sexta-feira, março 02, 2007

Referendo, hoje e amanhã…


Ainda sobre o referendo do passado dia 11 de Fevereiro (tema sobre o qual estamos a preparar iniciativas) recebemos este texto de uma recente colaboradora do Clube. Assina-o a Paula Peres, reente contratação de inverno (referência futebolistica). Ainda não sabemos se é ponta de lança à Nuno Gomes (corre, corre, passa a bola, involve-se no jogo da equipa, faz assistências e não marca golos) se à Micoli (corre e marca). Sabemos que joga na frente.

Aqui está o seu primeiro contributo.


O Referendo do passado dia 11 de Fevereiro de 2007 não foi vinculativo mas ainda assim a Assembleia da República deve fazer cumprir o seu resultado, deve legislar no sentido da despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, de um ponto de vista político e atrever-me-ia a dizer de doutrina democrática. A decisão sobre a lei que propõe a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas em estabelecimento de saúde autorizado terá de ser tomada agora no plano político, no círculo dos legisladores. Este ónus legislativo recai especialmente sobre o Partido Socialista, que detém a maioria absoluta na Assembleia da República e assim os votos suficientes para aprovação numa votação final global das propostas que ainda se debatem em sede de comissão. Em termos formais seguir-se-á a decisão do Presidente da República que poderá vetar ou promulgar a referida lei.
De um ponto de vista legítimo, a intrincada tarefa de interpretar os resultados indicativos caberá à Assembleia da República, e também aos partidos políticos – enquanto pólos agregadores por excelência da participação em democracia –, aos movimentos de cidadãos e às populações.
As diversas leituras que poderemos retirar dos resultados obtidos têm de ser cuidadosas, sem que se insuflem em demasia nenhum dos argumentários de interpretação dos mesmos. Parece-me, numa primeira abordagem, que esta vitória referendária foi uma vitória limitada se bem que com uma tendência mais humanista e ainda europeia. Para esta reflexão, destaco: uma participação reduzida dos cidadãos eleitores, os resultados distritais mais hegemónicos do que homogéneos, a escassa diferença de votos entre os apoiantes do Sim e do Não e um aumento de votos expressos em ambos os movimentos (não traduzindo, assim sendo, um crescimento exclusivamente directo dos partidários de qualquer um dos lados da questão). Podemos então considerar que temos um país mais progressista e mais tolerante, depois de 11 de Fevereiro? Pessoalmente tenho mais perguntas a fazer do que respostas tácitas a dar.
Pode a afluência às urnas pôr em causa a virtude deste instrumento de consulta popular? Será que a consulta referendária, constante da lei da Nação reflecte as necessidades e aspirações do país? Se a resposta estiver comprometida terá então de ser revista, do mesmo modo que desejámos ver revisto o Código Penal pois as suas disposições legais não traduziam a urgência do combate à realidade do aborto clandestino.
Os resultados obtidos no refendo sobre a I.V.G. não deixam de significar, a algum nível, um anseio de mudança social e também de mutação de crenças morais ainda muito alicerçadas na sociedade. Desejo, até porque me parece muito a propósito, deixar-vos uma pérola publicada no jornal britânico “The Guardian”, relativamente à análise da votação pró-despenalização no referendo português: “ (…) votou-se no sentido de eliminar séculos do domínio moral da Igreja Católica, permitindo agora aos governantes a reforma de uma das leis sobre o aborto mais restritivas da Europa (…) ”.
É central, neste enquadramento, abordar a temática do declínio do poderio moral da Igreja Católica a favor de uma capacidade de decisão cada vez mais ética e mais centrada no Estado, ou seja, em todos os cidadãos. A evolução social, também ela herdeira desta campanha pela escolha, afiança uma transição civil que se opera a partir de um paradigma mais inflexível e doutrinal, no sentido de um mais reflexivo e humanista…esperando que este (s) amanhã (s) sejam cada vez mais hoje.
O presente momento nacional é intensamente fértil para cogitarmos sobre que conjunto de pessoas somos e o que queremos vir ser enquanto nação. Objectivando, relativamente às questões dos direitos sexuais, reprodutivos e educativos, é imperioso e para ontem:

- Educação sexual nas escolas (a coragem política e social sempre foi um entrave a sua implementação);
- Planeamento familiar eficaz, efectivo, democrático e universal;
- Acesso livre e de qualidade aos serviços de saúde, física e mental, com o objectivo último de equilíbrio e felicidade do ser humano.

E para amanhã:
- Portugal mais ocidentalizado e solidário no que respeita a direitos humanos e com uma lei que o traduza, mantendo sempre a liberdade de decisão da mulher;
- Combate efectivo à I.V.G. sem condições e sem acompanhamento, combatendo a mortalidade e morbilidade feminina;
- Apoios e incentivos à natalidade que tenham por sustentáculo a harmonia e a qualidade de vida.

Acredito ainda que a controvérsia espoletada pela pergunta do referendo transferiu para si grandes questões relativamente à identidade e ao género, e não pensem os mais distraídos que falo das futuras batalhas sobre as questões de paridade e de identidade inclusivas! Infelizmente, a questão de género e de acesso aos mais múltiplos recursos, é uma questão que restringe especialmente as mulheres! Esta conquista de direitos para as mulheres não é uma batalha nova, mas uma que dura há séculos e muitos mais serão necessários até que se atinja um equilíbrio distinto, até porque é subliminar.
O referendo trouxe outros contributos essenciais no sentido da expressão e valorização democrática feminina. No entretanto, já alguns discípulos do autoritarismo se preparam para os contaminar com prazos de reflexão obrigatórios. Este tipo de atitude traduz uma manifesta tentativa de diminuir as mulheres na sua capacidade de decisão e fundamentalmente…no seu poder, o poder de poderem decidir sem grilhões numa sociedade ainda profundamente firmada em valores patriarcais. No entanto existem direitos, que não os de índole jurídica, aos quais não renuncio enquanto mulher; o direito à diferença também é um direito e nada é mais injusto e cego do que tratar do mesmo modo realidades que são diferentes na sua natureza.

Paula Peres, Independente.

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