A outra federação estadual da América do Norte, que actualmente se denomina Canadá, tem leis e princípios constitucionais bastante peculiares, que na sua grande maioria revertem a favor dos seus habitantes, as contradições são gritantes, esta federação que ainda admite que um ditador (neste caso ditadora, pois é a “Rainha” dos Ingleses e do que resta do Império Britânico nas ilhas Britânicas) a represente formalmente como chefe de estado tem provavelmente o único partido do mundo reconhecido intitulado “Partido da Marijuana do Canadá” que defende abertamente a legalização das drogas leves e duras sendo esse o seu principal objectivo eleitoral.
Um dos princípios constitucionais tem a ver com a possibilidade da criação e existência, nas comunidades e aos habitantes a que estes aderem, de “Tribunais Arbitrais específicos”, isto deve-se a factores culturais específicos canadianos, o mais importante tem a ver com as diferentes minorias indígenas e autóctones que vivem nesse território e que querem que se aplique asa suas leis tradicionais outro não menos irrelevante tem a ver com a comunidade francófona, que vive não só no Quebeque (onde tem leis e tribunais específicos e uma larga autonomia judicial), mas também espalha pelos restantes estados do país e que quer que o direito que se lhe aplicava no Quebeque se aplique nos estados onde vivem.
Entretanto e ao abrigo desta especificidade foram criados “Tribunais Arbitrais específicos” para aplicação da charia (lei islâmica), que como lei comunitária que é, foi reconhecida na sua legitimidade para ser aplicada ás pessoas de credo islâmico, não obstante de esta ter um fundamento religioso que, entre outras coisas, não reconhece a igualdade entre homens e mulheres, na resolução de questões de família e, designadamente, em assuntos de divórcio, de tutela de crianças e de herança.
A instituição de um tribunal com esta especificidade própria levou á criação de desigualdades entre pessoas que não só vivem dentro do mesmo território como até têm a mesma nacionalidade, tal situação levou á criação de um movimento de contestação dentro do país e de movimentos internacionais laicos que manifestando a sua solidariedade com a campanha internacional, desenvolvem acções de protesto contra o reconhecimento da aplicação das leis da charia no país, visto que tais leis já provocaram conflitos e até injustiças gritantes.
E porquê contestar a aplicação de tais leis e não as que são aplicadas pelas tribos indígenas autóctones, estas ultimas baseiam-se em casos jurisprudências vindos do concelho dos mais velhos que têm muitas vezes assento mulheres, é procurado a justiça pelo consenso e com a colonização ocidental estes assumiram diversos valores como também seus, ou seja, a sua aplicação leva a raras injustiças (pelo menos pela sensibilidade ocidental e laica) do que a aplicação das leis da charia.
Mas mais importante do que a noção de justiça ou injustiça e a susceptibilidade que a mesma provoca, a aceitação da aplicação de leis religiosas em estados laicos é por sí só uma aberração, indo contra qualquer principio basilar de tolerância religiosa, pois a criação de guetos religiosos onde á uma auto aplicação da justiça (um dos pilares de estabilidade das sociedades e regimes minimamente democráticos) pode criar situações de guerras e atomizações desnecessárias numa sociedade em que a aplicação da lei que se presume geral e abstracta (mesmo os regimes com regra de precedente baseia-se em regras e normas gerais e abstractas para os mesmos serem aceites) não só porque assim todas as partes são tratadas por igual aumentando-se a segurança na aplicação das normas como a aceitação das normas é mais consensual, no fundo o contrário do que aconteceu com esta situação criada.
As sociedades baseadas num legalismo laico têm que se precaver contra sistemas jurídicos que se baseiam num legalismo confessional, pois a subversão como vemos neste caso é facilmente imposta, estejamos então atentos e não só aos islâmicos, mas também porque esses são mais sub-reptícios nas sociedades ocidentais, ao legalismo influenciado pelo dogmatismo católico apostólico romano ou puritano protestante ou evangélico.
P.S. – Reflexão também publicada no Geosapiens.
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