sexta-feira, março 10, 2006

O Arco da Governabilidade


Um dos maiores pressupostos da direita portuguesa, e talvez aquele que mais discrimina os apoiantes da esquerda, é a noção do “arco da governabilidade”, também conhecido como “área democrática” ou “partidos de governo”, entre muitas outras expressões, que segundo os seus autores tende a reflectir os partidos com sentido de estado, os partidos responsáveis e sistémicos (PS, PSD e CDS) daqueles que seriam irresponsáveis e anti-sistémicos (PCP e BE).

Essa visão dos partidos anti-sistémicos, que deriva sobretudo da reacção ao marxismo-leninismo do PCP, e que foi inculcada no BE com uma faceta de irresponsabilidade juvenil da sua imagem, afinal um partido de causas dificilmente poderá ser um partido com sustentabilidade programática, fez história nas elites portuguesas, se fez ou não no povo é outra questão, e tem sido o principal argumento que impede o PS de fazer alianças governativas à sua esquerda.

Portanto, uma pessoa poderia pensar que seria do interesse desses dois partidos (PCP e BE) começarem a dar sinais de maior respeitabilidade, como prenuncio da necessidade de a médio/longo prazo de se tornarem parceiros governativos do PS, sob pena de uma hipotética maioria de esquerda se tornar sempre numa minoria. Contudo, tal análise pressupõe que é do interesse desses partidos tentarem captar o voto dos eleitores desse mesmo arco governativo. Por exemplo, não sendo eles partidos de maioria, não é do seu interesse captar o voto mediano, podendo concentrar-se nos votos dos descontentes, dos radicais, e sim, dos próprios anti-sistémicos, ou daqueles que gostam de demonstrar irreverência juvenil ou outra, ou simplesmente terem nichos eleitorais concretos, que poderiam perder caso caminhassem para esse “arco governativo”.

Isto tudo para dizer que discordo da atitude do PCP e BE em não aplaudir o Acto de Posse do Presidente da República, só porque Cavaco Silva era a pessoa que ia exercer esse cargo. Tal demonstra uma ausência de sentido de estado, que em última análise poderia ser anti-sistémica. O quis aqui dizer é que tais atitudes poderão ser coincidentes com os seus interesses e estratégias.

Em relação ao discurso propriamente dito, o facto de haverem partidos (que basicamente foram todos, excepto o PSD) que não aplaudirem partes do discurso do Presidente da República, é na minha opinião apenas sinal de concordância e discordância, e portanto legítimo em democracia.

Em relação ao CDS-PP, mais uma vez se demonstrou a clara esquizofrenia que trespassa todo o partido, tendo o seu líder, Ribeiro e Castro, aplaudido o mais possível, para se distinguir da sua própria bancada, que pouco ou nada aplaudiu o discurso. Isto levantou-me duas simples questões:

O PP de Manuel Monteiro era um partido sistémico ou anti-sistémico?

A sua retórica anti-europeísta, a sua irreverência contra as instituições, entre outras coisas, poderia permitir dizer que sim. Então a minha outra pergunta é:

O PP de Pires de Lima, que se está a afirmar contra o CDS de Ribeiro e Castro, será anti-sistémico ou não?

Algo em que as elites de direita terão que pensar, afinal em nada está escrito que sistémico vs anti-sistémica significa esquerda vs direita. Ou seja poderemos ter um partido anti-sistémico de direita.

Ou é o sistema político, propriedade exclusiva da direita?

3 comentários:

Geosapiens disse...

...eu até dava a minha opinião...mas faço votos de silencio publico sobre a política portuguesa...um abraço...

Ant.º das Neves Castanho disse...

O verdadeiro "sistema" é o Capitalismo, vulgo "economia de mercado", e portanto um partido de Direita nunca será anti-sistémico.

A tradução formal deste sistema está hoje na "democracia representativa", vulgo "de modelo ocidental", mas já esteve na ditadura fascista (também em Portugal), pelo que um partido de extrema-direita poderá no máximo, não sendo anti-sistémico, ser contra este modelo de formalização política.

Toda a esquerda autêntica, ao invés, só pode ser anti-sistémica, porque combate a essência do Capitalismo (com maior ou menor grau de tolerância à propriedade privada).

No "meio" disto está a social-democracia, vista como forma equilibrada de temperar o Capitalismo com alguns laivos de Socialismo, para salvar o primeiro, ou para o subverter, de acordo com as perspectivas (de Esquerda, ou de Direita, respectivamente).

Tudo o resto é fumo de cena, ou reflexos involuntários (e por vezes já serôdios) de interesses internacionais...

Ant.º das Neves Castanho disse...

É essa a razão por que o "sistema" não pode tolerar partidos de Esquerda no "ângulo de governabilidade" (arco e ângulo, não sendo geometricamente equivalentes, são-no contudo em termos de unidades de medida...); foi também por isso que o P. S., se quis entrar no mesmo, teve de rapidamente "meter o socialismo na gaveta"...

O reflexo internacional disto é que os Partidos à esquerda do P. S. não aceitam a participação de Portugal na OTAN e, como tal, nunca serão pacificamente admitidos no tal "arco" pelo poder imperial norte-americano.

Soares percebeu isso a tempo, em 75, poupando ao País uma guerra civil e a consequente intervenção estrangeira, num cenário ainda de Guerra Fria, que poderia ter mudado a face do Mundo (mas que, seguramente, teria impedido alguns de nós de estar aqui hoje a "teclar"...).

Bom fim-de-semana!

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