sábado, abril 14, 2007

Press


Sei que é um comportamento altamente irregular, mas gostei tanto do texto da PlayGirl, retirado dos comentários do Arrastão, que aqui o republico.
É, como não podia deixar de ser (pela foto) sobre o estado do jornalismo português hoje. Tema, até, a merecer mais atenção neste blogue (e no próprio Clube «Loja de Ideias»).
Aqui vai.
De vez em quando, como hoje - e hoje havia uma razão especial, o 'novo' DN de novo - ganho coragem e compro vários jornais. Já sei que a qualidade do dia vai piorar, que uma angústia subliminar vai galgar as minhas entranhas e instalar-se, teimosamente, na garganta, a entupir-me a asfixiar-me.
Mas mesmo assim, e após alguns momentos de preparação psicológica, compro-os. É que sou jornalista, tenho o dever, a obrigação de ler jornais e revistas. E leio, mas acabo sempre enjoada, enojada, até. Acho piada a agitação dos colunistas, como se se tratasse de cromos: eu dou-te este e tu dás-me aquele; agora colo este aqui e tu arrancas esse daí. É um verdadeiro frenesim. Aliás, o jornalismo em Portugal assenta cada vez mais nas movidas dos colunistas. A lógica parece simples: é gente de bem, não importa, desculpem-me, o quadrante político; o colunista sabe tudo, opina sobre qualquer assunto com toda a legitimidade; em Portugal, o colunista é um senhor, a sua palavra é inabalável, vale ouro: o colunista/jornalista sabe de tudo.
E temos vários exemplos: Joel Neto é o quê? Jornalista? Colunista? Especializou-se em futebol, literatura, em si próprio (em todos os seus textos ele assume um protagonismo peculiar, já que é ele, sempre ele, o centro de toda a acção)? E o Pedro Mexia, que está tão na moda? É jornalista? É crítico literário? Cinéfilo? Colunista? Qual é a sua especialidade? Livros, televisão, política ou as letras das musicas dos Scorpians? Pelo que já percebi, tanto num caso como noutro, como em quase todos os casos do grande colunismo na imprensa nacional, os escribas de serviço falam do que está a dar.
E todos os dias lá desfilam as mesmas opiniões, dos mesmos colunistas. Todos os dias se ataca o governo, os partidos, as instituições, os pedófilos, os corruptos, os malfeitores; todos os dias se escrevem verdadeiras lições de moral aos leitores, pistas de como ser melhor pessoa.
É que as boas pessoas deste país trabalham todas em jornais: são colunistas. Logo, os jornais são, em Portugal, verdadeiros manuais dos bons princípios e valores. Em Portugal, segundo os nossos jornais e revistas, há péssimos políticos, há gente da pior espécie, em todas as áreas e quadrantes. Menos num: o jornalismo.
Curiosamente - e que pena não se ter escrito ainda uma bela coluna sobre isto -, a última edição dos prémios de fotojornalista da revista Visão/BES/ World Press Photo não deixou dúvidas quanto à qualidade do nosso jornalismo. O júri declarou oficialmente, e "com muita pena", a fraca qualidade dos trabalhos apresentados. Não a fraca qualidade das fotografias: com o digital, diziam eles, hoje todos podem ser excelentes fotógrafos. E o que se viu foram maus trabalhos de jornalismo - de fotojornalismo. Reportagens fracas, histórias fracas, embora boas fotografias. A categoria do desporto nem foi atribuída. Uma vergonha, não?
E o pior é que o júri achou que a qualidade do concurso em Portugal tem vindo a decair. mas não li nada sobre isto. Sobre a situação actual do jornalismo. Sobre a qualidade e a pertinência das reportagens, dos assuntos, das histórias, sobre a "especialidade" dos colunistas.
Quem está no meio sabe bem como funciona a dança de cadeiras de cada vez que um novo director toma os destinos de um jornal qualquer. Sei de casos em que colegas foram “convidados” para aqui ou para ali por serem do Benfica, dão bom ambiente à redacção, é o pessoal da palhaçada, que não parte um prato, nem faz ondas; despreza as notícias e as reportagens, mas adora um bom tremoço. E um lugarzito. E um ordenado, já agora. E o estatuto de ser JORNALISTA, de ser camarada, de pertencer ao grupo dos bons e dos que têm valores.
Quem entre numa redacção - a do DN ou a do 24 Horas, por exemplo - só pode ficar chocado com a realidade das pessoas que aí trabalham, em todos os sentidos. De resto, quando um director de jornal ganha quase tanto como um jogador de futebol ou um gestor de empresas, percebemos que o jornalismo se transformou em puro negócio, que os jornalistas se limitam a fazer recados e favores, mesmo que não saibam, mesmo que não dêem por isso -e na maior parte dos casos não dão mesmo.
Um tipo que ganha, como se diz por aí, cerca de 50 mil euro por mês, não é um director de um jornal. É director de uma empresa, que tem rosto e nome de jornal mas que não é um jornal. E uma nova classe está já aí a dar cartas, a marcar o ponto, a fazer a indiferença: os pettits bourgeois - os tipos da verdade, os sempre novos heróis de uma sociedade inculta, os que têm por missão salvar-nos dos governos, das instituições, dos pedófilos, da corrupção; os que "odeiam" e "enfrentam" o poder só para poderem andar de braço dado com ele, só para poderem chegar lá, para poderem fazer parte...
Ele vai sair-se bem porque a receita é simples: fazer uma revista de TV, em que os resumos das novelas substituem os resumos e a crítica aos livros, ao cinema, à música.
Alguém tem dúvidas de que Marcelino, o empresário, vai vender o seu produto?
PlayGirl

1 comentário:

Ricardo Revez disse...

E agora, o momento de delírio diário a que tenho direito.
Penso que a única maneira de tentar abanar a imprensa portuguesa actual é criar um jornal que:

1-Não pertença aos grandes grupos economico-financeiros.
2-Seja gerido por jornalistas e outra gente que saiba pensar para além do negócio.
3-Marque realmente a diferença: apostando num target específico - algo de semelhante ao que o Luís Osório tentou fazer n'A Capital, mas com sucesso; em novos colunistas, varrendo grande parte dos opinion makers do costume, com os quais já ninguém pode: o que não falta por aí é gente nova que sabe pensar e que, mais importante, tem ideias novas (más ou boas, concordemos ou não com elas, não interessa - ao menos, são novas).
Penso que com um jornal feito por malta entre os 25 e os 30 e tal, dirigida sobretudo a esse escalão etário - sempre aberto a lufadas de ar fresco - talvez se sustentasse a si próprio, não sei...

Apeteceu-me...

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