sexta-feira, janeiro 13, 2006

Dia

Mais um belo dia de Torre do Tombo.

Não sei se conhecem, se já lá foram ou se já ouviram falar, mas depois do sexto mês, consecutivo, tudo se torna estranhamente familiar e mesmo acolhedor (não sei se é do ambiente climatizado ou da dona Céu, mas que há ali alguma coisa, há...). Mesmo essa figura, AOS para nós, António Oliveira de Salazar para as pessoas normais, se torna muito próxima. Mesmo demasiado.

Sabem o que é olhar para os papéis pessoais dele? Para as contas dos seus fatos? das suas casas? Ou mergulhar no seu quotidiano, através dos seus diários?... (esses já estão digitalizados e disponíveis aqui). Ver, de perto, o que é uma ditadura a funcionar? Os seus meandros, as suas manhas, o inner circle, os jantares mensais, os conselheiros especializados, as mulheres da sua vida... É estranho.

É estranho entrar assim, sem convite, na vida de uma pessoa, já morta, e assaltá-lo quando está o mais desarmado. Mas fascinante folhear estas páginas de memória, ver quando o papel muda, quando troca de caneta, ou quando adoece e se afasta da sua rotina.

É tranquilo ver o país a mudar, seguir a evolução nas regulares viagens de AOS a Santa Comba, nas passagens pelo Caramulo, ou nas diárias na sua adorada Coimbra. Tem graça ver o desenvolvimento cultural, artístico e intelectual, seguido nas exposições visitadas, nos prémios do SPN atribuídos e nas estreias consagradas.

E, claro, é aterrador sentir a proximidade de um regime castrante, autoritário e fascizante, com uma visão totalitária da política e do bem comum, com um legado ainda durável e sentido. É sufocante e doloroso sentirmos as garras do passado cravar-nos quando já estamos tão perto e tão dentro deste Estado, que se quis e se fez Novo.

Conheço-os melhor que nos conheço a nós. (Talvez não tanto, mas para lá caminho).

E este diálogo diário com a morte, com a vida, com a História, com o Futuro é simultaneamente tão enriquecedor e perturbante que baralha. É uma permanente descoberta, que nos espera a cada dia. hoje, entre outras, soube que o Salazar não votou nas primeiras eleições legislativas, em Dezembro de 1934, porque estava acamado, em casa. Apontou: «Hoje não fui à missa, nem à eleição».

Amanhã vou descobrir outra coisa.

2 comentários:

Ricardo Revez disse...

Bem Zé... parece que estás a descobrir as delícias do estudo histórico de pessoas em específico. Sei que não gostas particularmente de biografias, mas diz lá se não é fascinante entrar no mundo íntimo de uma personalidade histórica? É como se, de repente, ela passasse a ser mais um amigo (bem, no caso do Salazar...) do nosso círculo.

Unknown disse...

Há algumas biografias de políticos que são "um fartote"! Qualquer coisa entre o filme de Hollywood e a presença estilo mosca na vida dessa pessoa!

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