Perdoar é, à letra, cancelar (do grego). O nosso laicismo das Luzes foi moldando secularmente o perdão em formas negativas, pejorativas e negras (!) e enterrou-o bem fundo na gaveta das coisas velhas e inúteis.
Cancelar o ódio, matar o ódio é dar espaço à tranquilidade. É o maior sinal de maturidade individual ou colectiva. Perdoar faz crescer aquele que perdoa (no seu íntimo, mesmo que o Outro, o "presumível" ofensor, o não saiba). Não significa esquecer nem enterrar a memória, mas sim atribuir-lhe um espaço racional, justo e isento de paixões negativas (vingança servida quente ou fria, ranger de dentes ou gozo de pobre e triste palhaço que atira sapatos a imagens virtuais, espalha intrigas e constrói maledicências improvadas, etc.)
O nosso mundo quis-se, desde meados do século passado, eternamente juvenil e aprendeu, com força, a não perdoar, logo a não crescer. Os ódios foram crescendo e acumulando-se. Muitas pessoas ficaram para-sempre infantes Peter-Pans com raivinhas nos dentes-de-leite e nunca terão caninos capazes de "espetar os cornos no destino" (como diria a Natália Correia). Rosnam por passatempo, num jogo pueril sem objectivos determinados, rosnam contra "Eles", contra "O poder", num exercício de contas-de-um-rosário-sem-fim, para exorcizarem as suas próprias maldades pessoais, as suas incongruências humanas, os seus pecadilhos.
A um nível colectivo, o ódio instalou-se entre Cuba e os USA durante os últimos 50 anos, muito para além da Baía dos Porcos, por todo o mar salgado. Obama estendeu a mão em Abril de 2009. Os Castros de Cuba aceitaram. It´s the beginning of something. Mas o ranger de dentes, embora mais surdo que antes, continua a fazer-se ouvir. Proclama a necessidade do cancelamento do embargo a Cuba, de um lado, assobia fininho e faz orelhas moucas, do outro.
O mesmo se passa no Médio Oriente. A Palestina rosna quando as Nações pedem aos seus dirigentes o reconhecimento do Estado de Israel. Sem reconhecer a existência do Outro não há possibilidades de comunicação. Regra básica da Pragmática da Comunicação (Watzlavick). Israel contra-rosna e elege dirigentes de extrema-direita.
Ora bem, depois de ter ganho algum mundo e de ter feito algumas leituras, acabei preferindo os Gatos aos Cães. Parece que estou a desconversar mas não. É que os Gatos não rosnam e, acima de tudo, não há Gatos de Fila. Quando se chateiam, partem para "outra", na "maior", "numa boa", virando as costas, tout court, com um ar "cool" e sem ressentimentos. Livres gatos! De facto, a Liberdade de Espírito e os Gatos e, ainda, a Literatura, andaram sempre de mãos dadas. Veja-se Colette, Mark Twain, Doris Lessing e tantos outros. Mas este tema fica para um próximo post . . . Para já, aqui deixo o simpático Gato das Botas - vindo directamente do nosso imaginário infantil - ser livre, cavaleiro solitário e pronto para lutar honestamente, se preciso for.
And the dreamers? Ah, the dreamers! They were and they are the true realists, we owe them the best ideas and the foundations of modern Europe(...). The first President of that Commission, Walter Hallstein, a German, said: "The abolition of the nation is the European idea!" - a phrase that dare today's President of the Commission, nor the current German Chancellor would speak out. And yet: this is the truth. Ulrike Guérot & Robert Menasse
domingo, abril 19, 2009
PERDOAR OU ROSNAR, EIS A QUESTÃO!
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Vera Santana
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10 comentários:
Boa questão Vera, intemporal esta do perdão. Talvez seja necessário laicizar o perdão.
Não está mal pensado, Pedro.
Havemos de reflectir sobre isso. E sobre os modos como uma civilização da culpabilidade passou do excesso de auto-culpabilidade (mea culpa, mea culpa) ao excesso de hetero-culpabilidade (a culpa é d´Eles, do Outro, do Demonizado, do Poder por definição).
Vera, gostei tanto que vai de arrastão para o nosso blog ;) se não levares a mal.
O ressentimento é dos piores time waister's da nossa civilização!
Impede-nos de processar as emoções, de aprender e prosseguir por melhores caminhos, mais racionais, prudentes e significativos.
E tal aplica-se tanto à memória colectiva, tão selectiva no que diz respeito à ofensa e à vingança e tão pouco ao perdão; como à memória individual.
A quem ler esta mensagem:
Aconselho uma viagem ao Blog da Mei
Butterflys & Elfs
Para leitura do post (imediatamente anterior ao "meu" Perdoar ou Rosnar . . . ) sobre Mulheres e Felinos (acho que é o título) que contém um breve texto de Miguel Esteves Cardoso.
Miau ou grrrrrrrrr?
Been there, read that!
Obrigada, Vera, é um honra receber-vos! ;)
Há acontecimentos na vida com tal potencialidade que só exorcizados podem atingir o estado superior de perdão! Muito bem Vera...tens R!
Clara,
Há uns dias encontrei um dos nossos actuais governantes, pessoa que conheço há décadas e com quem me não cruzava há um bom par de anos.
O meu primeiro pensamento espontâneo e imediato foi:
"Afinal esta pessoa continua a ter ar de gente e uma cara normal, com boca, nariz e olhos, tudo no sítio! Os media - sobretudo néticos - deram-lhe cabo do perfil, da face e do corpo, tanto e tão brutal foi ódio com que, a par e passo, a foram deformando".
Entretanto cumprimentámo-nos com a maior naturalidade do mundo e como sempre, tratando-nos por tu.
O meu segundo pensamento, mais reflexivo, foi "Os media podem esfrangalhar a imagem de uma pessoa e, se a pessoa não tiver arcaboiço de gigante, podem mesmo esfrangalhar a pessoa".
A potencialidade do acontecimento estava perante mim, possibilitando-me comparar a imagem real com as imagens construídas/destruídas por alguns media.
Capice?
Vera,
o meu comentário ía nesse sentido...estou completamente de acordo...sem tirar nem pôr!
One more point, 7 months later: para perdoar - no sentido de cancelar - é condição sine qua non pedir perdão.
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