terça-feira, junho 06, 2006

Proposta F

PROPOSTA F
(26.329 caracteres)

Proposta de reforma do sistema eleitoral português

Introdução
Um círculo em que 96 mil votos elegem três deputados, enquanto noutro bastam 91 mil para eleger cinco...
Um deputado eleito com pouco mais de 16 mil votos, quando outro fica fora do Parlamento obtendo 22 mil...
Um partido que apesar de ter menos votos no cômputo geral dos círculos da Emigração, obtém três vezes mais deputados do que o partido mais votado...
Estes são alguns dos factos com que nos deparamos ao analisar os resultados das eleições legislativas de 20 de Fevereiro de 2005 e que constituem um sintoma claro de que o sistema eleitoral português precisa de ser reciclado.
Não chamo à proposta que se segue “reforma” por dois motivos: primeiro, porque ela autolimita-se num aspecto muito importante, que é a não alteração da Constituição da República Portuguesa; segundo, porque muitos dos elementos que compõem o actual sistema não serão jogados fora, mas antes reutilizados por forma a melhorar a qualidade geral da democracia representativa que temos.
O respeito pela actual redacção da Constituição também tem um aspecto prático associado. Se é urgente mudar o sistema, essa mudança deve processar-se da forma menos morosa possível. E isso passa, obviamente, pela alteração do mínimo de leis, deixando intacta a lei fundamental, cuja alteração necessita de acordos alargados, os quais, regra geral, são complicados de obter.
Numa primeira fase, começarei por explicar em traços gerais a actual forma de eleição de deputados para a Assembleia da República, passando depois para uma análise de problemas que surgiram nas diversas eleições legislativas desde a Revolução dos Cravos, com especial incidência nas Legislativas de 2005. Pelo meio da análise, avançarei propostas de resolução para os vários problemas encontrados.

1. Como funciona o sistema e porquê mudá-lo?

A eleição de deputados para a Assembleia da República (AR) divide-se por 22 círculos eleitorais plurinominais, aos quais concorrem listas apresentadas por partidos e compostas pelos nomes de vários candidatos.
Esses círculos coincidem com os 18 distritos de Portugal Continental, as duas Regiões Autónomas (Açores e Madeira) e contemplam ainda duas circunscrições para os emigrantes portugueses espalhados pelo mundo.
O número de mandatos a atribuir a cada um destes círculos é definido pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) cerca de dois meses antes de cada acto eleitoral. As únicas excepções são os círculos da emigração, aos quais por lei são atribuídos quatro deputados, dois pelo círculo da Europa e dois pelo círculo de Fora da Europa.
Essa distribuição prévia dos mandatos tem por base o número de inscritos nos cadernos de recenseamento eleitoral e é feita segundo o método da média mais alta de Hondt. O mesmo cálculo matemático é aplicado após as eleições para a conversão dos votos em mandatos (para saber mais sobre o método de Hondt consulte www.stape.pt/hondt/hondt_nt.htm).
Como todos os sistemas eleitorais, aquele que temos também tenta encontrar o ponto de equilíbrio entre governabilidade, proporcionalidade e representatividade, e só haverá motivos para o pôr em causa se algum destes pilares evidenciar fragilidades.
Ora, a elevada taxa de abstenção, as sondagens que revelam baixa confiança das pessoas nos políticos e nas instituições e as percentagens de votos em branco ou nulos – foram, respectivamente, a sexta e sétima “força política” nas Legislativas 2005 – são exemplos de como parte importante do eleitorado não se revê no sistema, denotando falhas na representatividade.
Do mesmo modo, existe um problema de proporcionalidade que é levantado e explicado em detalhe nos comentários de Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis à quarta reedição da Lei Eleitoral da Assembleia da República, disponibilizada pela CNE no endereço www.cne.pt/Legislacao/dlfiles/legis_lear_2005_anotada.pdf.
Ora, estando em crise dois dos três pilares que deveriam sustentar o sistema, o ideal é analisar quais os problemas concretos a que é preciso dar resposta, de modo a “reciclar” o sistema eleitoral da melhor forma possível.

2. Mais votos nem sempre implicam mais deputados
O senso comum diz-nos que quem tem mais votos deverá ter maior número de deputados. Porém, nem sempre é isso que acontece... e as Legislativas 2005 deram-nos dois exemplos de como o sistema eleitoral actual pode criar injustiças entre eleitores de diferentes círculos e entre eleitores de diferentes partidos.
2.1. Círculos com mais votos... mas menos deputados
Aquando da distribuição dos mandatos de deputado, a CNE atribuiu cinco aos Açores, quatro à Guarda e três a Évora. Tudo decorreu da forma habitual e legalmente estabelecida, sem qualquer razão para contestações.
Porém, uma análise aos resultados mostra-nos que para eleger os cinco deputados dos Açores bastaram 91.315 votantes, ao passo que os três de Évora exigiram 96.735 votos e os quatro da Guarda foram definidos por um total de 101.056 eleitores.
Ou seja, comparando com os Açores, mais 5.420 votos em Évora valeram menos dois deputados... e mais 9.741 votos na Guarda valeram menos um deputado.
Esta situação já tinha ocorrido nas Legislativas 2002 com estes mesmos três círculos e ainda com Bragança. Nessa altura, só para se ter uma ideia, 84.648 votantes elegeram quatro deputados por Bragança, mas foram precisos 100.909 para eleger iguais quatro pela Guarda. Já 89.808 elegeram cinco pelos Açores, enquanto 91.020 só conseguiram três por Évora.
Ou seja, Évora teve mais votantes mas menos deputados do que os Açores e Bragança, e a Guarda teve menos um deputado do que os Açores, apesar de ter 11.101 votos a mais.
Não se pense, porém, que esta é uma situação exclusiva dos círculos de pequena dimensão.
Em 1995 passou-se o mesmo entre Setúbal e Braga, dois círculos de grande dimensão: 432.955 votos elegeram 17 deputados por Setúbal, enquanto em Braga 452.981 só tiveram direito a 16.
Isto é, mais 20.026 votos mas menos um deputado para Braga.
2.2. Partidos com mais votos... mas menos deputados
Como acima referi, as desigualdades não afectam só os círculos, mas também os partidos. Nos dois círculos da Emigração, o PSD elegeu três deputados e o PS apenas um. Mas somando os resultados dos dois partidos, vemos que o PS conquistou 16.280 votos e o PSD teve 14.149. Ou seja, com menos 2.131 votos do que os socialistas, o PSD recebeu o triplo dos deputados!
Na sua ilógica, este facto assemelha-se a uma situação vivida nas Legislativas de 1980 e que envolveu o PS, o POUS/PST e a UDP.
Nos 18 círculos de Portugal Continental os socialistas integraram a coligação FRS, mas optaram por concorrer sozinhos por Açores, Madeira, Europa e Fora da Europa, conquistando aí 67.081 votos, que lhes deram três parlamentares.
Por seu turno, o POUS/PST, que concorreu em todos os círculos, não elegeu ninguém apesar de somar 83.095 votos, ao passo que a UDP, que também se apresentou em todo o lado, teve 83.204 votos, com os quais só elegeu um deputado, por Lisboa, e praticamente à tangente.
Ou seja, a UDP teve mais 16.123 votos do que o PS (enquanto força não coligada) mas uma representação três vezes inferior, e o POUS/PST superou os socialistas em 16.014 votos mas não entrou no Parlamento.
2.3. Porque é que isto acontece?
No caso abordado em 2.1, as injustiças devem-se, em parte, à distribuição prévia dos mandatos pelos círculos com base em cadernos eleitorais inflacionados.
Em declarações ao Jornal de Notícias (JN) por ocasião das Presidenciais 2001, o então subdirector-geral do Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (STAPE), Jorge Silva, admitiu que Portugal teria cerca de meio milhão de “eleitores fantasma”.
O mesmo responsável frisava que não se podia saber o número exacto porque o STAPE dependia de terceiros – como as comissões recenseadoras locais – para corrigir os seus dados.
Na mesma notícia, fonte do STAPE contactada pelo JN reconhecia que as comissões recenseadoras locais têm «uma certa vantagem» em não eliminar os “fantasmas”, dado que o inflacionamento dos cadernos poderá induzir a CNE a atribuir a determinado círculo mais mandatos do que a sua população eleitora efectiva justifica.
Ora, enquanto a CNE distribuir previamente os mandatos com base em valores de difícil controlo e fáceis de manipular, estas injustiças vão continuar a acontecer. Por isso é fundamental neutralizar o efeito dos “eleitores fantasma”, torná-los irrelevantes.
2.4. Implementar um círculo nacional
A solução que defendo para este problema é a instituição de um círculo nacional com um número de mandatos fixo, o que tornaria desprezável a presença de “eleitores fantasma” nos cadernos, dado que a CNE deixaria de precisar destes para dividir os mandatos pelos círculos.
Acabando com os círculos plurinominais actuais resolvíamos ainda o problema indicado em 2.2., que resulta da dispersão dos votos por vários círculos, o que acaba por os tornar inúteis. Esta solução é permitida por lei, pelo que só precisa de vontade política para ser aplicada.

3. Diz-me onde votas, dir-te-ei quanto vales
Outra das razões para acabar com os actuais círculos plurinominais é que eles contrariam, em certa medida, o princípio da igualdade de voto, que consiste no «igual peso numérico e igual valor quanto ao resultado» de todos os eleitores.
É que o número de votos necessários para eleger um deputado nas Legislativas 2005 variou entre 3.891 votos pelo círculo de Fora da Europa e 23.198 pelo círculo do Porto. Uma diferença substancial, convenhamos.
A título de exemplo, confrontem-se círculos tão próximos quanto Viana do Castelo e Braga. Enquanto 16.205 vianenses elegeram Abel Baptista (CDS-PP), 22.179 bracarenses não foram suficientes para colocar Pedro Soares na bancada do BE.
Ora, se todos os deputados têm o mesmo peso aquando das votações no hemiciclo, porque é que uns precisam de mais votos para serem eleitos do que outros? E porque é que a AR possui 22 grupos de deputados suportados por pesos eleitorais distintos?
Isto prova que, na prática, os eleitores não valem todos o mesmo, pois o seu peso depende do círculo de recenseamento. É caso para dizer: diz-me onde votas, dir-te-ei quanto vales...Para se ter uma noção das diferenças de peso, segue-se um quadro com o número de votos que elegeram deputados nas Legislativas 2005 em cada um dos círculos. O valor apresentado é um arredondamento por defeito da última série de Hondt que resultou num mandato
[graficos que não foram possiveis de colocar. Peça-nos por e-mail. lojadeideias@gmail.com]
4. Aproveitar melhor os votos
A inutilidade de milhares de votos é usual em sistemas de democracia representativa, em virtude dos métodos de conversão dos votos em mandatos. No entanto, o facto de Portugal ter o universo eleitoral dividido em 22 círculos, muitos dos quais de pequena dimensão, exponencia a quantidade de votos inúteis.
Como já foi dito em 2.4., é possível aproveitar melhor os votos depositados pelos cidadãos e, ao mesmo tempo, corrigir as distorções de proporcionalidade entre círculos referidas em 2.1.. Basta instituir um círculo nacional com um número fixo de mandatos.
Porém, a opção por um círculo nacional desequilibraria o sistema eleitoral a favor da proporcionalidade e em detrimento da governabilidade do país. Além disso, a substituição dos actuais círculos por um círculo nacional único correria o risco de afastar mais eleitores e eleitos, ao quebrar laços de proximidade. Como combater então estes efeitos secundários?
4.1. Activar os círculos uninominais
Uma solução há muito apontada como capaz de aproximar eleitores e eleitos é a dos círculos uninominais, circunscrições em que o eleitor vota num determinado candidato em vez de votar numa lista composta por vários nomes (plurinominal). Essa opção está prevista na lei desde 1997, mas nunca foi posta em prática.
Por isso, proponho que o círculo nacional plurinominal seja complementado por círculos parciais uninominais de candidatura. Estes últimos poderiam ser coincidentes com os actuais círculos, representando um elemento de continuidade que permitiria uma melhor adaptação dos eleitores à nova forma de eleição.
A dimensão distrital destes círculos não poderia ser alvo de práticas ou acusações de gerrymandering, uma vez que eleitores e eleitos aceitam há já muito tempo estes limites como normais e identificam-se com eles.
Outra das vantagens de ter círculos uninominais com dimensão distrital seria a prevenção ou a diluição de eventuais fenómenos de caciquismo, um problema que se poderia levantar caso se optasse por círculos uninominais de dimensão mais reduzida.
Além do que já foi dito, os círculos uninominais corrigiriam a proporcionalidade pura do círculo nacional proposto, aumentando ligeiramente a governabilidade do sistema.
Neste sistema misto, o eleitor passaria a ter direito a dois votos: um no círculo nacional, pelo qual se apresentariam as listas plurinomais dos diversos partidos, e outro no círculo uninominal de candidatura, pelo qual concorreriam candidatos em nome próprio, mas apoiados pelos partidos, de modo a não contrariar o que está disposto na Constituição.
4.2. Uma proposta concreta
Feita que está uma parte importante da argumentação, passarei à pormenorização do sistema que defendo.
Proponho a criação de um círculo nacional de grande dimensão, que eleja 161 deputados, e a instauração de 22 círculos uninominais – coincidentes com os actuais círculos de eleição – que elejam 44 deputados (dois por cada círculo).
Deste modo, o número total de deputados passaria dos actuais 230 para 205, valor que fica exactamente a meio entre os 180 e os 230 mandatos legalmente estabelecidos, e que, por ser ímpar, tem a vantagem de impedir a reedição de empates técnicos como o de 1999.
Fazendo uma simulação com os valores das Legislativas 2005, a configuração parlamentar resultante do sistema que proponho seria mais próxima da vontade expressa pelos portugueses nas urnas, como o confirmam as menores variações percentuais na conversão de votos em mandatos, as quais ficam praticamente reduzidas a metade.
Além disso, o pluralismo parlamentar aumentaria, ao ser dada representação a mais dois partidos, no caso o PND e o PCTP/MRPP. Seguem abaixo as tabelas comparativas
[graficos que não foram possiveis de colocar. Peça-nos por e-mail. lojadeideias@gmail.com]

4.3. Porquê um círculo nacional de grande dimensão?
A razão pela qual defendo um círculo nacional de grande dimensão prende-se com as vantagens óbvias que este traria: maior pluralismo e maior proporcionalidade.
No que diz respeito ao pluralismo, e apesar do número de deputados ser inferior, partidos como o PCTP/MRPP e o PND teriam direito a um representante no sistema que proponho.
Afinal, o PCTP/MRPP obteve 48.186 votos, mais do que aqueles que deram ao BE dois deputados por Setúbal, enquanto o PND conquistou 40.358, uma votação superior àquela com que o PS elegeu dois parlamentares por Portalegre. Será justo os eleitores destes dois partidos não estarem representados na Assembleia da República só porque estão dispersos pelo país?
Depois temos a questão da proporcionalidade. Comparando as variações dos dois sistemas, aquele que defendo revela-se mais proporcional do que o actual, pois não favorece tanto os partidos mais votados e prejudica menos as forças com menor votação.
Caso se optasse por um círculo nacional de pequena ou média dimensão, como já se tem falado, a presença dos grandes partidos seria inflacionada e o peso dos mais pequenos diminuído, o que colocaria em causa tanto o pluralismo como a proporcionalidade. Por isso considero que, a ser criado um círculo nacional, este só faz sentido se for de grande dimensão.
4.4. Porquê 22 círculos uninominais de dois deputados cada?
Dois deputados é o mínimo que cada um dos actuais círculos plurinominais elege, pelo que seria também a base de eleição dos círculos uninominais no sistema proposto, até para ir ao encontro de acórdãos do Tribunal Constitucional que defendem os dois mandatos como mínimo num sistema proporcional.
Ao atribuir um número igual de mandatos aos 22 círculos uninominais, estar-se-ia a tomar uma posição política de discriminação positiva do interior. O que não estaria errado se tivermos em conta que, para contrabalançar, a concentração da maior parte dos eleitores no litoral dará a estes um maior peso na definição dos deputados do círculo nacional.
4.5. Porquê 205 deputados?
A escolha deste número de representantes não é aleatória. Ela tem motivações científicas, que se prendem com as dimensões médias dos parlamentos da União Europeia, e motivações de ordem política, que estão relacionadas com o equilíbrio entre as vontades expressas no passado pelos vários partidos com representação parlamentar.
Em relação às motivações científicas, podemos ver nos gráficos seguintes que a relação entre número de deputados e número de habitantes nos países da União Europeia ganha ligeiramente com a redução do número de deputados em Portugal de 230 para 205.
[graficos que não foram possiveis de colocar. Peça-nos por e-mail. lojadeideias@gmail.com]
Segundo a curva, tendo a conta a população de Portugal, o número ideal de deputados situar-se-ia nos 221, um número bastante mais próximos dos actuais 230 do que dos 205 propostos.
No entanto, a opção que fiz por 205 prende-se com motivações políticas, uma vez que um dos principais partidos portugueses, o PSD, defende uma redução drástica dos parlamentares. Mas como o número normalmente avançado pelo PSD – 180 – originaria uma menor adequação da curva aos dados, e além disso é uma posição pouco ou nada do agrado dos restantes partidos, optei por definir 205 como o valor ideal para esta proposta.
Penso que deste modo consegui encontrar um ponto de equilíbrio entre a vontade daquele que actualmente é o principal partido da oposição, os desejos de outros partidos e os dados científicos que tinha ao meu dispor para abordar a questão da dimensão do Parlamento.
4.6. Duas classes de deputados
A existência de um sistema misto acarreta o risco de se criarem duas classes de deputados, «a daqueles que ganharam sozinhos e a daqueles que ganharam no rebanho», como disse Miguel Galvão Teles na sua audiência perante a Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político.
Mas esta seria uma questão sobretudo corporativa, que até se rebateria com o argumento de que todos são deputados da nação, independentemente do círculo por que foram eleitos.
Na relação entre eleitos e eleitores, a existência de círculos uninominais contribuiria para tornar mais claro que as eleições legislativas não são “eleições para o primeiro-ministro”, mas antes eleições de deputados, o que daria maior dignidade e visibilidade ao cargo.
A este propósito, é de recordar que durante a campanha de 2005 a CDU de Viseu chegou a oferecer um chocolate a quem dissesse o nome de três deputados eleitos pelo distrito... e não entregou muitos. Isto porque grande parte dos eleitores vota pensando nos líderes nacionais dos vários partidos e desconhece as pessoas que está realmente a eleger.
Porém, esta mesma ideia de que o eleitor desconheceria o deputado que está realmente a eleger também pode ser aplicada ao círculo nacional proposto, dada a sua grande dimensão.
Se em relação aos 44 deputados eleitos pelos círculos uninominais de candidatura não parece haver grandes dúvidas quanto à maior proximidade de determinados eleitores com eles, os 161 restantes têm o já referido problema de serem os que “ganharam no rebanho”.
Para não criar esse problema de potencial imagem negativa dos deputados eleitos pelo círculo nacional, poderia ser tomada uma medida geral muito simples, que não contrariasse o princípio de que todos são deputados da nação, mas desse aos eleitores uma noção de quais as áreas preferenciais de cada parlamentar, tanto em termos geográficos como temáticos.
Assim, tal como no início da legislatura se definem as comissões a que cada deputado vai pertencer, estas áreas geográficas e temáticas mais do agrado de cada representante seriam tornadas públicas nessa altura, por forma a que os eleitores soubessem a quem se dirigir caso pretendessem chamar a atenção do Parlamento para determinado assunto.
Cada deputado teria então determinada(s) área(s) geográfica(s) e temática(s) às quais estava formalmente incumbido perante os eleitores de dar maior atenção, institucionalizando assim uma prática que já é, de certo modo, comum na AR.
De facto, dentro dos grupos parlamentares já existem deputados especializados em Saúde, Educação, Ambiente ou Justiça, por terem carreiras ou um interesse especial nesses temas. Há outros que estão mais atentos aos problemas dos emigrantes, do Algarve, da Madeira ou do Grande Porto, seja por aí residirem ou por possuírem uma ligação afectiva a essa região.
4.7. Diminuir votos inúteis e incentivar a participação eleitoral e o voto sincero
A aproximação entre eleitores e eleitos seria ainda mais reforçada quando os primeiros se apercebessem de que o duplo voto aumenta as hipóteses de verem as suas escolhas reflectidas na AR, e de que um círculo nacional de grande dimensão aproveita melhor todos os votos válidos.
Além do melhor aproveitamento dos votos, a implementação de um círculo nacional poderá contribuir para diminuir a abstenção, por representar um incentivo ao voto sincero.
Por exemplo, os actuais três mandatos de Beja são disputados por PS, CDU e, com grande esforço, pelo PSD. Os simpatizantes de outros partidos sabem, ou intuem, de antemão que não essas forças não têm grandes hipóteses no Baixo Alentejo. O mesmo se passa em Viseu, em que os nove mandatos são invariavelmente distribuídos por PS, PSD e CDS-PP.
Ora, perante este constrangimento, alguns eleitores optam por votar estrategicamente num desses três partidos, enquanto outros nem sequer se sentem motivados para votar. Poucos são os que, por militância, por desconhecimento da lógica do sistema ou por esperança numa mudança no seu círculo, votam em forças que não aquelas com hipóteses de eleger deputados.
Este comportamento é evidente nos círculos da Emigração e noutros círculos de pequena dimensão. Basta comparar as percentagens dos dois partidos mais votados com as dos restantes.
Com a existência de um círculo nacional este constrangimento acabaria, promovendo o voto sincero em detrimento do voto estratégico e incentivando a participação eleitoral.

5. Da governabilidade
Apesar de ter avançado com respostas possíveis aos problemas colocados, há uma questão importante que ainda precisa de ser abordada para que o sistema proposto seja visto como uma alternativa convincente: a governabilidade.
Como se viu pela simulação, o sistema proposto teria impedido uma maioria absoluta do actual partido de Governo, o que poderia eventualmente obrigar a uma coligação pós-eleitoral, onde haveria, em princípio, maior dificuldade em tomar medidas, e onde a maioria relativa que sustenta o governo seria incapaz de se opor a uma eventual moção de censura aprovada pela oposição em bloco.
Por isso, a bem da estabilidade dos executivos governamentais que estejam assentes em maiorias relativas e não absolutas, proponho que Portugal importe para a sua lei eleitoral um mecanismo já existente em Espanha e na Alemanha: o da moção de censura construtiva. Se a oposição apenas diz que é contra e não apresenta propostas alternativas viáveis, então o governo permanece em funções.
Esta medida teria como efeitos prováveis a criação de uma oposição mais responsável e a maior estabilidade do executivo, mesmo nos governos assentes em maiorias relativas.

6. Um outro sistema eleitoral é possível

Resumindo, o sistema que proponho instituiria um círculo nacional de 161 deputados e 22 círculos uninominais de dois deputados cada, coincidentes com os círculos actuais.
Uma mudança neste sentido teria a vantagem de aproveitar melhor os votos dos cidadãos e, consequentemente, aumentar o pluralismo na Assembleia da República e levar o Parlamento a reflectir de forma mais fidedigna a sociedade portuguesa.
Tudo isto ao mesmo tempo que se reduzia o número de deputados para 205, se promovia uma maior igualdade de voto entre eleitores de todo o país e se acabava com a necessidade de recorrer a cadernos eleitorais assombrados por “fantasmas” para distribuir os mandatos a priori, prática que tem contribuído para injustiças flagrantes entre círculos eleitorais.
A governabilidade do país não seria posta em causa, em parte porque os círculos uninominais – que seriam finalmente postos à prova como forma de aproximação entre eleitores e eleitos – serviriam como medida correctiva da proporcionalidade pura de um círculo nacional, mas sobretudo pela introdução de um mecanismo como a moção de censura construtiva, que tem dado bons resultados em termos de estabilidade dos executivos em Espanha e na Alemanha.
A maior clareza e publicitação dos assuntos em que cada deputado se sente mais à vontade também contribuiria para que os eleitores encarassem o Parlamento como uma instituição que está ao serviço da população, uma vez que simplificaria as relações de comunicação entre eleitores e eleitos, acabando por aproximá-los.
Por último, além dos benefícios acima referidos, o sistema que proponho tem na própria autolimitação que se impõe – deixar intacto o texto constitucional – uma vantagem prática, que é a de “só” necessitar de vontade política imediata para ser posto em prática.
[graficos que não foram possiveis de colocar. Peça-nos por e-mail. lojadeideias@gmail.com]

Sem comentários:

Pesquisar neste blogue