sábado, junho 03, 2006

Proposta C

Proposta C
(39.579 caracteres, sem anexos)

A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

A Assembleia da República é o órgão legislativo por excelência, onde se faz a vigilância democrática do executivo e se joga o apoio ou o chumbo das políticas dos governos. Mais do que isso, onde se faz a catarse civilizada das questões públicas e, mais do que legislações concretas, se reflectem e elaboram, por vezes de forma silenciosa ou não apercebida do público, as grandes linhas de pensamento. É nela que a sociedade se tem que rever e é sobretudo aqui que reside o calcanhar de Aquiles do sistema e torna imperiosa a sua reforma.

A Reforma da Assembleia da República
São alvo destas propostas de melhoria da AR:
a representatividade e legitimidade políticas
a estabilidade
a eficiência
a dignidade.
(Os anexos 1 e 2 estão no fim do texto)

Estas propostas implicam um novo olhar sobre a Assembleia da República assumindo o princípio de termos uma Assembleia da República de Partidos.
De facto sempre assim tem sido. Assumir isto implica:
Que o importante são as posições do Partido e não dos deputados individualmente
(o voto é no Partido e é legítimo que o eleitorado espere ver no Parlamento as posições do Partido como um todo e não posições individuais de deputados. Só assim se consegue a necessária estabilidade)
Que importa sobretudo a forma como cada partido encontra as suas posições.
(a participação do candidato escolhido pelo partido e votado pelos seus eleitores realiza-se sua participação democrática na construção da opinião do Partido. Só a participação de todos os que foram candidatos permite que todo o partido e todo o seu eleitorado se encontre representado no processo de tomadas de decisão do Partido ao nível da Assembleia da República)
Sendo a legitimidade primeira dos partidos torna-se mais ou menos secundário quem são os deputados que em cada momento estão no plenário em sua representação.
Que cabe à Direcção do Partido a liderança da vertente parlamentar do Partido.

(Os candidatos ou foram escolhidos pela direcção do Partido ou escolhidos em eleições locais enquanto a Direcção do Partido foi escolhida em eleições internas nacionais.)
Que servindo o plenário para expressar a opinião de cada partido será possível reduzir o número de deputados que o constituem devendo ser a principal orientação, no encontro do número, conseguir a representatividade proporcional de todo o País e dos vários quadrantes políticos.
Importa referir que as propostas que se seguem embora representem uma concepção global final provavelmente deverão ser implementadas gradualmente. A eleição dos candidatos em primárias pelas bases do partido, que aliás é do foro estatutário de cada partido, poderá ficar para um segundo tempo. O período da legislatura poderá ficar também, numa primeira fase, em cinco anos.
Sabe-se que implicando um novo olhar para a AR e sendo originais as propostas certamente se levantam um série de interrogações. No anexo II a resposta a algumas das interrogações previsíveis.

Propostas para A Reforma da lei eleitoral e da assembleia da república
1 --- Os partidos candidatam-se através de listas fechadas de base distrital, como até agora, mas com a novidade da lista de cada distrito passar a estar dividida em subcírculos, correspondentes a freguesias ou agrupamentos de freguesias, e ordenados alfabeticamente pelo nome dos subcírculos. A cada subcírculo corresponde o nome de um candidato, de forma claramente identificada.
2 --- Os candidatos a deputados são designados pela base dos respectivos partidos, através de eleições directas e majoritárias no subcírculo a que se candidatam, com recurso a segunda volta se necessário.
3 --- É criado em cada partido o Conselho de Deputados, dele fazendo parte de pleno direito todos aqueles que foram candidatos.
4 --- Cabe à direcção dos partidos propor as direcções dos conselhos de deputados-grupos parlamentares a serem eleitas pelos seus pares.
5 --- Cabe às direcções dos conselhos de deputados indicar em cada momento, de entre os membros do Conselho de Deputados de cada distrito, quem integra o plenário da Assembleia da República, respeitando sempre o princípio segundo o qual por cada distrito não pode haver em cada momento mais deputados no plenário da Assembleia da República do que os atribuídos a esse partido através do método de Hondt.
6 --- Sem prejuízo da manutenção da proporcionalidade nas comissões e nas votações, todos o deputados podem, em representação do seu partido, desempenhar funções activas nas várias comissões, independentemente de estarem ou não a participar no plenário da Assembleia da República .
7 --- O Programa de Governo deve obrigatoriamente ser aprovado pela Assembleia da República.
8 --- As legislaturas terão uma duração de seis anos.

Propostas
1 --- Que os partidos se candidatem através de listas fechadas de base distrital, como até agora, mas com a novidade da lista de cada distrito passar a estar dividida em subcírculos, correspondentes a freguesias ou agrupamentos de freguesias, e ordenados alfabeticamente pelo nome dos subcírculos. Que a cada subcírculo corresponda um nome de um candidato, claramente identificado.
Ou seja, mantém-se o primado dos partidos, continuando-se a votar em listas partidárias distritais, mas estas passam a estar subdivididas em pequenos círculos com a identificação do candidato correspondente por cada um destes subcírculos.
Assim se resolve de forma clara a questão da identificação do candidato pelos seus eleitores e a respectiva responsabilização e se acaba com uma das causas que tem contribuído para a crescente mediocridade da Assembleia da República: o absoluto anonimato da grande maioria dos candidatos, que, sendo eleitos numa campanha em que apenas o presidente do partido aparece, são do ponto de vista eleitoral absolutamente irrelevantes. Ser eleitoralmente indiferente permite que o critério prevalecente seja o interesse pessoal de quem decide: do presidente do partido e do presidente de cada distrital. Na base da negociação está a escolha do respectivos yes man, quer para pagar os serviços do passado, quer para garantir os apoios futuros. O aparelho instala-se.
A melhoria do sistema político tem mais a ver com a melhoria dos partidos e do pessoal político do que propriamente com leis. As reformas que são precisas fazer e que aqui se propõem visam sobretudo facilitar esse objectivo, curto-circuitando aquilo que é actualmente o principal móbil da intervenção política, que justifica todos os atropelos e que desertifica tudo à volta: conseguir para si e para os «seus» um lugar de deputado ou de autarca.
Como consegui-lo? Conjugando três factores.
Primeiro, dando a candidato uma visibilidade e importância própria na sua eleição: acabando com o actual sistema de candidatos anónimos, que tem possibilitado as candidaturas medíocres daqueles que são candidatos apenas por dominarem o aparelho partidário.
Segundo, retirando das mãos do aparelho a decisão de quem é candidato, passando estes a serem eleitos directamente pelas bases.
E, terceiro, possibilitando formas de participação política útil àqueles que querem manter as suas actividades profissionais e empresariais e que, neste momento, estão completamente afastados, deixando os partidos entregues a quem usa a política apenas como forma de subir na vida.
Ao conseguir estabelecer aquele curto-circuito, conseguem-se três coisas: melhorar significativamente a qualidade dos candidatos e desmobilizar os carreiristas, que deixarão de ver recompensado o seu muito esforço --- saliente-se --- que desenvolveram para conseguirem «chegar lá»; abrir assim o caminho para retoma de uma vida sã nos partidos; e estancar o afastamento daqueles que da política têm um visão de participação cívica, quer permitindo o regresso dos que se já afastaram, quer possibilitando novas adesões.
Com esta proposta, consegue-se o mesmo objectivo dos que defendem as eleições por círculos uninominais à alemã, passando cada candidato a ter uma importância grande na sua própria eleição, o que obrigará a critérios de qualidade na sua escolha, mas evita-se o salto no escuro que aquelas representam e o seu sério risco de conduzirem a uma pulverização de interesses e legitimidades na Assembleia da República, com percas para a estabilidade governativa e para a unidade e interesse nacional. Não só a questão do deputado limiano foi um sério aviso como de facto a história destes 30 anos de democracia demonstra que o eleitorado sempre deu a primazia aos partidos. De facto, os deputados que se tornaram independentes nunca tiveram qualquer sucesso eleitoral nas eleições seguintes. Faz assim todo o sentido que se continue a votar nos partidos e, como se demonstra, é possível continuar a votar nos partidos e saber quem é o candidato local.
Ao conseguir que cada eleitor saiba exactamente qual é o deputado que o representa, não só na maioria como também na oposição (esta situação inovadora decorre do ponto 3), esta proposta vai ainda mais longe do que as eleições por círculos uninominais.
Tem a vantagem de, respeitando a proporcionalidade, permitir círculos mais pequenos, melhorando assim a relação eleitor-candidato, enquanto a solução dos círculos uninominais, para manter a proporcionalidade, tem de recorrer a círculos nacionais (e até regionais, como defendia o PS), pelo que, ou se aumenta muito o número de deputados, quando parece consensual que importa diminui-lo, ou o rateio obriga a que os círculos uninominais sejam tão grandes que não há qualquer relação eleitor-candidato. Ou seja, mantendo o primado da votação nos partidos e a manutenção do sistema proporcional, consegue-se o reforço da relação cidadão-eleitor de forma ainda mais apurada que nos círculos uninominais.
A ordenação alfabética não só evita melindres locais como confere igual dignidade e importância eleitoral a todos os candidatos a deputados da lista, acabando-se com a situação degradante de nomes só para encher e obrigando a uma preocupação igual com a qualidade de todos os candidatos.

2 --- Que os candidatos a deputados sejam designados pelas bases dos respectivos partidos, através de eleições directas e majoritárias no subcírculo a que se candidatam, com recurso a segunda volta se necessário.
Embora sendo um questão dos estatutos partidários, faz todo o sentido que os candidatos, só por esse facto, ao passarem a terem um papel importante nas decisões políticas do grupo parlamentar (o que decorre do número seguinte), e portanto do partido, tenham uma legitimidade própria conferida pelo voto dos militantes.
Com esta espécie de primárias, poder-se-á ultrapassar constrangimentos resultantes do domínio das máquinas partidárias. Os candidatos poderão concorrer por autoproposição ou apoiados pelas direcções nacionais ou locais. Deverá ser mesmo possível a candidatura de independentes, ficando em aberto se, neste caso, precisam de ser propostos por uma estrutura partidária (local, distrital ou nacional) ou se podem simplesmente autopropor-se.
Com a referência expressa nas listas eleitorais de quem é o candidato de cada partido em cada subcírculo, o que obriga o candidato localmente a dar a cara e não ir apenas à boleia do partido (e muitas das vezes apenas do presidente do partido), como tem acontecido, a base votante pensará mais em escolher pessoas prestigiadas a nível local ou nacional do que meramente por simpatias aparelhísticas.
Eleições por método maioritário absoluto, ou seja, em duas voltas caso ninguém consiga 50% dos votos à primeira volta, porque, em democracia, apesar de esta continuar a ser o sistema mais imperfeito de todos (se excluirmos todos os outros), o que interessa, é legítimo e confere estabilidade é a concretização da vontade da maioria e não a da maior minoria. As eleições em duas voltas dentro das secções dos partidos serão mais fáceis de fazer do que eleições por círculos uninominais em duas voltas.
Haverá em alguns países experiência de, neste tipo de eleições internas, poderem votar não apenas os militantes mas também os simpatizantes. Serão experiências a ser seguidas com atenção e poder-se-á no futuro caminhar nesse sentido quando o que se agora propõe estiver experimentado e consolidado.

3 --- Que seja criado em cada partido o Conselho de Deputados, dele fazendo parte de pleno direito todos aqueles que foram candidatos.
Ou seja, o grupo parlamentar, enquanto órgão do partido, seria alargado a todos os que foram candidatos. Todos os que, tendo sido eleitos nas secções pelos militantes do partido para serem candidatos e integraram as suas listas nas eleições, representando-o nos subcírculos, nele teriam assento, com direito de intervenção e de voto.
Ao serem eleitos nas secções locais, pelos militantes, para serem candidatos de facto, passariam, desde esse instante, a ser deputados do partido e membros de pleno direito do conselho de deputados do partido, independentemente de virem ou não a ter assento no plenário da Assembleia da República. O que conferiria uma grande importância e visibilidade a essas eleições.
Esta é uma ideia absolutamente inovadora e pode causar à primeira vista a recusa. Contudo, na verdade, só desta forma é que todo o partido, e os seus eleitores, ficam representados nas decisões e posições tomadas pelo grupo parlamentar.
Assim se dignifica a figura de candidato a deputado. Actualmente, na maioria das situações, um candidato é meramente um nome para encher, sem qualquer hipótese de exercer qualquer influência política e desaparecendo no momento seguinte às eleições. E os eleitores que votaram num partido que não elegeu deputado nesse círculo ficam sem quem as represente.
Esta solução tem ainda as seguintes vantagens.
Primeiro, mantém-se a proporcionalidade, o que é a solução democrática e natural para os órgãos representativos. Por outro lado, se ela não é respeitada, as tensões que têm o seu escape na política irão acumular-se na sociedade até explodirem. Os defensores do sistema alemão hesitam entre aproveitar os círculos uninominais para eliminarem os pequenos partidos e manterem a proporcionalidade através de sistemas muito complicados de círculos nacionais complementares e até regionais.
Segundo, os militantes do partido terão quem os represente nas decisões do grupo parlamentar, alguém que foi por eles eleito. Actualmente, a escolha de deputados é muito, muito, indirecta, sem qualquer participação dos militantes. O grupo parlamentar grupo parlamentar toma das mais importantes decisões legislativas sem que ninguém saiba de onde apareceram as ideias nem que pensa o partido (os militantes) sobre as questões. Ou seja, aquilo que é mais importante na vida política é proposto e decidido por deputados anónimos que não têm de prestar contas a ninguém nem ouvir ninguém. O partido (os militantes) não só não se pronunciaram sobre os temas como não se pronunciaram sobre as pessoas que os propõem, discutem e aprovam. Para que vale então a pena ser militante de um partido?
Terceiro, os eleitores saberão sempre qual a pessoa em que votaram e as continua a representar e a fazer a ligação ao partido em que votaram. Mesmo que nunca venha a ter assento no plenário da Assembleia da República, essa pessoa terá sempre assento no conselho de deputados do partido, com direito a voto. Ao nível local será a voz do partido.
Quarto, permite que pessoas com actividade civil, impossibilitadas de serem deputados em fultime, possam concorrer, visando uma actividade parcial mas com real influência política ao participarem nas decisões do Conselho de Deputados e grupo parlamentar, nas comissões e no acesso temporário ao plenário quando se debatam matérias em que são especialistas. Assim se poderá, com vantagens mútuas, terminar o actual divórcio entre a sociedade civil e a Assembleia da República, cada vez mais desligada das realidades e fechada sobre si própria e nos seus interesses corporativos.
Quinto, obriga os partidos a não só se preocuparem com as escolhas dos primeiros nomes das listas mas com todos os nomes!
Tudo isto levará a um aumento significativo da qualidade média dos candidatos, ainda para mais quando são escolhidos por eleição pelos militantes, que terão sobretudo em vista o facto de eles serem os cabeças de cartaz locais a apresentar aos eleitores.

4 --- Que caiba à direcção dos partidos propor as direcções dos conselhos de deputados e grupos parlamentares a serem eleitas pelos seus pares.
Esta questão poderá ser do foro interno estatutário de cada partido e poderá ter a forma inversa, que é a das direcções dos partidos aprovarem (ou não) a direcção que for eleita pelo grupo parlamentar.
Quer queiramos, quer não, a história recente mostra que os eleitores votam mais no partido do que na pessoa do deputado e que, apesar das mudanças de direcções dos partidos, os eleitores permanecem fiéis. Há muito foi percebido que não existe espaço para novos partidos resultantes de cisões. E que isto tem sido bom e contribuído para a estabilidade. Assim sendo, caberá às direcções dos partidos terem uma palavra a dizer sobre as orientações dos grupos parlamentares.
Desta forma se consegue um justo equilíbrio entre a legitimidade da direcção do partido, eleita pela base e primeira responsável eleitoral, e a legitimidade dos deputados, também eles eleitos pelas bases do partido e também cara do partido nas eleições. É justo reconhecer alguma primazia à direcção do partido uma vez que esta foi eleita através de um confronto que abrangeu todo o partido e os candidatos foram eleitos apenas localmente.

5-- Que caiba às direcções dos conselhos de deputados indicar de entre os membros deste, em cada distrito e em cada momento, quem integra o plenário da Assembleia da República, respeitando sempre o princípio de por cada distrito não poder haver em cada momento mais deputados no plenário da Assembleia da República do que os atribuídos a esse partido através do método de Hondt.
Esta proposta contém três importantes inovações.
A primeira consiste na mudança de paradigma. Actualmente, na noite de eleições, ficamos a saber quem são os deputados eleitos por cada partido em cada distrito. Com o que se propõe apenas ficamos a saber quantos deputados por cada círculo cada partido tem direito (o facto da ordenação da lista ser por subcírculos e meramente alfabética não permite tirar ilação sobre quem são os deputados com assento no Plenário da Assembleia da República) e em que a presença no Plenário da Assembleia da República depende da indicação da direcção do conselho de deputados.
A segunda inovação é a faculdade permanente de substituição dos deputados de cada partido pertencentes à mesma lista de candidatos distrital e respeitando o número de deputados por cada distrito a que cada partido tem direito. O que muda é a facilidade com que os deputados são substituídos. Actualmente, um deputado, para ser substituído, tem de pedir a suspensão ou a renúncia do mandato, entrando o que estava a seguir na lista. Com o que se propõe, em todos os dias de plenário a direcção do conselho de deputados indica quem são os deputados de cada distrito escolhidos para estarem presentes, sem qualquer outro formalismo para além do respeito pelos número de lugares a que o partido tem direito em cada distrito.
A terceira inovação é o facto, já referido, de ser atribuída à direcção do conselho de deputados a escolha e indicação de quem irá estar presente no Plenário da Assembleia da República.
Analisemos então estas três inovações.
A primeira, que, como vimos, resulta da proposta inicial de lista distrital se encontrar dividida em subcírculos personalizados e apresentados por ordem alfabética, consiste de facto num aparente terramoto político. As eleições deixam de ser uma forma de se apurarem os deputados representantes do povo e passam a servir apenas para se definir quantos lugares cada partido tem direito, por cada distrito, no Plenário da Assembleia da República. Percebe-se a muita resistência e interrogações que esta ideia, que põe em causa todo um imaginário romântico intocável, levanta. Ora, o que de facto acontece é apenas assumir a realidade de que os eleitores sempre votaram em partidos e não em deputados. Sempre as pessoas puseram a cruz à frente do nome e sigla do partido, sempre desconheceram a grande maioria dos nomes (e muito menos as ideias e o pensamento) que compunham as listas que se apresentaram às eleições para além do cabeça de lista. Sempre os deputados seguiram as orientações do partido e as suas intervenções no Plenário foram feitas por indicação da direcção do grupo parlamentar. Sempre que, nos raros casos, os deputados se desligaram das orientações do partido e da direcção do grupo parlamentar, foram penalizados pelo eleitorado nas eleições seguintes. Sempre pareceu ilegítima a invocação do imperativo de consciência por parte de deputados que durante a campanha eleitoral nunca expressaram as suas ideias e até por vezes estão a substituir alguém que estava à sua frente na lista e que sobre a questão tinha um pensamento oposto.
E é por isso que se fala em aparente terramoto político. Porque, de facto, sempre assim tem sido. Sempre as eleições serviram apenas para determinar o número de deputados a que cada partido tem direito em cada distrito. Tudo o mais não passa de pura ilusão destinada a alimentar a auto-importância e o ego dos deputados. Não esqueçamos que foram os deputados quem elaborou o actual regime...
Mas o facto de vivermos naquela ilusão tem tido duas consequências negativas.
A primeira é que nunca se percebeu bem como são determinadas as orientações legislativas de cada partido. Com que democraticidade e com que legitimidade. A neblusidade é total.
A segunda é inviabilizarem-se soluções, como as que aqui se propõem, que, assumindo o encarar da realidade do primado dos partidos, permitem chegar a consequências mais legítimas, mais democráticas, mais transparentes e mais funcionais
Em relação à facilidade de substituição, podemos fazer o paralelismo com uma equipa de futebol, em que o treinador, podendo jogar apenas com onze jogadores de cada vez, tem à sua disposição mais de vinte. Isto permite-lhe escolher para cada jogo aqueles que mais se ajustam à táctica escolhida em função do adversário, aqueles que estão em melhor forma, ou substituir jogadores lesionados ou ausentes.
Será evidente que, tal como um treinador de futebol tem uma equipa base com uma série de jogadores que serão permanentemente titulares e outros que vão variando, também as direcções dos conselhos de deputados terão uma série de deputados «residentes» mais ou menos profissionalizados e em dedicação exclusiva e outros que irão variando conforme as necessidades e os temas.
Uma vez assumido que se vota em partidos, a faculdade de substituição traz uma série enorme de vantagens. Permite a intervenção na Assembleia da República a pessoas da vida civil, especialistas nas suas áreas, sem tempo para serem deputados em fulltime, e que só irão ao plenário quando forem debatidos temas das suas áreas. Pessoas com valor e peso na sociedade --- que neste momento não têm qualquer apetência para uma vida política activa em permanência nem têm qualquer hipótese de intervenção --- passam a dispor da faculdade de, sem alterarem muito a sua vida profissional ou empresarial, exercerem a sua influência de forma útil, ao passarem a poder dar o seu contributo nas reuniões do conselho de deputados e ao poderem ir ao Plenário da Assembleia da República sempre (e apenas) que nele são tratados assuntos das áreas de que são especialistas. Para muitas pessoas de valor, pela primeira vez, passa a ser possível e a valer a pena fazer parte das listas de candidatos. Depois, aumenta a eficiência e a qualidade, pois permite à direcção do grupo parlamentar passar a dispor de um leque muito mais amplo de opções. Enquanto, actualmente, as opções estavam restringidas aos deputados eleitos, com o que se propõe, os partidos nacionais passam a ter ao seu dispor a totalidade dos elementos do conselho de deputados (a totalidade dos que integraram as listas do partido). O que, adicionado à faculdade referida antes de trazer para a vida política activa pessoas com relevância na sociedade civil, permite não só aumentar muito a qualidade dos conselhos de deputados e das políticas neles definidos como ter nas comissões e nos debates em plenário os melhores do tema em debate. Finalmente, permite «filtrar» politicamente quem tem acesso ao plenário em representação do partido, o que equilibra o facto de as direcções nacionais abrirem mão da designação dos candidatos, passando essa responsabilidade para os militantes de base. Sem esta possibilidade de equilíbrio, muito dificilmente se conseguirá que as direcções nacionais partidárias permitam que sejam os militantes de base a elegerem localmente o seu candidato. Todos aqueles que foram eleitos para integrar as listas têm toda a possibilidade de intervir no debate no conselho de deputados do seu partido e participar assim na formulação do pensamento e decisões do partido a nível parlamentar. Um vez que é assumido que a Assembleia da República é um plenário de partidos, parece óbvio que, para os representarem, devem ser escolhidos, de entre os membros do conselho de deputados, aqueles que se encontram mais capacitados e mais em sintonia com as deliberações democrática e legitimamente tomadas em conselho de deputados. Obviamente respeitando os rácios por cada distrito.
Quanto à terceira inovação, é caber à direcção do grupo parlamentar a escolha de quem, em cada momento, melhor representa o partido no Plenário da Assembleia da República e nas comissões. Alguém tendo de escolher, parece lógico que essa função caiba à direcção do grupo parlamentar, que é da confiança da direcção do partido e eleita pelos seus pares. Ela reforça grandemente o poder da direcção do grupo parlamentar mas é um poder com grande legitimidade democrática (quer pelo lado do partido, quer pelo lado dos deputados) e é um factor de estabilidade.
Pode-se levantar a objecção que quem vota no plenário são os deputados escolhidos pela direcção do conselho de deputados, que assim poderá seleccioná-los por opção política, afastando quem com ela não concorde. Ora, de facto, até agora, os eleitores sempre votaram em partidos. Dizer-se que o deputado representa directamente os «seus» eleitores não passa de uma falácia. Aliás, a história tem demonstrado o pouco sucesso eleitoral dos deputados que se tornaram independentes e continuaram na Assembleia em nome da responsabilidade perante os seus eleitores. Se é certo que muitas vezes os partidos mudam de direcção e mesmo de orientação política, a verdade é que, na escolha entre o deputado dissidente e o partido, o grosso do eleitorado tem sistematicamente permanecido fiel ao partido. Pensa-se que a solução do conselho de deputados com uma direcção da confiança da direcção do partido, mas sufragada pelos seus pares, é uma solução equilibrada e que esta terá toda a legitimidade política para escolher quem é que vai ao Plenário e quem é que vai às comissões. E é bom que ela faça uso desta legitimidade quer nas escolhas das tarefas para cada deputado, quer na implementação das orientações políticas definidas pelo conselho de deputados (de onde, note-se, fazem parte todos os que integraram as listas do partido como candidatos eleitos pela base) ou pela direcção do partido, em harmonia com o conselho de deputados.
Não esquecer que se passa para uma solução muito mais democrática, em que é a base local, e não o presidente do partido ou a direcção nacional, quem escolhe localmente o candidato, de forma soberana e livre de vetos. Não esquecer que todos os elementos das bases, através das eleições dos candidatos, subcírculo a subcírculo, estão representados no conselho de deputados. Não esquecer que esse candidato passa a participar democraticamente no conselho de deputados, aonde se formam e tomam as decisões a levar ao Plenário da AR. E, sendo isto verdade, não se pode prejudicar o todo por decisões pessoais e unilaterais de alguém que até não foi escolhido pela direcção do partido; e que, se calhar, no sistema actual, nunca o seria, estando-lhe vedada qualquer hipótese de intervenção.

6 --- Que, sem prejuízo da manutenção da proporcionalidade nas comissões e nas votações, todos os deputados possam, em representação do seu partido, desempenhar funções activas nas várias comissões, independentemente de estarem ou não a participar no Plenário da Assembleia da República.
Aplicam-se os mesmos princípios referidos em relação ao Plenário da Assembleia da República. O que importa é a representação proporcional dos partidos nas comissões.
Não se trata de ter, ao mesmo tempo, em São Bento, todos os candidatos de todos os partidos mas de permitir o acesso de elementos válidos da sociedade civil à discussão de matérias em que são especialistas. Confrange ver várias comissões cheias de pessoas que nada sabem dos assuntos nelas tratados. Por outro lado, permite ter muito mais gente a trabalhar. Enquanto agora os deputados que vão ao plenário são os mesmos que existem para integrar as comissões, com o que se propõe, além desses, existirão todos os outros. Assim, o Plenário, aonde assentam os deputados «residentes», poderá reunir mais vezes, enquanto outros deputados, «externos», fazem o trabalho preparatório e nas comissões. Poderá haver mais comissões a funcionar em simultâneo. Havendo mais deputados disponíveis para o trabalho de comissões e assumindo-se o facto de que o Plenário da AR é um plenário de partidos, poder-se-á então reduzir significativamente, e sem prejuízo da proporcionalidade ou da eficência, o número de deputados que compõem o plenário da Assembleia da República.
Haverá assim um enorme ganho de eficiência e de qualidade.
O conjunto das propostas acima apresentado permite, como se viu, melhorar a representatividade e a legitimidade políticas, a qualidade e eficiência, assim como dignificar a Assembleia da República.

7 --- Que o Programa de Governo tenha de ser obrigatoriamente aprovado pela Assembleia da República.
Em democracia, as eleições não são um mero jogo para apurar o mais votado. As eleições são um mecanismo que se destina a apurar um governo que represente a maioria da população e que para isso tenha o apoio da maioria (metade + 1) da Assembleia da República. Só assim haverá democracia. Democracia é o governo da maioria e não o governo da maior minoria. Embora, como é lógico, o partido mais votado deva ser o primeiro a ser convidado para formar governo, ele tem de garantir o apoio expresso da Assembleia da República. Caso não tenha a maioria, deverá fazer uma coligação ou garantir o apoio parlamentar de outro partido. Se o não conseguir, deverá ser chamado o líder do segundo partido, que terá de garantir os apoios necessários. Só assim haverá estabilidade. Só assim haverá estabilidade e clarificação política.
É fundamental acabar com a actual prática hipócrita em que ao governo basta apenas não ser rejeitado. Os partidos da oposição ou assobiam para o lado ou apresentam e votam moções separadas. Não lhes convém a crise num altura em que foram derrotados e esperam que o vento mude para então promover a queda do governo. O partido mais votado quer ser governo e não lhe passa pela cabeça apresentar uma moção de confiança logo de entrada. A tentação de estar no poder, sozinho, com todo o poder e lugares só para si, é superior. Prefere ir governando, sozinho, à vista. E assim temos a instabilidade governativa, a ausência de políticas de longo prazo, o plano inclinado, o pântano...
Não faz qualquer sentido ver um partido do governo pedir à oposição que lhe viabilize o seu orçamento sem a convidar para o governo. E a oposição, em nome da estabilidade, ficar impedida de cumprir a sua missão de ser oposição.
Andou bem Durão Barroso, contra a vontade de muitos, quer ao apresentar, em nome dos que nele tinham votado, uma moção de rejeição ao Governo de Guterres, quer ao fazer a coligação como CDS-PP. Não porque o desejasse mas porque esse tinha sido o sinal dado pelo eleitorado.
A necessidade de o Programa de Governo ser aprovado na Assembleia permite desde o início a necessária clarificação. Assim, logo no início, se saberá se o governo tem ou não o apoio da maioria da Assembleia da República. Assim se saberá quem apoia e quem é oposição. O que não será mais possível é um governo não expressamente viabilizado por uma maioria absoluta.
A maioria apoiará o governo e as suas políticas e os seus orçamentos. A oposição poderá ser oposição. Poderá livremente votar contra os orçamentos e propostas do Governo.
A ausência da necessidade da aprovação do Programa de Governo é um expediente que demonstra a menoridade de muitos políticos que já podiam ter mudado isto e não mudaram.

8 ---
Que as legislaturas tenham uma duração de seis anos.
Porque esse deve ser o ciclo de vida de um governo. O período de vida de uma legislatura deve corresponder ao período de vida de um governo. O ciclo político deve assim passar a ser de seis anos, por muito que custe a quem tem de ficar na oposição.

Exemplo

Para melhor se perceber o que acima é proposto, apresenta-se o seguinte exemplo (completamente imaginário; quem for de outro partido, que troque a sigla) que poderia a ser a realidade do Círculo Eleitoral de Santarém.
Exemplo do Distrito de Santarém (dez deputados)
Lista do PSD nas eleições para a AR.

Circulo de Santarém Candidato
Abrantes-V. N. da Barquinha-Sardoal-Mação João de Sousa
Almeirim-Alpiarça-Benavente Maria Serra
Coruche-Salvaterra Carlos Afonso
Chamusca-Constância-Entrocamento-Golegã José Lopes
Rio Maior-Cartaxo Clara Arruda
Santarém Sul Manuel Silva
Santarém Norte António Sousa
Tomar-Ferreira do Zêzere Maria Olívia
Torres Novas-Alcanena Sérgio Romão
Ourém Odete Vasques

Cada candidato representa os eleitores e militantes do seu partido de uma determinada área eleitoral. O senhor João Sousa representará os eleitores do PSD de Abrantes-Mação-Sardoal-V. N. da Barquinha
Os candidatos foram eleitos para serem candidatos a deputados pelas secções das áreas do círculo que representam. O senhor João Sousa terá sido eleito para candidato a deputado pelos militantes das secções de Abrantes-Mação-Sardoal-V. N. da Barquinha. As eleições foram em duas voltas porque nenhum dos propostos teve mais de 50% de votos na primeira volta. O senhor João Sousa, militante conhecido na zona teve o apoio da Comissão Política Distrital e venceu na segunda volta o senhor Carlos Rato, independente, que tinha o apoio da Comissão Política Nacional do Partido. A militante Maria Rosa, auto proposta, esteve quase a passar à segunda volta.
Já em Ourém, a senhora Odete Vasques, importante especialista do Partido em questões de educação (ministro-sombra), venceu logo à primeira volta com 60% dos votos graças ao apoio da Comissão Política Nacional do Partido. Em Santarém Sul foi um militante que, sem apoio das estruturas partidárias, conseguiu ser nomeado logo à primeira volta.
Nas eleições legislativas em Santarém, o PSD teve 45,5% dos votos. Pelo método de Hondt, teve direito a cinco deputados pelo Círculo de Santarém, contra três do PS, um da CDU e um do PP.
No total nacional, o PSD, com 48% de votos, teve direito a 98 deputados do total de 200, falhando assim por pouco a maioria absoluta.
Todos os 10 candidatos do PSD de Santarém integraram o Conselho de Deputados do PSD, composto pelos 200 candidatos do Partido. O senhor João Sousa já foi deputado por duas legislaturas. A senhora Odete Vasques, representante de Ourém, é estreante.
Votaram, como todos os outros membros do Conselho de Deputados do seu Partido, na eleição da Direcção do Conselho de Deputados que lhes foi proposta pela direcção do Partido (souberam que tinha havido negociações entre influentes membros do Conselho de Deputados e a direcção do Partido --- nas quais, aliás, o senhor João Sousa participou --- de forma a que a lista para a Direcção do Conselho de Deputados a ser apresentada pela direcção do Partido pudesse ser aprovada sem dificuldade, como se veio a verificar).
Uma das primeiras reuniões do Conselho de Deputados teve como finalidade deliberar o sentido de voto da bancada social-democrata na apreciação do Programa de Governo: aprová-lo, abster-se ou rejeitá-lo. Foi uma decisão fácil. O PSD tinha ganho as eleições embora sem maioria absoluta. Fizera um acordo de coligação pós-eleitoral com o PP, o que lhe dava o apoio de 56% dos deputados. Assim, foi aprovado o apoio ao Governo, por unanimidade, embora no debate alguns tivessem manifestado a opinião que bastaria ter sido feito um acordo de incidência parlamentar sem ter de passar necessariamente por uma coligação no Governo. A Dr.ª Odete Vasques, apesar de ser o novo Ministro da Educação, também participou, enquanto representante dos eleitores e dos militantes de Ourém, e defendeu as vantagens da coligação para o Governo.
A Direcção do Conselho de Deputados, com a dupla legitimidade de ter sido proposta pela direcção do Partido e eleita pelos seus pares do Conselho de Deputados, divulgou a lista dos setenta deputados com que contava para, de uma maneira geral, estarem sempre presentes no Plenário da AR durante toda a legislatura. Entre eles, o senhor João de Sousa, o senhor Manuel Silva, de Santarém Sul, e a senhora Maria Olívia de Tomar-Ferreira do Zêzere. E designou os outros trinta com que contava para este primeiro mês de debates sobre o Programa de Governo. Entre eles, o sr. António de Sousa, de Santarém Norte, e o sr. Carlos Afonso, de Coruche-Salvaterra. E não podia ser mais nenhum de Santarém, pois já estavam os cinco a que Santarém tinha direito. Contudo, a dr.ª Clara Arruda, de Rio Maior, sabia que, no mês seguinte, iria provavelmente ser chamada a substituir o sr. Carlos Afonso quando o Governo apresentasse na Assembleia a sua Proposta de Reforma da Saúde. Ela tinha sido Directora do Hospital de Rio Maior, importante membro do Grupo de Estudos da Saúde e conhecia profundamente o assunto. Imaginava já como iria ser a sua estreia parlamentar, a apoiar a proposta do seu Governo e a criticar os anos perdidos pelo Governo anterior. Contudo, sabia que o combate não iria ser fácil. Na oposição era certo que pelo menos dois ex-ministros da saúde do anterior governo iriam estar presentes para criticarem duramente as propostas que o Governo iria apresentar.
«Felizmente --- pensava a dr.ª Clara Arruda --- que, com este sistema, eu só sou precisa no Plenário da Assembleia quando se tratam questões da Saúde. Ainda bem que, com as novas tecnologias, eu posso receber toda a informação que de necessito e trabalhar em casa. A minha secretária do Parlamento é impecável. Assim, posso continuar a fazer aquilo de que mais gosto, que é ser médica. Terei é de tirar um dia por semana para presidir à Comissão Parlamentar de Saúde. Foi uma honra o convite, não podia dizer que não. Vir e participar nas reuniões e decisões do Conselho de Deputados, que são em geral uma vez por mês, chega-me para eu dar o meu contributo, em representação de quem me elegeu, sobre todas as questões relevantes. Tenho é que combinar com os presidentes das secções de Rio Maior e do Cartaxo o dia do plenário mensal para eu dar conta das actividades do Parlamento e saber o que pensam. Tenho de me lembrar de contar a intervenção do empresário e colega de bancada por Faro, o eng. José Campos, para que os deputados residentes sejam bem pagos, mas que se livrassem de faltar ao plenário e ou de irem para lá sem a lição bem sabida. Fora uma intervenção excessiva, truculenta mesmo, mas lá que tinha tido uma tremenda eficácia dissuasória, isso tinha.
«Muita coisa? Quem corre por gosto não cansa.»


ANEXO 1

Objectivos da reforma da Assembleia da República

Ao equacionarmos a reforma, temos que identificar em primeiro lugar quais as virtudes essenciais em que ela deve assentar, e que a meu ver são: a representatividade e legitimidade políticas, a estabilidade, a eficiência e a dignidade.

A representatividade e legitimidade
Por um lado, a Assembleia da República tem de ser representativa da sociedade e tem de ter entre os seus membros pessoas activas na sociedade. Se ficar --- como cada vez mais acontece e é uma das causas de mal-estar --- apenas com elementos profissionalizados da política, tenderá mais a defender os seus interesses corporativos do que os interesses da sociedade, que aliás só conhecerá de forma abstracta e muitas vezes errada. Uma das causas da profunda crise em que vive, por exemplo, o sector da saúde, é que ele tem sido assente em chavões mediáticos politicamente correctos mas extraordinariamente desfasados das realidades.
Convidar elementos da sociedade não chega por si só porque, ou eles desistem da sua actividade profissional e se tornam políticos profissionais como os outros, ou rapidamente abandonam os lugares para que foram eleitos --- ou porque não têm tempo para manter a actividade política parlamentar em paralelo com a sua actividade profissional, ou porque não sobrevivem no meio da luta e intriga dos profissionais da política, que a ela dedicam todo o seu tempo e energia. É assim importante conseguir soluções que permitam a coexistência de uma vida profissional ou empresarial activa com a intervenção no grupo parlamentar, em comissões da AR e no Plenário da AR
Por outro lado, é na Assembleia da República que se traduz a representatividade política dos votos expressos nas urnas. No apoio ou rejeição de governos e na elaboração, aprovação ou rejeição de leis, ela deverá ser capaz de traduzir o sentir dos eleitores sob pena de se criarem distorções e tensões sociais. Assim, parece ser de manter a proporcionalidade na distribuição dos lugares. Devemos ter em atenção que, ao reflectir a distribuição proporcional, a acção de se levantar ou não quando de uma votação na Assembleia da República é um gesto extremamente simples mas no qual assenta toda a democracia e que por isso não deve em circunstância alguma ser minimizado.
É igualmente de salientar que, no actual sistema, vários grupos populacionais, ao não conseguirem eleger no seu círculo nenhum deputado do Partido em que votaram, ficam sem quem os represente, quer na maioria quer na oposição, pelo que têm que recorrer aos deputados de outros partidos em que não votaram ou a deputados do seu partido mas de outros círculos. Esta situação será agravada pelo sistema de eleições por círculos uninominais, que têm vindo a ser propostos. De facto, embora neste caso o eleitor saiba quem é o candidato que o representa, se ele não for eleito, os eleitores que nele votaram ficam sem ter quem os represente. Será possível acreditar que todos os eleitores desse círculo passam a estar correctamente representados pelo deputado que foi eleito contra quem votaram? Deputado esse que, por exemplo, apoia um governo em quem os eleitores que nele não votaram não se reconhecem? E quem representa esses eleitores junto do grupo parlamentar do partido do candidato em que votaram mas que tendo perdido dele não faz parte?
Os eleitores precisam de saber quem directamente os representa (quer do lado da maioria, quer da oposição). A negação desta realidade é uma das fraquezas do actual sistema e que importa aperfeiçoar. Mas as vantagens desta identificação têm menos a ver com aspectos de os deputados se tornarem em procuradores dos interesses individuais do eleitores --- que na justa medida poderá ser uma função útil, mas que poderá ter efeitos perversos se o deputado ficar refém dos interesses individuais ou se se criar uma situação de tráfico de influências. Será ainda prejudicial se levar o deputado a esquecer o interesse nacional e optar apenas pelo interesse egoísta da sua base eleitoral, como poderá acontecer se for consagrada a opção da eleição por círculos uninominais.
Existe outra qualidade desta opção pela identificação do deputado representativo de cada círculo, aonde cada partido a nível local será representado de forma claramente exposta por uma cara que importa salientar, e que tem a ver com a necessidade que os partidos passam a ter de escolher para candidatos a deputados os «Homens Bons» com reconhecida credibilidade no círculo eleitoral em vez de candidatos que apenas o são por dominarem os mecanismos partidários e que pretendem ser eleitos à boleia do Partido. Será preciso ter em conta os riscos de caciquismo mas é convicção que este efeito tem mais poder junto das máquinas partidárias do que nas populações e que a prazo os Partidos perceberão isso mesmo. É mais fácil as estruturas partidárias deslumbrarem-se com o mediatismo de certas personagens convidando-as para as suas listas, do que convencer os eleitores e as bases do partido dessas pseudo soluções.
Por outro lado permitirá manter a nível local um saudável confronto democrático situação-oposição durante toda a legislatura com reflexos benéficos nas posições a serem tomadas no Parlamento.
A diminuição do número de deputados (que se defende) conjugada com círculos uninominais, nacionais, e até regionais, como defendem alguns, levará a que os círculos uninominais tenham que ser demasiado grandes perdendo-se o carácter de identificação local que se pretendia, o que constitui mais um argumento contra o sistema de eleição por círculos uninominais à alemã. O que se propõe permite a ligação de um candidato ao mais pequeno círculo possível.
Para além da representatividade a nível da Assembleia, existe outro nível de representatividade, muito importante, que é ao nível dos diversos grupos parlamentares, a que já acima se aludiu. Os grupos parlamentares são verdadeiros órgãos dos partidos com uma importância fundamental porque, para além de todas as questões de luta política intrapartidária, de apoio ou oposição ao governo, por eles passam toda a formulação de políticas e legislação. É em grande parte nos grupos parlamentares que é gerado, ou decidido, todo o pensamento político com substância e relevo para a vida dos cidadãos.
Na política existem duas linhas de acção que coexistem. Uma é virada para a luta política interpartidária e para a conquista do poder. Aqui têm a palavra os congressos, os conselhos nacionais dos partidos e as direcções dos partidos, órgãos eleitos democraticamente pelos militantes dos partidos e aonde todos eles estão representados. A outra assenta na formulação de políticas para o País e, apesar de, por vezes, mais silenciosa, é a que de facto mexe com a vida dos cidadãos. É esta vertente que é a fundamental e que justifica a existência da primeira. Esta vertente passa pelo Governo e pelos grupos parlamentares. Enquanto o governo é da confiança e responsabilidade directa do Primeiro-Ministro, normalmente líder do partido que ganhou as eleições e portanto com uma legitimidade política inquestionável, já a legitimidade política individual e a representatividade dos deputados pode, no actual sistema, ser questionada.
Os militantes de todo o partido, ou os seus eleitores, encontram-se representados nas decisões do grupo parlamentar?
Não, apenas nos círculos em que o partidos elegeu deputados.
Um exemplo. Suponhamos que o partido A só consegue eleger um deputado e que esse deputado foi eleito com 20 000 votos pelo círculo de Beja. No total do País teve 360 000 votos e houve círculos aonde teve mais votos do que em Beja mas que foram insuficientes para eleger deputados. Será que deve ser o deputado eleito por Beja a decidir todas as posições a tomar pelo partido A na AR? Será que os restantes eleitores e militantes desse partido se sentem representados pelo único deputado do partido A?
Mas, mesmo nesses círculos, existe alguma interacção entre os militantes do partido ou eleitores e os seus deputados na definição das políticas?
Não, o deputado é independente e soberano nas suas decisões.
A legitimidade política, que advém da força do voto, é, a par da representatividade, um dos pilares da democracia. Assim sendo, importa investigar a bondade da legitimidade política de que goza um deputado. Até porque é frequente estes, em nome dessa legitimidade política, e da consciência própria, oporem-se às orientações do partido em cujas listas foram eleitos. Inclusivamente tem acontecido deputados eleitos por um partido afastarem-se desse partido mas manterem-se na AR como independentes ou enquadrados por outra força política, em nome de terem sido eleitos pelo Povo.
Mas foi o deputado escolhido pelas bases e eleitores do partido que diz representar?
Na prática, passa-se assim: os militantes elegem as direcções dos partidos, os conselhos nacionais e as comissões políticas distritais. Na altura de eleições, as direcções dos partidos negoceiam com as comissões políticas distritais os nomes dos candidatos a deputados e a sua ordem nas listas. Nalguns partidos, os seus presidentes ou secretários-gerais, têm mesmo uma quota elevada de candidatos que podem escolher livremente. Depois, o conselho nacional, que, teoricamente, representa todos o militantes, ratifica as listas. Na prática, o conselho nacional não tem qualquer margem de manobra e tudo o que conseguirá será mudar um ou outro nome, ou trocar nalgum dos círculos a ordem dos candidatos. Na prática, para além de alguns nomes sonantes em que todos convergem na escolha como seguro engodo eleitoral, o que se passa é uma distribuição de lugares em função dos poderes dos vários intervenientes e do seu clientelismo político. Nada se conhece do pensamento de cada candidato. Quanto muito sabe-se que é apoiante de A ou de B. Em nada disto os militantes do partido participam, e ainda menos os eleitores.
Tradicionalmente, as secções dos partidos pronunciavam-se pelos candidatos a candidatos que gostariam de ver nas listas. No PSD é estatutariamente suposto que as assembleias distritais se pronunciem sobre a lista de candidatos desse distrito. Ora, nas eleições de 2002, nem a Assembleia Distrital de Lisboa do PSD se reuniu para esse efeito nem as assembleias de militantes das principais secções se pronunciaram. Em 2005, o Presidente da Distrital pediu à Assembleia Distrital um cheque em branco para negociar a lista com a direcção nacional. Tudo foi cozinhado pelas comissões políticas distritais e a direcção do Partido. E assim, os apoios nas eleições para as comissões políticas distritais passaram a ser negociados em função dos lugares a distribuir futuramente, e o apoio das comissões políticas distritais aos candidatos à direcção dos partidos passa por contrapartidas futuras ao nível de lugares. O aparelho toma assim inevitavelmente conta do partido e da Assembleia da República.
Que sei eu, militante activo e interveniente, do pensamento de quase todos os candidatos do meu partido pelo meu círculo eleitoral? Nada. O que saberão então os eleitores?
Quanto muito, os cabeças de lista serão conhecidos. Mas esses também raramente se mantêm na Assembleia, dando lugar às segundas figuras.
Por isso, cada vez mais a Assembleia da República tem vindo a ser constituída por políticos profissionais que, desde a sua juventude, não fizeram outra coisa senão intriga partidária, que tanto são capazes de defender uma coisa como o seu contrário. Por isso, cada vez mais existe um divórcio entre a sociedade e a Assembleia da República. E, o que é grave, cada vez menos esta conhece as realidades das várias áreas sobre que tem de legislar.
Ora, os cidadãos, na ausência de conhecimento sobre os candidatos, votam sobretudo nos partidos cujas linhas gerais de pensamento e actuação conhecem. Assim, a legitimidade dos deputados não deriva do voto dos eleitores, como por vezes com arrogância os deputados passam a reclamar, mas simplesmente de quem os escolheu para serem candidatos.
Não deixa de ser curioso que, sendo as direcções políticas nacionais e distritais dos partidos a sede de legitimidade dos deputados, muitas vezes estas mudem, e por vezes logo a seguir às eleições e até por causa dos resultados eleitorais, mas sobrevivendo-lhes os deputados, que assim ficam sem qualquer fonte de legitimidade.
Por tudo o que se disse, percebe-se como tão afastados estão os militantes e os eleitores da escolha de um órgão partidário tão importante e decisivo como é o grupo parlamentar, que, uma vez constituído, não é mais sujeito a qualquer controlo ou interacção com as bases partidárias e os eleitores.
Mais afastados estarão ainda os militantes e os eleitores dos círculos aonde os partidos não elegeram deputados. Pelo que, em rigor, dos actuais grupos parlamentares podemos dizer que é o único órgão nacional de um partido que não representa todos os militantes do partido. Apenas representa, e de forma muito indirecta, os militantes (e eleitores) dos círculos que elegeram deputado --- o que não deixa de ser irónico porque, por excelência, devia ser precisamente o contrário. O órgão aonde todas as políticas substantivas são decididas e que é a razão de ser dos partidos e da luta política tem de obrigatoriamente ter nele os representantes de todos os militantes. Para além disso, os membros do grupo parlamentar precisam de ter uma legitimidade própria enquanto representantes dos militantes do partido. Essa só será conseguida se a sua integração das listas de candidatos a deputados resultar de um voto directo dos militantes que passará a representar. Tal como os representantes das bases num congresso são eleitos por estas, também os membros do grupo parlamentar, para terem legitimidade na construção do pensamento do partido a nível parlamentar, o devem ser por decisão eleitoral da base. E não é demais salientar a importância do grupo parlamentar. Se quase se poderá dizer que a maior parte da actividade política de um partido tem como fim fazer eleger um grupo parlamentar, não deixa de surpreender que a proposição a candidato a deputado seja quase aleatória e sem participação das bases no processo. Esta participação, contudo, só será possível se cada candidato estiver ligado a um círculo eleitoral pequeno.
Como atrás se salientou, parecem ser assim importantes três coisas:
Uma é a identificação dos candidatos pelos eleitores a nível local. Que o eleitor, para além de saber qual o partido em que vota, saiba em que candidato vota.
A segunda é que esse candidato, mesmo que não eleito, continue a ser o representante local do seus eleitores e o representante da base local do seu partido nesse órgão do partido, o grupo parlamentar, ao qual, talvez para evitar confusões, possamos chamar de conselho dos candidatos (ou grupo parlamentar alargado, ou conselho dos candidatos). Este conselho dos candidatos, composto por todos aqueles que faziam parte das listas, quer tenham sido ou não eleitos, que representa assim todo o partido e todos os seus eleitores, é que definirá as posições a tomar pelo partido no Plenário da Assembleia da República.
A terceira é que de facto ele possa ter uma legitimidade política própria, pelo que é preciso que a sua propositura para candidato tenha sido sancionada pelo voto das bases do partido do seu círculo eleitoral.
Por outro lado, se as bases e os eleitores de todo o partido se encontram representados no conselho dos candidatos (grupo parlamentar alargado), e é neste que se formulam e se decidem as posições e as políticas a tomar pelo partido no Plenário da Assembleia, então, para efeitos de representatividade, o Plenário da Assembleia da República pode ter menos deputados. Ou seja, como a vontade de cada partido está já legitimamente apurada no grupo parlamentar (conselho dos candidatos) e o Plenário serve sobretudo para expressar as opiniões de cada partido de forma representativa (proporcional), então, para exprimir as opiniões e argumentos de cada partido e fazer valer a força eleitoral, não serão precisos tantos deputados na AR.
Há que reconhecer que, nesta proposição, o Plenário da Assembleia da República passa a ser mais o plenário dos partidos do que o Plenário dos Deputados. Mas, de facto, como sempre tem acontecido, no Plenário da Assembleia têm vingado quase sempre as decisões tomadas pelos grupos parlamentares e não pelos deputados individualmente (como vimos acima os deputados não têm legitimidade própria para poderem contrariar as decisões dos grupos parlamentares dos partidos por que foram eleitos). O que importa é a expressão proporcional da vontade de cada partido na Assembleia, mais do que a expressão de cada deputado individualmente. Esta expressão individual é sim feita dentro do conselho de deputados (grupo parlamentar alargado), aonde democraticamente se apura a vontade de cada partido a veicular pelo seu grupo parlamentar.
O importante, no plano da representatividade e legitimidade política, é que quem foi eleito para representar o pensamento do partido a nível da cada subcírculo possa participar activamente em todas as decisões do grupo parlamentar. Que as decisões que cada partido apresenta no debate do Plenário sejam as previamente tomadas de forma democrática por todo o conselho de deputados (grupo parlamentar alargado). Só assim todos os militantes e todos os eleitores se encontram legitimamente representados.
Interessa sobretudo é que no Plenário estejam representados proporcionalmente todos os partidos em função dos resultados eleitorais. Caricaturalmente, poderíamos dizer que, para efeitos de representatividade, o Plenário poderia ter apenas 40 deputados distribuídos proporcionalmente. (Desta forma, um partido que tivesse 2,5 % dos votos teria direito a um deputado no plenário).
Mas se se põem dúvidas à legitimidade própria e à representatividade dos actuais deputados e membros dos grupos parlamentares, importa também não passar para o extremo oposto, como muitos têm defendido, com os círculos uninominais. Sobre as questões levantadas pela eleição por círculos uninominais, tal como têm vindo a ser apresentadas, se falará adiante.
É necessário haver um equilíbrio de legitimidade representativa entre o partido e os deputados. Sem pôr em causa o que se disse atrás sobre a necessidade de identificação de cada candidato com cada área eleitoral restrita, defende-se o primado do voto no partido como a única solução capaz de garantir a estabilidade. Defende-se assim a manutenção de listas partidárias distritais, contudo com a importante novidade de elas estarem divididas em subcírculos uninominais com a identificação do candidato que representa cada subcírculo. Mas o voto continuará a ser de âmbito distrital e nos partidos e o apuramento do número de deputados eleitos por cada partido em cada distrito apurado pelo método de Hondt como até aqui.
Aliás, as experiências havidas mostram bem o pouco sucesso eleitoral dos deputados que se tornaram independentes. Por outro lado, os deputados foram igualmente eleitos pelo voto popular e têm que lhes ser reconhecida uma dignidade própria.
Mas como?
Como vimos acima, os candidatos a deputados têm sido escolhidos pelas direcções partidárias. As direcções partidárias, eleitas em congresso, são a fonte de legitimidade da escolha dos deputados (apesar da escolha ser sancionada pelos conselhos nacionais em acto que costuma ser apenas de espectáculo mediático, sem qualquer conteúdo de decisão política, porque nenhum partido pode em altura de eleições desautorizar as escolhas dos directórios nacionais, o que provocaria uma crise suicida). Contudo, muitas vezes, sobretudo quando se perdem as eleições, as direcções partidárias mudam, sendo escolhida outra direcção e outra estratégia. Quem nomeou os deputados deixou de ter qualquer autoridade no partido. Estamos assim numa situação em que os deputados perdem a sua fonte de legitimidade. Se é certo que podem evocar o voto dos eleitores, a verdade é que quem se apresentou às eleições não foram eles mas o partido, sendo muitas vezes completamente desconhecidos dos eleitores. Muitas vezes concorreram em lugares não elegíveis mas por suspensão do mandato dos primeiros da lista acabam por chegar à Assembleia, podendo até ter posições contrárias àqueles que foram substituir e que tinham sido eleitos. Podem evocar a legitimidade conferida pelo voto dos eleitores? Por exemplo, sobre o aborto. Algum deputado do PSD expressou na campanha eleitoral a sua opinião própria sobre a lei do aborto? Suponhamos que o cabeça de lista de um distrito era contra a lei do aborto e que a certa altura deixou a AR para, por exemplo, ir para ministro do governo. Com que direito e legitimidade o deputado que foi ocupar o seu lugar pode ter sobre esta matéria uma posição oposta? Com que legitimidade pode, ainda que em toda a sua consciência, defender e votar uma posição que é a contrária à do deputado que vem substituir e que até foi a cabeça de cartaz?
Se atendermos a que muitas das decisões políticas mais relevantes (refiro-me não apenas às questões de luta interpartidária mas às questões legislativas e de apoio ou não ao governo) são decididas pelos deputados, concluiremos que os candidatos a deputados devem ter uma legitimidade própria no partido que lhes permita assumirem-se como os representantes do pensamento de todo o partido. Para isto, é fundamental que duas coisas aconteçam.
Primeiro, que a sua proposição para candidato seja eleitoralmente sancionada pela base do partido da área eleitoral (subcírculo) a que se candidata. Só assim ele terá uma legitimidade própria e, poderemos dizer, só assim as decisões do grupo parlamentar representam o apuramento democrático do pensamento de todo o partido.
Segundo, que do grupo parlamentar façam parte todos os candidatos a deputados, escolhidos eleitoralmente pela base do partido de cada subcírculo, independentemente de terem ou não sido eleitos nas eleições legislativas. Só assim todo o partido estará representado (e não como até aqui em que os militantes e eleitores, dos círculos em que o partido não tem deputados, não estão representados no grupo parlamentar e na formação do seu pensamento político)
Digamos que este grupo parlamentar alargado (aonde estão todos os candidatos que integraram as listas do partido) terá uma legitimidade política semelhante ao conselho nacional do partido. Este é eleito em congresso por listas e método de Hondt e é responsável por questões de estratégia partidária. O Conselho de Deputados resulta de eleições individuais no partido, subcírculo a subcírculo, e é responsável pelas opções legislativas. Note-se que acima de ambos deverão estar o congresso, o presidente e a Direcção Política do partido como centros de legitimidade máxima na representação do Partido.
O congresso é o local aonde todo o partido está representado e aonde todo o confronto político é feito. Por isso é o órgão máximo. O presidente e a direcção política nacional são eleitos pelo congresso e consagram a opção da maioria do partido. São a cara e a identificação do partido e o principal peso eleitoral nacional.
Embora, segundo esta proposta, todo o partido participe na escolha de candidatos, ela é feita por cada subcírculo sem que haja um confronto de ideias a nível nacional.
Assim, para manter o primado do partido, que, apesar de tudo, continuará, e bem, a ser a principal referência eleitoral, a direcção do conselho de candidatos (grupo parlamentar alargado) deverá ser eleita por este mas sob proposta da comissão política do partido e do presidente do partido.
De tudo aquilo que acima se disse, importa salientar algumas conclusões sobre os termos da legitimidade política: as pessoas têm votado sempre em partidos e não em deputados. Sempre que estes cindiram e se tornaram independentes, não tiveram qualquer sucesso nas eleições seguintes. Pelo contrário, apesar das direcções partidárias mudarem, os eleitores e os militantes têm-se mantido, grosso modo, fiéis aos partidos. Ou seja, é preferível assumir estes factos e a sua consequência de que o Plenário da AR deve expressar o pensamento dos partidos na medida proporcional dos votos que obtiveram e não o resultado do pensamento individual dos deputados nele presente. Isto permite-nos ter regras de funcionamento muito mais claras e legítimas e o Plenário da Assembleia da República muito mais funcional e com significativamente menos deputados.
Importa sim é que toda a base eleitoral e todo o partido se encontre legitimamente representado no grupo parlamentar, aonde se tomam as decisões a levar ao Plenário da AR e que exista um justo equilíbrio e uma boa articulação entre o grupo parlamentar e a direcção do respectivo partido. Que, em vez de a Assembleia da República ser um somatório de deputados autónomos, tenhamos a Assembleia da República a reflectir o pensamento dos partidos. Mas com a importante novidade do pensamento destes ter sido democraticamente apurado num órgão aonde todos os candidatos, eleitos directamente pelos militantes dos seus círculos e representantes dos seus eleitores, participem.
Que, na escolha do candidato a deputado, um momento fulcral da vida partidária, a base dos partidos, directamente interessadas na escolha do candidato (que as passa a representar), participe directamente por sufrágio na sua escolha.
Que os eleitores saibam em que candidato votaram e que possam manter com ele uma ligação politicamente útil durante toda a legislatura.
A estabilidade
A estabilidade é um bem essencial pela eficiência que permite ao desempenho executivo, condição de progresso e bem-estar, e só deve ser quebrada em situações de bloqueio, em que então é preferível recorrer a eleições para resolver o impasse. Foi o que justamente aconteceu quando do desagregar da Aliança Democrática, o rompimento do bloco central, o derrube do primeiro governo do Dr. Cavaco Silva (constituído aliás em circunstâncias extraordinárias, resultantes da pulverização da oposição com o fenómeno PRP) e mais recentemente com a demissão do eng. Guterres. É no entanto importante que estas sejam situações-limite. O facto de os partidos sentirem que serão fortemente penalizados se precipitarem artificialmente crises sem tradução junto da sociedade poderá por si só ter um efeito dissuasor. Mas, atenção, só existe estabilidade e condições de progresso com governos de maioria. Quem, em circunstâncias normais, não respeitar este axioma democrático será o principal penalizado por ter desrespeitado o princípio de que a democracia é o governo da maioria.
É em nome da estabilidade que se tem utilizado o método de Hondt, que, respeitando a proporcionalidade, favorece os partidos mais votados e se tem equacionado mesmo a mudança para regimes eleitorais favorecedores da bipolarização como seriam as eleições por círculos uninominais em duas voltas. Esta solução, por um lado, tem o inconveniente de acabar com a representatividade proporcional, levando à marginalização política de sectores importantes, com as consequentes tensões sociais, e, por outro, não é seguro que entre nós se traduza em maior estabilidade. Aliás, um estudo publicado por Fernando Rocha Andrade na revista Eleições, n.º 6, do STAPE («Tentando a quadratura do círculo -- Uninominalidade e garantia de proporcionalidade no sistema eleitoral para a Assembleia da República»), revela que não é líquido que do regime de círculos uninominais resulte o reforço da bipolarização. De facto corre-se o risco de se passar de uma situação em que a importância eleitoral do primeiro-ministro é considerada fundamental e mesmo o seguro de vida do deputado que nunca se atreverá a pôr em causa as decisões do «seu» governo para outra em que cada deputado pode considerar unicamente como seus os votos com que foi eleito e votar contra o seu próprio governo sempre que com ele não concorde ou tenha medo de desagradar ao seu eleitorado directo, correndo o risco de por este ser penalizado. Corre-se o risco de, na maioria, funcionar o «cada cabeça, cada sentença» onde cada decisão terá de passar por um complicado e paralisante processo de negociação interna dentro da própria maioria.
Para contornar aqueles inconvenientes, tem sido proposta a criação de um círculo nacional (e até mesmo um regional), a par dos círculos uninominais, corrigindo a proporcionalidade e defendendo uma certa unidade partidária. Assim sendo, ou a Assembleia aumenta muito o número de deputados, ou então os círculos uninominais terão de ser tão alargados que se perde a pretendida ligação cidadão-eleitor. E fazer reformas desta natureza, só por cosmética, e tudo ficar na mesma, não vale a pena.
Mas mesmo com a existência de um círculo nacional --- que consegue corrigir parcialmente a proporcionalidade nas situações que são as mais habituais em que a maioria absoluta depende de meia dúzia de deputados ou menos ---, o Governo fica à mercê dos deputados eleitos pelos círculos uninominais, para quem o apelo dos interesses locais dos seus eleitores se pode sobrepor ao interesse nacional.
Em relação a estas questões, julga-se que se passa um pouco do que se passou em relação à regionalização. Em princípio, a ideia é simpática e agrada a todos. Quando se passa ao seu aprofundamento e se pensa na concretização, encontram-se debilidades que fazem pensar duas vezes.
É certo que um deputado tem o direito e o dever de votar segundo o seu pensamento e a sua consciência. Mas não está certo que, dessa forma, comprometa o pensamento e a acção do partido por que foi eleito, fazendo com que um governo se veja obrigado a gastar todo o seu tempo a negociar individualmente com cada deputado da sua própria maioria. A solução passa por a vontade do deputado ser expressa e defendida no conselho de deputados, aonde estão representados todos os candidatos eleitos pela base. As decisões aí democraticamente tomadas é que devem ser levadas ao plenário da Assembleia da República.
Parece assim que a resposta para estabilidade passa por dois aspectos.
Primeiro, pela pedagogia democrática a favor de governos de maioria. Neste sentido foi criminosa a intervenção do dr. Mário Soares bradando, por razões circunstanciais de mero interesse partidário --- e pessoal --- contra as ditaduras das maiorias, como claramente ficou demonstrado quando já não teve pejo de pedir uma maioria absoluta para o Partido Socialista nas eleições legislativas de 2000 e 2005. É preciso que se perceba que as eleições não são um jogo clubístico, em que ganha quem tem mais votos, mas um instrumento destinado a apurar um governo que represente a maioria dos eleitores e uma oposição que represente a minoria e se assuma como alternativa. Assim, a única consequência que se deve tirar do voto dos eleitores, se estes não derem a maioria absoluta a ninguém, é a de que, por imposição destes, se deve fazer uma coligação ou pelo menos um acordo parlamentar com incidência governativa.
Segundo, pela manutenção do primado dos partidos, sendo de evitar soluções que possibilitem uma implosão do plenário da Assembleia da República. Quando cada deputado for directamente eleito em lista unipessoal, passará a atribuir a si próprio todo o mérito da eleição, assumindo como total e pessoal toda a sua legitimidade. Na Assembleia da República será cada cabeça sua sentença. O interesse do local prevalecerá sobre a coesão e o interesse nacional. A estabilidade não será possível.
A eficiência
A Assembleia da República tem de ser capaz de, em tempo útil, cumprir com qualidade e competência as suas funções de órgão legislador, órgão representativo e órgão fiscalizador.
Para que ela tenha qualidade e competência nas suas funções, importa que ela tenha deputados qualificados e com inserção na sociedade nas várias áreas. Numa primeira fase, a seguir ao 25 Abril, quando o apelo à intervenção cívica era muito forte, a Assembleia Constituinte e as primeiras legislaturas da Assembleia da República foram constituídas por deputados de muita qualidade. Mas, pouco a pouco, esse grupo inicial foi-se afastando e a renovação foi perdendo qualidade. Isto por várias razões: porque o apelo cívico diminuiu (a democracia consolidou-se), porque as pessoas encontraram noutras actividades a realização das suas aspirações profissionais, sociais e de intervenção cívica, porque a remuneração de deputado é inferior ao que ao que pessoas de certo nível podem encontrar na actividade civil. A diminuição do prestígio e do papel do deputado, cada vez mais resumido ao apoio (ou oposição) ao Governo --- este, sim, o verdadeiro motor da actividade política e até legislativa --- contribuíram e contribuem também para o desinteresse. Contudo, duas razões se impõem. A primeira é a cada vez maior dificuldade de compatibilizar uma actividade civil bem sucedida com a actividade de deputado (excepto para os advogados, que beneficiam da exposição pública e dos «contactos»). A segunda é o peso cada vez maior do aparelho do partido na constituição das listas de candidatos a deputados, onde o principal objectivo dos presidentes das distritais é garantirem lugares elegíveis para si e para «os seus». «Os seus» são aqueles que, por fidelidade e empenho, garantiram que o presidente da distrital chegasse aonde chegou, que constituem a tropa fiel que importa recompensar, garantindo assim o seu apoio futuro, quer para a continuidade do cargo de presidente da distrital, quer para subir dentro do grupo parlamentar. A grande rotatividade a que se tem assistido nas lideranças dos principais partidos impôs o acomodar de sucessivas levas de «meus». Obviamente que não há qualquer espaço nesta guerra, nem possibilidade de sucesso, para aqueles que não têm uma concepção carreirista da política.
Para que a AR seja mais produtiva, será necessário que se possa ter menos trabalho de plenário e mais de comissões especializadas. Que muito trabalho seja feito em casa.
Assim, pensa-se que deverá haver dois tipos de deputados. Uns, com a função primordial de garantir a representatividade proporcional e os mecanismos funcionais da Assembleia, que deverão estar sempre presentes, e outros que terão um pé dentro e outro fora e que terão sobretudo de intervir nas suas áreas específicas, quer na preparação de leis, quer na fiscalização na actividade do Governo, quer no debate em plenário quando as suas áreas estiverem em debate. Terão ainda a oportunidade de exercer o seu magistério de influência nas tomadas de decisão do seu grupo parlamentar.
Mas como conseguir isto sem aumentarmos desmesuradamente o número de deputados e o encargo com os ordenados de deputados?
A nosso ver, passando os grupos parlamentares a integrar não só os deputados eleitos como também os que não foram eleitos, criando, como acima se falou, o conselho de deputados (grupo parlamentar alargado aonde têm assento todos os que foram candidatos), aonde seriam decididas as orientações políticas e criadas as condições para, sem alterar a representatividade proporcional, os partidos poderem utilizar todos os que foram candidatos conforme as disponibilidades e temas a apreciar --- da mesma forma que, embora apenas joguem onze de cada vez, uma equipe de futebol tem mais de 20 jogadores no seu plantel, que utiliza conforme a forma em que se encontram e as necessidades tácticas de cada jogo.
Assim se conseguiria, por um lado, que os partidos conseguissem com qualidade dominar os vários temas e, por outro, captar para a política pessoas com mais valia que estão disponíveis para, até gratuitamente, contribuírem para o enriquecimento do debate político mas que não querem prescindir da sua actividade profissional. Esta solução daria relevo a todos os lugares de uma lista partidária e deixaria de haver candidatos só para encher. Poderíamos ter lado a lado políticos 100% profissionais e políticos plenamente inseridos na actividade civil.
Havendo assim mais gente disponível para o trabalho em comissão, poder-se-ia até reduzir o número total de lugares no plenário. Só os deputados com assento no plenário receberiam ordenado. Os outros seriam pagos por tarefa e por senhas de presença nas comissões.
O mecanismo de substituição de deputados não deverá assim ser dificultado, como alguns têm defendido, mas sim facilitado o mais possível, cabendo à direcção de cada conselho de deputados indicar em cada momento quem deverá ocupar o lugar no plenário da Assembleia e nas várias comissões, tal qual um treinador de futebol escolhe os jogadores para cada jogo. Tal como no futebol, em que a regra é serem onze jogadores em campo, no plenário deverá estar apenas o número de deputados por cada círculo eleitoral a que cada partido tem direito, e nas comissões deve ser respeitada a proporcionalidade de cada partido.
Finalmente, todos os candidatos mantêm por toda a legislatura o compromisso de representarem os seus eleitores e a base do seu partido, participando nas tomadas de decisão através do conselho de deputados do partido. Assim, cada partido não só disporá de muito mais gente para as várias funções --- a totalidade dos candidatos que cobrem assim todo o País e todo o leque de áreas e actividades ---, como os eleitores saberão bem quem os representa. Por estas duas vias se consegue também tornar muito mais eficiente a ligação permanente dos deputados aos eleitores.
A dignidade
A dignidade do Parlamento tem sido, por vários motivos, demasiadas vezes posta em causa. As viagens fantasmas; a troca de bilhetes de primeira classe, atribuídos justamente pela dignidade do cargo representado, por bilhetes de segunda para que o deputado sem gastos extras possa levar à boleia um familiar; as faltas ao plenário; as votações com votos de ausentes; as greves a viagens representativas por falta de secretária acompanhante; a compra e venda de deputados da oposição; etc. Isto tudo com a desculpa «é o que todos fazem», típica de casa fechada e isolada da sociedade.
A dignificação do cargo de deputado deverá assentar essencialmente nos próprios e numa cultura de ética que tem de ser desenvolvida pelos próprios. Para o efeito, deverá eventualmente ser criado um órgão encarregue da promoção dessa cultura e de avaliação de condutas. Não se acredita em pseudoleis de transparência, que apenas servem para tornar legais situações moral e eticamente reprováveis, que, através de mecanismos habilidosos não previstos, contornam o que está disposto na lei. A grande dificuldade será evitar que sejam levadas para esse órgão as guerrilhas partidárias.
A questão remuneratória é um elemento importante, sobretudo para aqueles que exercem a função em dedicação completa, bem como as condições de trabalho, incluindo deslocações. Nem a Assembleia deve dar azo a que os deputados sintam como justificados os seus malabarismos nem deve ser admissível que estes os pratiquem.
Se se viabilizar o conselho de deputados (grupo parlamentar constituído por todos os candidatos a deputados, independentemente de terem ou não sido eleitos), haverá uma maior inter-relação com a sociedade civil, o que poderá inibir comportamentos típicos de casas fechadas. Aliás, poderá assim haver um controlo mútuo porque será igualmente importante prevenir situações em que um deputado o seja mais para defender interesses privados relacionados com a sua actividade do que o bem comum. É legítimo e útil que um deputado defenda os interesses da sua área. Tem é de ser orientado pelo princípio do bem comum e de imperar a transparência.
Finalmente, deverá haver um princípio que se apresenta como fundamental e aceite por todos: é condenável que um deputado receba para si, ou para o seu partido, ou para qualquer outra entidade, dinheiro ou qualquer outra benesse, por aquilo que vulgarmente se chama tráfico de influências.

ANEXO 2

Respondendo às interrogações
Sendo inovadoras as propostas atrás apresentadas para a reforma da Assembleia da República e da lei eleitoral, é natural que causem estranheza e levantem interrogações. Procura-se aqui dar resposta às interrogações previsíveis.
O Plenário da Assembleia da República deixa de ser um plenário de deputados e passa a ser um plenário de partidos?
Esta é uma das principais interrogações, talvez a que levanta mais pruridos. A Assembleia da República criou um imaginário em que os deputados, eleitos pelo Povo, são os seus representantes directos, cada um com a sua legitimidade individual. A AR seria assim composta pelos excelsos representantes do Povo; cada um com o poder delegado de se pronunciar e decidir em nome do Povo que o elegeu. Percebe-se como a proposta de a Assembleia da República passar a ser uma Assembleia de Partidos atropela completamente aquele imaginário.
Contudo, se, com o que se propõe, de facto passamos a ter um plenário de partidos, a verdade é que...sempre assim tem sido.
A Assembleia da República sempre funcionou assim. Sempre foi uma miragem pensar-se que as decisões da Assembleia da República resultam do debate livre no plenário entre todos os deputados. Ora, o plenário da AR, e os debates que nele acontecem, sempre têm servido apenas para expor à opinião pública os argumentos de cada partido. O debate parlamentar sempre esteve inquinado pelas decisões prévias tomadas pelos directórios partidários. Só os deputados indicados pelo partido têm oportunidade de intervir.
Não é mau que tenha sido assim e o voto popular tem-no confirmado: nas raras alturas em que os deputados reivindicaram uma legitimidade própria, superior à do partido em cujas listas foram eleitos, tornando-se independentes, foram nas eleições seguintes penalizados pelo eleitorado. Por outro lado, a coesão dos partidos na Assembleia da República é condição indispensável para a estabilidade quer da maioria que apoia o governo quer da oposição. Deputados «independentes» para onde apontam as propostas de círculos uninominais é, pelo menos, um salto no escuro, um risco de pulverização da Assembleia da República, de ingovernabilidade, de predomínio do interesse particular sobre o interesse nacional, de recurso a esquemas «limianos» ou de «mensalão» como saída para um governo se manter ou fazer passar as suas leis...
A grande questão a que é preciso responder é se encarar a realidade e assumir o primado dos partidos é bom ou mau. Se é democrático ou não. Se é útil ou não.
É bom ao mau o assumir-se o primado dos partidos?
Duas hipóteses existem. Uma, a de termos a Assembleia da República assente em deputados do Povo que, embora tenham sido eleitos através do sistema partidário, reclamam para si uma legitimidade e autonomia próprias. Será o caso das eleições uninominais à alemã. Ainda que, no início, até possa resultar, a médio prazo teremos a Assembleia politicamente instável, com cada deputado mais interessado em defender os seus interesses directos (do círculo que o elegeu) do que com o interesse nacional. O Governo, que depende politicamente dos deputados, ficaria automaticamente enfraquecido. As reformas de fundo, que mexem em muitos interesses, ficariam inviabilizadas. É uma alteração na arquitectura do sistema que representa um salto no escuro demasiado arriscado para um País que se encontra política, social e economicamente fragilizado. Só teria algum sentido num regime presidencialista, como o americano, em que o responsável pelo executivo é o Presidente da República, eleito por sufrágio universal, e portanto com uma legitimidade política superior à dos deputados. E uma mudança para um regime presidencialista ainda menos parece ser viável a não ser pela força.
Portugal atravessa tempos difíceis de adaptação à globalização, que primeiro era apenas europeia e agora é mundial, e ao envelhecimento demográfico. Precisa, sem alternativa, de reformular o Estado social. Para isso, precisa de governos fortes e parlamentos estáveis. Ou o sistema político se adapta nesse sentido, ou teremos uma convulsão social e política.
A outra hipótese é a via reformista de melhorar o sistema actual, que, apesar das pretensas veleidades, sempre foi um sistema de assembleia assente nos partidos.
Se sempre assim tem sido, então é melhor assumir-se a questão de forma a que se possa aproveitar para introduzir melhorias. Um dos problemas da não assunção desta realidade, e da sua indispensabilidade, é que ou se bloqueiam as reformas ou se foge para novas miragens.
Na realidade, com o que se propõe, a arquitectura de fundo do sistema não muda. Mas consegue-se melhorar muito o seu funcionamento. Se é verdade que se consagra o primado dos partidos, como sempre aconteceu na prática, também é verdade que, por via destas propostas, se melhora muito a qualidade dos deputados e a democracia e estabilidade interna dos partidos. Teremos partidos melhores e melhores deputados.
Com o que se propõe, o deputado deixa de ser «eleito»? Deixa de haver deputados eleitos? Quando um candidato a deputado se apresenta ao eleitorado, não sabe se, mesmo que o seu partido ganhe no «seu» subcírculo, irá estar alguma vez presente no plenário da Assembleia da República?
Até agora, os candidatos eram ou não eleitos conforme a sua posição na lista distrital e o número de lugares que, nesse distrito, o partido conseguia pelo método de Hondt. De facto, a sua eleição não dependia dos próprios (que, muitas vezes, à excepção dos cabeças de lista, são perfeitos desconhecidos dos eleitores) mas sim da votação do partido e do lugar que, por manobras internas, conseguissem na lista do partido. Por isso, não faz nenhum sentido falar em deputados eleitos. O que temos tido é partidos que conseguem x lugares. Isto é tanto assim que houve tempos que os candidatos, para o serem, tinham de entregar ao partido um pedido de renúncia ao lugar, sem data, para ser usado pelo partido no caso daquele resolver desligar-se do partido.
Com o que se propõe, melhora-se bastante a influência real dos candidatos nas eleições. E assim esta torna-se numa questão sensível. Mas é preciso perceber que ganhar um subcírculo implica ter a maioria absoluta, o que muito raramente acontece. Por outro lado, quem ganhou --- o partido ou o candidato?
A questão poderá ainda ser atenuada se os partidos seguirem o princípio de que quem conseguir a maioria absoluta no «seu» subcírculo terá um estatuto especial que lhe permite ter o «direito» a um lugar cativo no plenário da Assembleia da República. Será uma forma de valorizar ainda mais a personalização das candidaturas mas sem se cair no extremo de se ter a Assembleia composta por deputados autónomos. Contudo, deverá ser um princípio não escrito e um direito recusável sempre que se perceba que esse direito é usado para defender interesses particulares locais e não o interesse nacional. Os deputados são deputados da Nação e não de qualquer lugar em particular.
Finalmente, é preciso fazer escolhas. Tudo o que se ganha com aquilo que se propõe --- legitimidade política das candidaturas, representação de todo o partido e de todo o seu eleitorado nas deliberações do conselho de deputados, participação de elementos da sociedade civil, aumento dos recursos humanos de cada partido, as melhores equipas nas comissões e no plenário em função dos temas tratados ---, tudo isso sem prejuízo da estabilidade, justifica o «sacrifício» que não é mais do que assumir a realidade que sempre temos tido: os eleitores votam em partidos e não em deputados.
Mas o facto de passarmos a ter um plenário de partidos não levantará uma maior dificuldade à consensualização de opiniões? Não ficará cada partido enquistado na sua?
Sobre isto importa reparar que as circunstâncias se manterão mais ou menos semelhantes às actuais. Não é no Plenário da AR que se harmonizam posições. É nas comissões e nos contactos informais de bastidores. Aqui é que existe trabalho útil e há muito dele por fazer. O que aqui se propõe não só reforça a necessidade de apurar esse trabalho como faz com que as direcções parlamentares passem a ter muitos mais meios humanos.
Mas o facto de, na prática, sempre ter predominado o partido sobre o deputado, não justifica que não se mude. As coisas não estão bem. As eleições de deputados por círculos uninominais parecem ser a solução apontada. Aliás, esta será até uma ideia já consensualizada entre os dois maiores partidos, que já alteraram a Constituição. Não será melhor prosseguir neste caminho?
Em Portugal temos a tendência para, em vez de analisar o que está mal e corrigi-lo na sua raiz, ficarmos por alterações de pura cosmética ou então negarmos o que existe e corrermos atrás de uma miragem, saltando para o oposto, sem cuidar de verificar se essa solução responde aos quesitos e se ela própria não tem defeitos, porventura ainda maiores do que aqueles que se querem ultrapassar. Existem modas que se tornam politicamente correctas, que se autojustificam dizendo que «é o que todos dizem», sem que ninguém cuide de verificar a sua viabilidade. Existe um déficit de pensamento analítico, estruturado, consistente e consequente. Por outro lado, temos também uma tendência exagerada para importarmos acriticamente modelos de fora («o que é estrangeiro é que é bom») sem verificarmos se esses modelos estão a ter resultados satisfatórios nos locais de origem e se eles são adaptáveis à nossa realidade.
À desmontagem dos círculos uninominais se dedica neste livro um capítulo, par além de constantes referências. A personalização das candidaturas e a relação cidadão-eleitor, o principal «bem» das propostas de eleições por círculos uninominais, são também consagradas nestas propostas. Aliás, de forma ainda mais alargada, pois enquanto na proposta dos círculos uninominais os candidatos que não forem eleitos desaparecem, no que aqui se propõe eles continuarão de forma activa a representar o eleitorado e os militantes que neles votaram no conselho de deputados do partido.
Diz-se que com estas propostas teremos partidos melhores, mais democráticos, e melhores deputados. Como?
Comecemos por deputados melhores. O dividir-se as listas em subcírculos uninominais, com os candidatos de cada subcírculo claramente identificados, leva a que, tal como nas candidaturas por círculos uninominais, a personalidade de cada candidato e a sua participação e intervenção directas na campanha a nível local passem a ser factores importantes da sua eleição. Actualmente, os deputados são eleitos quase totalmente às custas do partido e do seu presidente, podendo ser o mais anónimos possível, sem qualquer prejuízo. Isto permite às máquinas partidárias escolherem para candidatos o seus homens de mão que se distinguem pela fidelização pessoal, ou o grupo de amigos, sem a mínima preocupação com as suas qualidades. Com o que aqui se propõe, terá de ser dada uma muito maior atenção à escolha de cada candidato a apresentar ao eleitorado, sob pena de fiasco eleitoral. Por outro lado, enquanto, actualmente, são as máquinas partidárias que escolhem arbitrariamente e em função dos seus interesses pessoais quem são os candidatos, ao passarem a ser os militantes a escolher por eleição directa o candidato de cada subcírculo, haverá uma muito maior tendência a serem escolhidos «Homens Bons», com prestígio reconhecido na sociedade local, uma vez que o sucesso eleitoral passará a ser a única determinante. Finalmente, as propostas apresentadas, ao possibilitarem uma participação activa nas decisões do partido e do conselho de deputados e a ida ao plenário da Assembleia da República apenas nas alturas em que se debatem assuntos da sua área, permitem a muita gente que pretende manter totalmente a sua actividade civil candidatar-se. Ou seja, possibilitando-se a participação efectiva nas decisões do partido a nível parlamentar, mas sem que isso obrigue a grandes alterações ou perturbações nas actividades civis, haverá muito mais gente com qualidade disponível para participar e com reais possibilidades de sucesso. Com reais possibilidades de sucesso porque passam a estar dependentes dos votos dos militantes, que serão muito mais sensíveis à qualidade dos candidatos a apresentar do que das escolhas das máquinas partidárias, muito mais interessadas nos seus poderes pessoais.
O que até nas eleições por círculos uninominais não é possível, uma vez que, com elas, aqueles que forem eleitos passarão a ser deputados a full time e portanto profissionais da política, deixando assim a sociedade civil de estar representada. Aqueles que não forem eleitos desaparecem. Deixam de ter qualquer influência.
E porque se diz que teremos melhores e mais democráticos partidos?
Em primeiro lugar porque, como vimos, teremos os melhores candidatos a deputados. Depois, porque as decisões são tomadas pelo conselho de deputados, aonde estão por pleno direito todos aqueles que foram eleitos pelos militantes para serem candidatos pelo partido. É no conselho de deputados que as posições e as propostas parlamentares do partido se formam. Onde são democraticamente debatidas, consensualizadas ou votadas, contrariamente ao que existe hoje em dia, em que muitas propostas aparecem não se sabe bem como, e aonde quem toma decisões tem a sua legitimidade dependente não do voto eleitoral mas de quem o nomeou para candidato. Muitas vezes direcções distritais ou nacionais já entretanto substituídas.
Por outro lado, cada secção do partido saberá quem é o seu representante no conselho de deputados, eleito por ela, e passará a haver uma interacção entre os militantes e o seu representante de forma a que aqueles possam ser esclarecidos acerca do que se passa ao nível das decisões do partido e no conselho de deputados e, por outro lado, ter um veículo de transmissão do seu pensamento. Actualmente, na prática, existe um fosso total entre os deputados e a base dos partidos, que advém da lista ser apenas um saco aonde estão todos, sem que ninguém fique comprometido com qualquer ligação à secção do partido. O facto de quem não ser eleito desaparecer politicamente leva que sejam também menos as pessoas disponíveis para contactos sistemáticos com a base.
Em resumo, o conselho de deputados é composto na sua totalidade por membros eleitos directamente e por maioria absoluta pelos militantes. Todo o partido está nele representado. O conselho de deputados toma democraticamente as suas decisões que passarão a ser as decisões do partido. Existe uma maior interacção entre os deputados e a base. A direcção do conselho de deputados é eleita pelos seus pares e sob proposta da direcção do partido, recolhendo assim a sua legitimidade dos dois lados.
Mas não existirá o risco de termos como candidatos, e no conselho de deputados, elementos que se caracterizam pelo seu populismo e propostos (eleitos) para serem candidatos à revelia das direcções nacionais?
De facto, será bem provável que personalidades como, por exemplo, Valentim Loureiro sejam escolhidas pelos militantes da sua secção para candidatos a deputados e assim passarem a fazer parte do conselho de deputados. São estas as regras do jogo democrático. Se é isso que os militantes locais votam, é preciso respeitá-los. Mas, no actual sistema ou no de círculos uninominais, se fosse eleito, teria automaticamente assento no plenário da Assembleia da República e liberdade de acção. Com aquilo que se propõe, caberá à direcção da bancada escolher em cada momento, de entre os candidatos do distrito, quais irão ter assento no Plenário, de forma a preencher o número de lugares a que o partido, pelo método de Hondt, tem direito nesse distrito. Assim, provavelmente, personalidades mal vistas pela direcção do partido, embora possam participar activamente no conselho de deputados, contribuindo assim, com as suas intervenções e o seu voto, para a formulação do pensamento do partido na sua vertente parlamentar, em nome da base que as elegeram para serem candidatos, terão poucas hipóteses de ir ao Plenário. Por outro lado --- também importante ---, liberta as direcções dos partidos da actual responsabilidade das candidaturas politicamente incorrectas, situação que implica ou uma corresponsabilização, caso essas candidaturas sejam apoiadas, ou situações de veto delicadas, por vezes contra a vontade das bases. É uma situação de ser preso por ter cão e ser preso por não ter. Seja qual for a posição assumida, acarretará sempre um grande desgaste, ainda por cima injusto, por incontornável, e prejudicial para a imagem das direcções partidárias e do mundo político em geral.
Mas considera-se democrático que a direcção do conselho de deputados tenha esse poder discricionário sobre quem é que terá assento no plenário?
Esta será, a par da consagração do primado dos partidos, a questão que, por ser absolutamente inovadora, mais interrogações provocará. Aliás, porque estão implícitas duas questões e não apenas uma.
A primeira tem a ver com a mudança profunda do actual paradigma. Presentemente, logo na noite das eleições, fica definido quais são os deputados eleitos (os primeiros da lista até se atingir em cada distrito o número a que cada partido tem direito pelo método de Hondt). Os deputados serão fulano e sicrano. Com o que se propõe, passamos para uma situação em que sabemos quantos deputados tem cada partido em cada distrito mas não sabemos de entre eles quais são os que terão assento no plenário, até porque a lista estará ordenada por ordem alfabética do nome dos subcírculos. Ou seja, os deputados deixam de ser «os donos» dos lugares. Os lugares pertencem ao partido e este é quem escolhe, através de decisão da direcção do conselho de deputados, quem, em cada momento, os ocupa. Obviamente, dentro dos candidatos de cada distrito e em função do número de lugares atribuído pelo método de Hondt a cada partido. Esta nova competência das direcções dos grupos parlamentares e o que ela significa e implica é a segunda questão.
Analisemos então cada uma das questões.
Será democrática esta situação em que é o partido que indica em cada momento quem são os seus deputados no plenário da Assembleia da República?
Uma vez que, de facto, como se viu acima, os eleitores sempre votaram em partidos e não em pessoas concretas, é útil que se assuma esse facto. O que é importante é a garantia da representação proporcional dos partidos na AR.
Isto é muito mais democrático do que, como acontece muitas vezes, os cabeças de lista, depois de eleitos, desistirem e serem substituídos por segundas linhas que ninguém conhece e que até podem assumir posições opostas às daqueles que vieram substituir.
Por outro lado, o conselho de deputados tem uma legitimidade democrática muito superior à dos actuais grupos parlamentares. De facto, enquanto os deputados que constituem os grupos parlamentares do presente são-no porque foram designados para serem candidatos pelas cúpulas partidárias, com aquilo que se propõe eles passarão a ser eleitos directamente pelos militantes. Ou seja, deixam de ser dependentes de subserviências e a sua participação na elaboração das propostas e decisões do partido ganha autonomia e legitimidade própria. Por outro lado, enquanto no conselho de deputados estão todos os que foram eleitos para serem candidatos e assim representado todo o partido, no presente, no grupo parlamentar só estão os deputados que foram eleitos para Assembleia da República. Se, por exemplo, um partido no distrito A não eleger nenhum deputado, não haverá qualquer representação do partido (ou dos eleitores) desse distrito nas deliberações do grupo parlamentar. Assim, o conselho de deputados que se propõe, ao representar todo o partido e com todos os seus membros directamente eleitos pelas bases, tem a máxima legitimidade democrática para definir as posições do partido na vertente parlamentar.
Será democrática esta faculdade da direcção do conselho de deputados escolher em cada momento quem são os deputados que vão ao Plenário e quais não vão?
É necessário assumir que, no Plenário da Assembleia da República, está sobretudo o partido. Sem prejuízo de nas listas estarem identificados os candidatos da cada subcírculo, a cruz, como actualmente, é posta à frente do nome do partido. Importam assim sobretudo duas coisas. Que o apuramento da vontade parlamentar do partido seja feita da forma o mais democrática possível, o que só é possível, como vimos acima, com aquilo que é proposto e que o partido consiga exprimir da melhor forma possível e com o maior sucesso essa sua vontade, quer no Plenário da Assembleia da República, quer nas comissões. Assim, é de toda a utilidade, para bem do partido, que possam ser designados os melhores para cada circunstância. Por outro lado, a direcção do conselho de deputados, que foi proposta pela direcção do partido e eleita pelos membros do conselho de deputados, tem toda a legitimidade democrática e competência para escolher, dentro dos limites da representação a que o partido tem direito, quem são os deputados a estarem presentes no Plenário e nas comissões.
É certo que poderá haver membros do conselho de deputados ostracizados, que nunca cheguem a ir ao Plenário da AR, também é verdade que, no sistema actual, a sua candidatura teria sido vetada e nem sequer candidatos teriam sido. E mesmo que tivessem sido candidatos e eleitos, nunca teriam qualquer intervenção na A R. Pelo que se propõe, não só têm o direito de ser eleitos para serem candidatos, como pelo menos, têm direito a intervir e a votar no conselho de deputados, podendo participar activamente na formulação das decisões do conselho de deputados.
As direcções partidárias aceitarão prescindir de nomear os candidatos a deputados? Aceitarão quem as bases elegerem?
Como são formadas as listas e encontrados os nomes que as preenchem é mais uma questão do foro interno partidário do que constitucional. As propostas apresentadas de reforma da lei eleitoral e da AR são possíveis mantendo-se os actuais esquemas de designação de candidatos. Contudo, o assumir pelos partidos da existência de «primárias internas» será um grande contributo para o equilíbrio da reforma e para a melhoria do sistema e do pessoal político, isto porque a lógica democrática que existia, de as assembleias distritais indicarem os seus candidatos, tem vindo a ser subvertida. Tendo a indicação destes passado a ser resultante de uma negociação directa entre as direcções dos partidos (melhor, os representantes do presidente do partido) e os presidentes das distritais. Com maior peso por parte da direcção nacional mas com algumas cedências em contrapartida a favor dos «amigos» do presidente da distrital. Aos poucos, as vidas partidárias foram-se resumindo a quem apoia quem. «Apoias-me para Presidente do Partido e eu escolho-te para deputado». «Apoias-me para Presidente da Distrital e eu defendo a tua inclusão nas listas». E tudo se passa num circuito cada vez mais fechado e reservado apenas a iniciados.
Compreende-se que possa haver relutância por parte das direcções nacionais e distritais em abandonar este poder e deixar à base a liberdade de escolha directa. Mas se são estas quem passou a escolher directamente o presidente do partido, como não aceitar que elas possam votar para escolher o candidato que as vai representar no conselho de deputados?
Por outro lado, as direcções nacionais, bem como as distritais, poderão indicar e apoiar candidatos a candidatos. Poderão intervir activamente. E se são direcções respeitadas pelo partido, certamente que a maioria dos «seus» candidatos vencerá as primárias internas. Se tal não acontecer, então é porque existe uma grave divergência entre o partido e a sua direcção, o que deverá ser assumido. Mas é facto que passará também a haver por parte das direcções um muito maior cuidado na escolha dos candidatos a propor e a apoiar, que terá de ter muito mais em conta o escrutínio das bases do partido e, sobretudo, o eleitorado.
Finalmente, pelo facto de ser a direcção do partido quem propõe a direcção do conselho de deputados, a ser eleita, e de esta ter o poder de designar quem tem ou não assento no Plenário e quem vai às comissões, permite manter a primazia na direcção do partido e um controlo da actividade parlamentar, o que, para além de equilibrar as coisas, se justifica, uma vez que aquela é eleita por todo o partido e num processo de debate nacional, enquanto os candidatos a deputados são eleitos subcírculo a subcírculo com debate apenas local.
Com a solução proposta, os deputados não são os deputados da direcção A ou B. Têm uma legitimidade individual própria, o que os torna aptos a colaborar com todas as direcções, sem conflitos, contrariamente ao que se passa agora, em que muitas vezes a direcção que designou um grupo parlamentar é, a seguir às eleições, substituída por outra que não se revê na bancada parlamentar existente, afecta à direcção anterior.
Não existirá o risco, com o sistema proposto de candidatos escolhidos em primárias pelos militantes de cada círculo, de haver uma baixa de qualidade?
Teoricamente pode-se pensar que quem está no topo do partido terá uma maior capacidade para escolher e atrair pessoas competentes nas várias áreas com vista à formação de um bom grupo parlamentar. Contudo, parece ser consensual que a viciação da vida partidária e as interdependências têm conduzido a uma diminuição da qualidade média da vida política e das representações parlamentares, e a um cada vez maior afastamento da sociedade civil. É uma situação irreversível, até porque se chegou a um ponto em que os atropelos se autojustificam: «tenho de fazer assim porque é o que os outros fazem e se o não fizer fico em desvantagem». Já todos conhecem todos os truques. E o móbil que tudo faz correr é, precisamente, ou uma candidatura autárquica ou uma candidatura para deputado. O que se propõe promove dois motivos de esperança. O primeiro é a possibilidade de, ao atribuir a decisão das escolhas directamente ao sufrágio da base, curto-circuitando as vontades da máquina instalada e as suas motivações, se desmobilizar o carreirismo interno, que está a liquidar os partidos, perdendo a sua finalidade, que era a garantia «administrativa» de um lugar de deputado. O segundo é a novidade de cada candidato passar a ser o cabeça de cartaz local nas «primárias» e tidas em conta as escolhas dos militantes. Parece razoável esperar que estes, sem interesses próprios, se preocupem mais com a qualidade de quem vão apresentar aos eleitores. Aliás, esta é também a grande esperança de quem defende eleições por círculos uninominais.
De qualquer forma, a direcção do partido pode sempre promover candidaturas nos vários subcírculos, candidaturas que, se forem realmente mais valias (e só se o forem), facilmente serão apercebidas como tal e bem sucedidas.

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