais, à percentagem da chamada “abstenção”, que traduz unicamente o acto de faltar ao dever de votar e que exprime não uma escolha consciente e politicamente interpretável, como é o voto em branco, mas uma enormíssima multiplicidade, politicamente indecifrável, de situações pessoais que conduziram à não comparência do eleitor, em tempo útil, na assembleia de voto!).
Posto isto, passo então, no capítulo seguinte, à apresentação sistematizada das minhas propostas concretas.

4 – PROPOSTAS PARA A CORRECÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS ACTUAIS
Feito o diagnóstico dos principais problemas que, quanto a mim, exigem uma substancial melhoria e adaptação do sistema eleitoral para a Assembleia da República, passo agora a enunciar as minhas propostas concretas para os solucionar, que sistematizaria em dois grupos, A e B, de acordo com aquilo que me parece ser um faseamento inevitável para a respectiva implementação, em condições de realismo político e operativo:

Grupo A – Propostas imediatas
PROPOSTA A 1 - Círculo eleitoral único no território nacional
Descrição: Adopção de um círculo eleitoral único no território nacional, destinado a eleger, pelo Método de Hondt, todos os Deputados à Assembleia da República, excepto os da emigração, cuja eleição, para simplificação desta proposta (e tendo em atenção as especificidades da representação dos eleitores emigrantes), se poderia para já manter como actualmente.
Numa fase inicial de transição, com a duração por exemplo de duas Legislaturas, poderia eventualmente manter-se a obrigatoriedade de os candidatos a apresentar por cada lista estarem referenciados pela respectiva Freguesia de Recenseamento Eleitoral, por forma a permitir respeitar, se tal fosse entendido desejável, uma proporcionalidade demográfica relativamente à origem geográfica dos candidatos, numa base de cálculo distrital, ou regional (segundo a Nomenclatura de Unidades Territoriais II, vulgo Regiões-Plano), para evitar uma eventual concentração de candidatos provenientes das zonas mais desenvolvidas, urbanizadas e prósperas do País.
Vantagens: - Eliminação das graves distorções que o sistema actual impõe na relação entre a percentagem nacional dos votos e a dos Deputados eleitos por cada lista, com óbvia e inaceitável penalização dos pequenos Partidos e benefício injustificado dos grandes, entre outras consequências políticas da maior relevância;
- Garantia para absolutamente todos os eleitores de serem os seus votos efectivamente determinantes para a computação dos seus representantes eleitos, numa base de total igualdade no território nacional, independentemente do seu local de recenseamento, ou da lista em que votem.
PROPOSTA A 2 – Segurança dos votos em branco
Descrição: Adição, nos boletins de voto, de mais uma linha semelhante à de cada candidatura, com o seu quadradinho próprio, mas destinada a exprimir o “voto em branco” (sem prejuízo de os votos não preenchidos continuarem, como até aqui, a contar igualmente como “votos em branco”).
Vantagens: Conferir ao “voto em branco” uma garantia de segurança pelo menos igual à de qualquer outra forma válida de votar, o que actualmente não se verifica, dado ser possível viciar os actuais votos “em branco” e transformá-los em votos validamente expressos, o que deixaria de ser possível com a adopção desta tão simples alteração nos boletins de voto.
PROPOSTA A 3 – Representação eleitoral dos votos em branco
Descrição: Transformação dos votos em branco em lugares vagos na Assembleia da República, usando o mesmo método de Hondt que é utilizado para a contabilização dos eleitos de cada força política concorrente. Por motivos de operacionalidade mínima da Assembleia eleita, poderia contudo estabelecer-se um tecto, por exemplo no valor de dez Deputados, ao número de lugares deixados vagos por este método (ou mesmo adoptar uma proporcionalidade não directa, mas logarítmica, até esse limite).
Vantagens: Respeitar fielmente a vontade daqueles eleitores que, embora cumprindo o seu dever cívico de votar, não têm preferência por nenhuma lista concorrente e também não querem deixar de o exprimir eficazmente, garantindo assim que, em todas as votações na A. R., haverá sempre no mínimo um “grupo parlamentar” que se irá abster, representando assim fielmente a vontade soberana destes eleitores (o que, note-se, não faz qualquer sentido para o voto nulo, nem para a denominada “abstenção”, que afinal mais não é, na prática, do que uma não-comparência à assembleia de voto).

Grupo B – Proposta a implementar logo que tecnicamente viável
PROPOSTA B – Votação proporcional nas várias listas (incluindo o voto em branco)
Descrição: Cada eleitor passaria a dispor de um número total fixo de votos, por exemplo vinte, que poderia distribuir pelas várias candidaturas, incluindo obviamente o voto em branco. Qualquer boletim contendo uma soma de votos maior do que esse total seria considerado nulo. Qualquer boletim contendo uma soma de votos inferior a esse total poderia (ou não) ser “completado” acrescentando o sobrante unicamente ao “voto em branco” (para prevenir erros involuntários do eleitor). Os boletins de voto poderiam, no entanto, continuar a ser preenchidos da mesma forma, com a tradicional “cruzinha”, o que equivaleria a vinte votos nessa candidatura.
Vantagens: – Possibilidade de exprimir as preferências eleitorais de uma forma muitíssimo mais consentânea com o pensamento de cada eleitor, suprimindo os constrangimentos actuais que a concentração dessa preferência numa só lista induz;
– Eliminação dos efeitos perversos decorrentes do método de votação actual que, ao valorizar apenas a primeira preferência do eleitor, sem contar com a hierarquização global das suas preferências face às várias escolhas possíveis, introduz resultados matematicamente distorcidos de que o melhor exemplo será o conhecido efeito do chamado “voto útil”, que impele o eleitor para escolhas indesejadas por ausência de alternativas válidas para exprimir o seu veredicto!

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
É meu entendimento que o sistema democrático, enquanto construção complexa e frágil, nunca acabada e sempre aperfeiçoável, mas imprescindível ao que nos dias de hoje entendemos como vida civilizada, carece de revisões periódicas que lhe permitam ir evoluindo e progredindo ao ritmo próprio dos tempos, adaptando-se e acompanhando a própria evolução – material, mas também moral – das sociedades.
Creio ainda estarmos a atravessar em Portugal, no actual momento político, como que uma crise de crescimento da Democracia, que exige um salto qualitativo decisivo, quiçá, para a sua própria sobrevivência.
Por outro lado, o sistema eleitoral, não esgotando obviamente a definição do regime democrático (longe disso), constitui, porém, uma das suas manifestações mais visíveis e emblemáticas e a qual, em caso de disfunções graves, poderá despoletar e tornar-se responsável por graves patologias da vivência democrática e do próprio Estado de Direito, pelo que urge dar a necessária atenção a todos os fenómenos relacionados com a componente eleitoral do regime republicano e democrático, como meio de prevenir o surgimento e enquistamento desses males e, duma forma mais positiva, como forma pedagógica de manter acesa nas gerações vindouras – que, felizmente, não conheceram a ausência da liberdade e, façamos sinceros votos, nunca terão de lutar pelo restabelecimento da Democracia – a chama da esperança num futuro mais justo e a crença no sistema de governo democrático como melhor e mais aperfeiçoada forma para o atingir.
Foi com este objectivo e animado por esta convicção que aceitei o presente desafio, em boa hora lançado pelo Clube «Loja das Ideias».
Por isso termino, endereçando a todos os seus membros os meus sinceros parabéns por esta iniciativa, formulo votos de continuação de uma profícua actividade e manifesto o meu profundo e reconhecido agradecimento!

1 comentário:

Ricardo disse...

A melhor das propostas no meu ver, mas também incompleta, num ponto: A reprentatividade na AR deverá refletir também as escolhas regionais dos cidadãos. Os circulos não deverão desaparecer, em minha opinião. Não haverá hipóteses de ajustar os deputados a eleger por circulo com a população desse circulo? Duma forma equitativa e justa?

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