quinta-feira, abril 10, 2008

Semibreves


Semibreve 2


Haverá fatos e trabalho? Que grupos sociais os usam e o que significa o seu uso? São questões que mereceriam um estudo.

Se pensarmos rápido, lembramo-nos da bata branca do médico (por contraposição às batas não brancas do pessoal de saúde, não-médico; cf. Tese de Mestrado, ISCTE, João Areosa) e do fato escuro dos músicos de orquestra. A bata branca do médico invoca um estatuto alto, de alguém que tem a vida e a morte nas mãos. O fato escuro dos instrumentistas aponta para a “unicidade” da orquestra, isto é, a orquestra como um quase-instrumento, que faz música e silêncios sob a batuta do maestro: todos de preto, todos (quase) iguais. Quase porque há solistas, há o 1º violino, há os concertinos, etc. De qualquer modo, um grupo de músicos o que faz é com-certare, isto é, música em conjunto. A ideia de totalidade é predominante.

Temos ainda togas, batinas, becas, altamente distintivas (Bourdieu) de classes sociais superiores, magistrados, padres, doutores, estudantes (neste caso, a tradição foi inventada recentemente, exceptuando Coimbra, aquando da democratização do ensino superior).

E temos modos de vestir que, não se constituindo como norma impositiva, quase o são. Cada vez mais, os trabalhadores da Banca usam um quase uniforme, escuro, de duas peças, independentemente do sexo. A Banca ganhou uma importância exorbitante, nos nossos tempos. O preto da roupa envergada quererá apontar para essa importância, situando estes profissionais na linha dos profissionais intelectuais – magistrados e doutores?

E há uniformes de empresas usado por trabalhadores precários. São precários mas têm de usar a camisola da Mac Donald´s. Um paradoxo? E há inúmeras regras mais ou menos subtis impostas por empresas para com o “seu” pessoal precário, sbretudo feminino: não usar T-shirts que deixem ver o umbigo, usar saltos altos, etc. Como se pode pedir que alguém vista uma camisola de uma empresa, dizendo-lhe, à partida e claramente, que nunca integrará o staff da empresa?

Na década de 70, as mulheres não podiam envergar calças em certos locais de trabalho. No entanto, usavam. O isqueiro era proibido e, no entanto, todos usávamos. E em 74 começou, para as mulheres, a moda das “socas” que levávamos para os nossos locais de trabalho. As regras do capitalismo serão mais determinantes das liberdades individuais do que as regras do fascismo pré-capitalista?
Vera Santana

3 comentários:

Ricardo Revez disse...

Por mim, acabava com essa m**** toda. Desculpem, isto das fardas e das pseudo-fardas irrita-me profundamente. Não que não goste de fardas. Não goste é da imposição. E pior... da ideia que se gera na mentalidade das pessoas de que só se é credível, sobretudo se se tiver determinada profissão, quando se usa tal "farda".
Trata-se de uma forma de controlo, como muitas outras. De homogeneização. Só pegou e só funciona porque quem as usa acaba por não resistir à baba que lhe escorre quando se passeia com a "farda". A ideia de que é importante porque a usa sobrepõe-se à sua vontade pessoal e perpetua o processo.

Uff...

Vera Santana disse...

Ricardo,

Tocou na ferida. São formas de controlo social. De homogeneização de um grupo social - os trabalhadores de uma cadeia de fast-food engordativo - que são precários, ie, que vestem uma camisola por apenas uns meses e que não têm Contrato Colectivo de Trabalho que os defenda das arbitrariedades das multinacionais. Logo, enquanto trabalhadores não constituem um grupo de pertença "Trabalhadores da cadeia fast-food x" mas um triste grupo de referência - os precários.
É esta pertença / não pertença que me parece paradoxal.

Light my fire disse...

Eu confesso que, fardas, é mais para despir...
Mais a sério: a farda é, evidentemente, um modo de normalização do quotidiano. E portanto, evidentemente, de controlo. Qual é a diferença entre as fardas da bófia e os fatinhos de gato-pingado que usam os funcionários do BCP? Apesar de tudo, eu prefiro as da bófia...

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