quinta-feira, janeiro 19, 2006

Reclamações de um investigador

Carta aberta
A quem de direito,
Venho desta maneira proferir alguns reparos à página da Internet recentemente posta à disposição dos utentes, regulares e irregulares, da Torre do Tombo.

Antes, no entanto, de iniciar a exposição das minhas diversas críticas, duas notas introdutórias:

Frequento, com alguma assiduidade, quer a Torre do Tombo quer outros arquivos (do MNE, à BN, da Hemeroteca ao Governo Civil, etc). Neste sentido, assumo-me como um leitor normal, um investigador incompleto (em termos financeiros e temporais), dependendo do trabalho arquivístico muito do sucesso dos meus projectos (neste caso, a tese de Mestrado).

Trabalho, investigo, História Contemporânea, nomeadamente o período do Estado Novo. Neste sentido, como depreendem naturalmente, muito necessito da Torre para poder colmatar as minhas necessidades de investigação. Estou, neste momento, a terminar a investigação e a iniciar a redacção da tese. Esta deverá ser entregue, o mais tardar, até o verão.

Dito isto, deparei-me recentemente com a vossa página da Internet quando procurei consultar os diários de Salazar, um dos últimos pontos de pesquisa (o outro é a União Nacional, onde espero expurgos de varias pastas desde Agosto…). Inicialmente ainda pude consultar os diários, mas rapidamente me foi comunicado que «em virtude de se encontrarem disponíveis na Internet, o investigador já não os veria fisicamente, ficando a consulta unicamente disponível na citada página».

Ainda pensei que poderia beneficiar, como investigador, deste avanço tecnológico.

Mas não. Pouco beneficiarei desta possibilidade, pois a elaboração da página não está preparada para que o investigador seja o principal beneficiado com a tecnologia.

Repare-se:

Para se aceder ao documento que se pretende – uma página do diário – o processo é moroso, cheio de truques e não parte do pressuposto de que o investigador possa ser pouco familiarizado com o seu âmbito de pesquisa.

Assim, se não tiver já alguma ideia do que procura – o nome de um arquivo, de uma data, de um protagonista – pouco rendimento é retirado do que está exposto.

Não há, que tenha descoberto, nenhum descritivo/inventário de toda a documentação existente na página (só há, repito, após se inserir algumas palavras chave).

Mesmo tendo as chaves que lhe permitam a consulta, e agora em especifico em ralação ao caso dos diários da Salazar, o investigador depara-se com uma busca demorada, circular, enganadora e, muitas vezes, infrutífera.
Explico:

Demorada no sentido em que para se aceder ao documento os passos são muitos – [1] abre-se a páginas com as referencias a Salazar, [2] daí para os diários (ordenados por anos), [3] dos anos para os dias, [4] do dia para a imagem digitalizada em pequeno (impossível de ver), [5] e daí para a imagem em grande. Pode-se, perfeitamente retirar algum passo, elaborando menus complexos com aberturas nas páginas gerais. Quanto mais páginas se abrir, maior é o risco de se perder a ligação à net ou de tempo perdido à espera de carregamento das novas páginas.

Circular no sentido em que, uma vez consultando o documento X, para se consultar o do dia seguinte os passos a percorrer são absurdamente complexos: voltar 3 passos atrás, até ao menu dos dias totais do semestre em causa, e daí iniciar outros 4 passos até se alcançar o documento desejado. Os 7 passos são muitíssimos, mais ainda quando o esperável é um simples «next»/«próximo», que nos transporte para a próxima página.

Enganadora porque os documentos finais apresentados não tem as dimensões dos documentos de origem. Estão demasiados pequenos na página seguinte à escolha do dia, e demasiado grandes na página final de visualização do documento. Em ambos os casos o documento é transformado digitalmente para melhor aparência tecnológica? Não entendo.

E isto leva-nos à última critica: a pesquisa é, muitas vezes infrutífera, porque nos deparamos com um documento que não nos permite a sua boa percepção, o sem bom manuseamento ou o seu bom tratamento. Ao se expandir, artificialmente, o tamanho do documento (no original mais pequeno que um A5) para algo perto de um A4, está-se, na realidade, a tornar mais difícil o visionamento do mesmo, uma vez que a letra «rebenta», tornando-se facilmente imperceptível. Se entendermos que estamos a tratar de documentação do cunho de Salazar, não conhecido pela sua legível caligrafia, mais atenção deveria de ser dada a estes aspectos de visionamento. (sobre este aspecto posso sugerir que se traduza a caligrafia de Salazar, e se faça acompanhar o texto original – digitalizado – pela tradução do mesmo).

Perante tais condicionamentos, as mais valias a atingir com o uso de novas tecnologias perdem-se rapidamente:

A investigação é demasiado morosa (vejam a diferença de tempo gasto no manuseamento das páginas dos diários entre fazê-lo manualmente e na net; quem paga as horas extras que o investigador despende a mais?).

A investigação não oferece nem sucesso de pesquisa – se não tiver munido das palavras-chaves necessárias o investigador terá dificuldades de acesso – nem falibilidade da mesma, pelas razões já apontadas respeitantes à transformação do documento e à sua difícil leitura.

Podemos, sucintamente, concluir que estamos perante um caso de bom uso de meios tecnológicos na óptica das instituições, não dos seus utilizadores. E é natural que tal aconteça, uma vez que muitas instituições estão formatadas para procurarem acesso a fundos europeus de diversa ordem, sem para isso lhes ser oferecida muita reflexão ou planeamento. O importante é a aprovação da verba, as suas parcelas, os seus objectivos gerais e «secos». Não interessa se a instituição tem pessoal humano para manusear a nova ferramentas oferecida (é natural que, se bem trabalhado, também sejam pagas umas boas horas de formação de informática na óptica do utilizador). Não interessa se a instituição adequa o serviço a oferecer (e o software do novo produto) ao utilizador do mesmo. Interessa fazer, apresentar trabalho, justificar investimentos, apresentar avanços tecnológicos para se justificarem o concurso a mais avanços tecnológicos.

Não é este o caminho. Não é este o futuro. Não é este, sequer, o presente. Se queremos apresentarmo-nos com a competência e a dignidade que merecemos, como instituições e investigadores, temos de fazer mais. Mais e melhor.

Por mim, espero ter podido contribuir.
Sem mais,
Atenciosamente,
José Reis Santos

1 comentário:

Kindala Rocha disse...

Reclama, amigo! Pode ser que o Espírito Santo te oiça...

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