quinta-feira, abril 16, 2009

Miguel Sousa Tavares - Como fritar um Primeiro-Ministro em lume brando

Como fritar um PM em lume brando
Miguel Sousa Tavares
Segunda-feira, 13 de Abr de 2009


  1. Eis o meu ponto de partida: eu não acredito que o cidadão José Sócrates Pinto de Sousa tenha, enquanto ministro do Ambiente, aceite quatro milhões (de euros ou de contos, a suspeita nunca ficou clara) para autorizar, contra a lei, o Freeport de Alcochete. Não acredito: é um direito que me assiste e que decorre não apenas da experiência de trinta anos a observar políticos por dever profissional, como também pelo conhecimento pessoal que dele tenho.

    Segundo ponto: além da crença pessoal, eu desejo veementemente e como português que quem quer que seja primeiro-ministro do meu país esteja acima, largamente acima, de tão rasteiras suspeitas. Isso, porém, não impede que existindo suspeitas, dúvidas, interrogações por esclarecer, com ou sem razão, elas sejam investigadas a sério e a fundo. Acho que nenhuma outra coisa podemos desejar e exigir.

    Terceiro e decisivo ponto: acho absolutamente intolerável que a investigação e esclarecimento de um assunto desta gravidade, envolvendo suspeitas deste tipo sobre um PM, acabe - uma vez mais! - por flutuar, sem prazo nem dignidade alguma, nesse limbo de maledicência e de justicialismo popular onde invariavelmente vegetam ultimamente todas as investigações deste tipo, entre a incompetência do Ministério Público e a leviandade de uma imprensa que vive para o escândalo e que se está borrifando para o que seja o Estado de Direito. Por outras e mais cruas palavras: é intolerável que, uma vez mais, o palco principal da investigação seja ocupado, não pelos seus progressos e conclusões, mas pelas notícias sobre incidentes laterais, estados de alma dos investigadores e insinuações sobre pressões externas - tudo, como sempre, alimentado por sistemáticas fugas de informação que, para vergonha nossa, toda a gente sabe de onde vêm e
    mesmo assim se repetem constantemente.

    Não consigo entender como é que, nas últimas semanas, o centro das atenções relativamente ao Freeport se deslocou dos resultados da própria investigação para as queixas de "pressões" dos magistrados dela encarregados. Primeiro, porque já vi este filme várias vezes e sei que, quando começam queixinhas destas, elas são invariavelmente o sinal de que a investigação marca passo e já se procuram desculpas. Depois, porque não entendo que um magistrado de investigação ande a queixar-se publicamente de pressões em lugar de lhes resistir silenciosamente e continuar o seu trabalho. Terceiro, porque há qualquer coisa de pouco transparente em queixarem-se de pressões atribuídas a um outro magistrado, amigo e colega de trabalho neste
    mesmo caso. Vai agora um outro magistrado encarregar-se da extraordinária investigação de saber se o facto de Lopes da Mata ter dito aos colegas que o primeiro-ministro queria celeridade no processo é ou não uma pressão política ilegítima. E assim se vai entretendo o tempo, como se (e a ser verdade que Sócrates terá enviado aquele recado por interposto procurador) não fosse apenas o PM, mas todos nós, a democracia portuguesa, a exigir celeridade e poucos floreados
    para distrair as atenções!

    Escreveu Pacheco Pereira há dias que "colocar o caso Freeport debaixo do tapete, enchê-lo de medos, de sussurros, de silêncios, de incomodidades, deixará Portugal envenenado por muitos e bons anos". Ora, salvo melhor opinião, o que tem sucedido é exactamente o contrário: o caso Freeport ocupa a cena há três meses, em vez de silêncios e sussurros, é objecto de uma gritaria sem fim e, em vez de medos, tem propiciado abundantemente o que melhor caracteriza a nossa
    investigação criminal nos chamados casos mediáticos: permitir ou promover a execução pública dos suspeitos, antes que eles tenham tido uma hipótese de se defender e muito antes de a acusação concluir se tem ou não matéria para levar o caso a tribunal. É grave que isto possa suceder com qualquer cidadão; é gravíssimo que possa suceder com o próprio primeiro-ministro: não por José Sócrates, no caso, mas pela saúde pública do regime democrático. Desgraçadamente, chegámos a um ponto em que qualquer pessoa, por mais inocente que esteja, e em especial se for figura pública, pode ser executado em lume brando na praça pública, num fogo assassino alimentado pela negligência da investigação e pelas sistemáticas violações do segredo de justiça, que permitem a uma imprensa sedenta de sangue e de 'sucessos' atear as
    labaredas da execução popular. Mesmo quando, como foi o caso, tudo nasce de uma denúncia anónima - para mais, sugerida pela própria PJ e com contornos mais do que suspeitos de manobra política eleitoral, nunca devidamente esclarecida.

    Eu não quero saber se os senhores magistrados se sentem ou não pressionados porque o PM supostamente lhes terá mandado dizer que andassem rapidamente com o processo, conforme é obrigação deles. Eu quero é que eles não finjam não perceber a gravidade do que têm em
    mãos, as implicaçõe s políticas imediatas e a prazo do arrastar do caso e a arrasadora suspeita que pende sobre a cabeça de um cidadão que, por acaso, também é primeiro-ministro.

    Tanto quanto sei, seguindo as coisas de fora, t odas as suspeitas contra José Sócrates assentam na existência de um vídeo onde um tal Charles Smith, para tentar justificar perante os patrões do Freeport uma quantidade de dinheiro que desapareceu em Portugal, o explica dizendo que teve de corromper o então ministro do Ambiente. Ora, o sr. Smith está para aí, à disposição dos investigadores, que aliás já o interrogaram algumas vezes. Permitam-me os senhores magistrados que diga que não vejo aqui nenhum bico de obra: ou conseguem que o sr.
    Smith prove como e quando pagou a Sócrates e qual o destino do dinheiro, ou não o conseguem e, então, só lhes resta uma coisa a fazer: arquivar o processo contra Sócrates e prossegui-lo contra o sr. Smith e demais envolvidos, por crime de falsas declarações e muito provável roubo, em benefício próprio, dos tais quatro milhões. Não alcanço porque são precisos cinco anos de adormecidas investigações e mais três meses de histeria investigatória para concluir uma destas
    duas coisas.

    Ainda esta semana ouvi o ex-inspector da PJ Gonçalo Amaral referir-se ao casal McCann como assassinos da própria filha - a tese que ele defendeu durante as investigações que conduziu e que depois publicou em livro. Durante dois anos, o dr. Amaral teve todos os meios, tempo e condições para fazer provar a sua gravíssima tese ou então descobrir o que tinha sucedido a Maddie e se estava viva ou morta. Não o conseguiu e, prorrogados todos os prazos de investigação, esta foi encerrada sem conclusões, por falta de qualquer indício do que quer que fosse. Mas, imperturbável, o senhor aí continua, a acusar os próprios pais de terem morto a filha e a dizer que só não o conseguiu provar por culpa das "pressões políticas". Será este tipo de 'justiça' que os
    investigadores do Freeport se preparam para reservar também a José Sócrates?
  2. O argumento de que Durão Barroso tem de ser também o candidato do Governo socialista à presidência da Comissão Europeia porque é português é igual ao argumento de que todos tínhamos de achar o Cristiano Ronaldo melhor que o Messi na eleição de jogador do ano só
    porque também é português. Se alguém acha que Barroso - essa alforreca política - representa a melhor Europa, hoje e no futuro, é porque não percebeu nada da diferença que faz Barack Obama no renascer da esperança, num mundo em grande parte reduzido à desesperança pela falta de qualidade dos líderes políticos.

2 comentários:

Vera Santana disse...

Muito bem, Miguel Sousa Tavares! Ainda hoje passou, na net/facebook uma petição para apoiar o jornalista contra quem Sócrates interpôs um processo. Não subscrevi a petição e escrevi: tal missão cabe à justiça, não me cabe a mim.

Voilá.

Quanto ao José Manuel Durão Barroso. Prefiro Rasmussen, como escrevi, há dias, neste blog. Não coloco o rafeiro português, só por ser português, à frente de uma nova liderança esperançosa. Sou europeia, avec plaisir! Esta oposição entre castiços e estrangeirados persegue-nos há muito. Se preciso for, pois serei estrangeirada, amante da minha Pátria. Tenho dito!

Vera Santana disse...

1ª fase da fritura, em duas etapas:

ETAPA a) Xutos & Pontapés - Sem Eira nem Beira Uma música do novo álbum dos Xutos & Pontapés. Cantada pelo Kalu.

ETAPA b) EMAIL QUE ANDA A CIRCULAR: "Xutos & Pontapés: música nova usada em vídeos de contestação a Sócrates

É um produto genuíno e bem português…….é o novo CD dos XUTOS E PONTAPÉS…

PARA OUVIR E VER…..AQUI VAI A LETRA PARA AJUDAR A CANTAR….E TOCA A ESPALHAR….

PARA OS MAIS SENSÍVEIS, DIREI QUE A LETRA TEM UMA LINGUAGEM SIMPLES E BEM DO POVO…."


Recebi, por email obviamente, o texto que acima transcrevi (na ETAPA b), juntamente com a letra da canção e, também, o link para o vídeo dpos Xutos e Pontapés.

Muito sabiamente, o texto junta, numa mesma frase, as palavras música e contestação. Com o objectivo de conotar estes dois novíssimos produtos de mercado - canção + vídeo - com a música de contestação do tempo do fascismo. Mãos de mestres da propaganda.

Muito sabiamente também, a música dos Xutos e Pontapés - muito fraca dos pontos de vista musical e literário - ilustra em audio, um vídeo sobre o Primeiro Ministro. Escusado será dizer que as imagens sacrificam José Sócrates como se fora um cordeiro pascal.

Pergunto: este acto sacrificial procura louvar que templo?

Além das características que apontei, o dito email evidencia um proselitismo de seita, mas invertido: ESPALHEM A MÁ NOVA, ao contrário de outros proselitismos que pretendem ESPALHAR A BOA NOVA.

E, last but not least, o NARRADOR da canção é um ladrão preso há dois anos. Deve ter participado, na prisão, em ateliers de música para bandas, durante dois anos, com os restantes colegas que ficaram fora da pildra. Não sabia que o nosso sistema prisional era tão musical.

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