Foi entre as últimas compras dos presentes de Natal e os preparativos da viagem de fim de ano, que este governo nos surpreendeu – povo distraído! – com uma decisão, rápida e eficaz, que pode ser absolutamente determinante para o futuro da identidade cultural da cidade de Lisboa.
E quando se diz ‘o governo’ quero mesmo dizer o próprio Sr. Primeiro-Ministro. Pois é, o Sr. Sócrates, entre uma agenda complicadíssima, arranjou um tempinho para, imbuído no espírito desta quadra, decidir que a colecção Berardo – a maior colecção de arte contemporânea portuguesa – vai ser alojada no Centro Cultural de Belém.
Vistas as coisas exclusivamente por este prisma poderíamos considerar que esta é a decisão de política cultural mais determinante para Lisboa nos anos 2005 e 2006.
Acontece que esta estória está cheia de inconfidências, senão vejamos: o Sr. Comendador Berardo, homem de negócios incontornável e de ambições insaciáveis, anda há já vários anos e, com eles vários governos, a chantagear-nos, ameaçando levar a sua colecção para o estrangeiro na medida em que Portugal não encontra soluções credíveis e satisfatórias.
Não lhe bastava ter a sua colecção em exposição no Museu de Sintra, com o qual definiu um contrato de 10 anos de exploração da colecção, nem as reservas do Centro Cultural de Belém onde se encontravam em depósito cerca de metade da colecção e nem mesmo o novo Centro de Arte Contemporânea (promessa eleitoral deste governo), já projectado e prometido em exclusivo para esta colecção, a ser construído de raiz no lugar do Museu de Arte Popular em Belém nos próximos anos.
Não, tudo isto não lhe chegava! E por isto, há umas semanas, fez mais um ultimato ao país, através dos meios de comunicação social, relembrando que se não existisse uma solução para a colecção a curto prazo, no final de 2005 levava a colecção para França.
A Srª Ministra da Cultura, perante tamanha arrogância e prepotência, reagiu muito bem, relembrando que existia um governo e, como prometido, iria existir um Museu específico para a colecção a curto prazo.
No dia seguinte, Sócrates decide fazer uma reunião de carácter de urgência para acalmar os ânimos e como resultado vem a público que a colecção vai, enquanto o Museu de Arte Contemporânea está em construção, para o CCB já neste 1º semestre de 2006.
Fantástico, Sr. Primeiro-Ministro! Não só se ingere nas competências da Ministra da Cultura, que agora não se percebe por que razão convidou para o cargo, como arrasou com uma programação de vários anos já prevista para o CCB e que agora terá de ser anulada, com todos os riscos – altíssimos – inerentes (financeiros, contratuais e de prestígio da Instituição), como também revela que o seu altruísmo está em alta, quando decide, em resumo, oferecer o melhor equipamento cultural da cidade ao Sr. Comendador Berardo.
Não bastando esta telenovela, existe ainda mais um pormenor: O Presidente da Administração do CCB, Fraústo da Silva, inacreditavelmente, foi excluído da tomada de decisão, sendo-lhe apresentado o facto consumado. Resultado: quando questionou o sucedido é exonerado e substituído por Mega Ferreira, o Homem da Expo 98.
Brilhante operação do governo para retirar o incómodo Fraústo da presidência, que mais parecia estar num cargo vitalício e no qual exercia, pela sua deficiente visão estratégica e cultural, um mandato de implosão do CCB.
Mas, a questão não se coloca nas competências do antigo ou do novo Presidente de Administração do CCB e nem na necessidade, há muito sabida, da mudança do seu modelo de gestão. A questão é outra: Porque será que não fizeram a substituição da Presidência primeiro e apresentaram depois as decisões de modelo de gestão e de conteúdos programáticos?
Muito bem, conseguimos manter a colecção Berardo em Portugal, mas a que preço?
O valor deste investimento é também anular uma programação prevista, e com isso, desprestigiar a maior instituição cultural lisboeta no meio nacional e internacional. É retirar os conteúdos que permitiram um excelente trabalho e o reconhecimento do Museu de Sintra. (Será que ninguém informou o Primeiro-Ministro?)
É também, a apresentação pública da falta de confiança do Primeiro-Ministro na Ministra da Cultura a favor da total fragilidade política perante um único homem, José Berardo.
E, por fim, é ridicularizar gratuita e publicamente Fraústo da Silva.
Sendo o tema tão relevante, não seria desejável ter sido pensado e operacionalizado um plano que optimizasse todos os interesses aqui assinalados e o mais importante, aferidos os interesses do público?
E assim, se revela que este governo exerce uma política cultural autista e espontânea, infelizmente em nada integrada ou sustentada.
Não olhando a meios e sem quaisquer garantias da existência de um plano estratégico, espera-se possível o ressuscitar do CCB.
Obrigado, Sr. Primeiro-Ministro, pelos presentes de Natal.
1 comentário:
Ó Rita, estás-te a esquecer que o Joe poderia bazar. E então, mais uma vez o país iria assistir à debanda de um valor inquestionável. Com excepção do mandato de captura que recai sobre ele na África do sul, é um tipo formidável que nos faz o favor de mostrar a sua colecção de arte, de gosto duvidoso... Pois é!
N'Dalo
Enviar um comentário