sexta-feira, setembro 23, 2005

Felgueiras: As Instituições e o Povo

O caso Fátima Felgueiras parece ser mais uma machadada na já débil reputação das instituições políticas e judiciais nacionais. Uma foragida à justiça, que deliberadamente viajou para o estrangeiro para evitar ser presa preventivamente sobre um caso em que era arguida, volta triunfantemente para se recandidatar à autarquia que é acusada de ter desfalcado.

Levada pela polícia para responder no tribunal de Felgueiras, a decisão da prisão preventiva, atribuída por um tribunal superior, é revogada por não já terem razão os pressupostos legais desta medida de coacção. Sabendo que um dos pressupostos, largamente divulgados pela comunicação social, é o perigo de fuga de arguidos, torna-se incompressível para o senso comum como é que alguém que efectivamente fugiu do país, não representa um perigo de fuga no futuro?

Obviamente, o que vem à baila nas conversas, por portas e travessas, é que a juíza terá agido em função de pressões ou de interesses pessoais, e não no estrito cumprimento da justiça. Curiosamente, ninguém aponta uma única prova nesse sentido, para além do próprio sentido da decisão da magistrada.

Da mesma forma, poderá se ter dificuldade em perceber como é que uma foragida à justiça consegue liderar as sondagens em Felgueiras, e que provavelmente ganhará a câmara, como se vê aqui no "Margens de Erro".

Assim, também parece para muita gente que a democracia portuguesa possui fracos níveis de qualidade, ao permitir que arguidos possam concorrer a eleições e sobretudo que as possam ganhar. Afinal, para muitos, Fátima Felgueiras é obviamente culpada.

Contudo, ao contrário da grande maioria, eu acredito que poderá advir deste caso o reforço das instituições, em especial da sua legitimidade. A razão para isso é simples: a legitimidade do sistema judicial é uma questão de crença.

O sistema judicial é legítimo enquanto a população o considerar legítimo. Isto é, em última análise nós temos crença no sistema judicial, apesar de todos os possíveis erros, apesar de ser constituído por pessoas falíveis, pela simples razão que nós temos que ter crença na justiça para que ela possa funcionar. Nós temos que acreditar que as leis, os magistrados e os advogados conseguem apurar a verdade, ilibando os inocentes e punindo os culpados. Nós temos que acreditar que o sistema é justo e que funciona, simplesmente porque não existe alternativa. Se nós deixarmos de acreditar na justiça, não só deixarmos de recorrer a ela, como passaremos a fazer justiça pelas próprias mãos. Da mesma forma, deixaremos de a apoiar e de tudo fazer para que ela descubra e aja sobre a verdade. Quando isso acontecer, deixaremos de ser uma sociedade e passaremos a ser uma anarquia.

Não quero com isto dizer que o sistema judicial não deva ser reformado, eu até acho que sim, mas temos que ter atenção que a justiça tem de existir e que este é o sistema para a executar. A justiça pode ser lenta, pode não ter meios, as leis podem ser malfeitas e inaplicáveis, mas o pressuposto fundamental tem que se manter: os magistrados são justos nas suas decisões. Mesmo que individualmente possam haver falhas, o sistema é designado para que um só indivíduo não detenha o poder. Existem recursos, existem tribunais superiores e existem reabertura de processos. Mas, mais uma vez, esgotadas todas as possibilidades de recurso, e a decisão final transitada em julgado, temos que crer que o resultado é justo e corresponde à verdade dos factos. É assim que o sistema funciona e tem que funcionar.

Afinal, e se Fátima Felgueiras está inocente?

Já pensaram nisso?

1 comentário:

Willespie disse...

Vivemos num país em que existem partidos que outrora exigiram demissões a ministros por serem testemunhos de processos judiciais.

Nada me admira.

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