quarta-feira, julho 08, 2009

O caso das duplas candidaturas ou um par de ideias sobre recrutamento político.

A recente decisão da direcção do Partido Socialista em impedir uma dupla candidatura às autarquias e à Assembleia da República é de louvar. Há muito que se falava, dentro do Partido, sobre esta situação (que devia, aliás, ser extensível a todos os órgãos do poder político); pelo que a mesma não é nenhuma surpresa.
Infelizmente a mesma direcção do Partido Socialista não entendeu avançar com esta medida no inicio do ciclo eleitoral deste ano decisivo. Talvez se o tivesse feito, poderíamos estar agora em vésperas de salvar o Porto da gestão desastrosa a que tem sido sujeita nestes últimos anos. No entanto, não é por o não ter feito em Junho que não o pode anunciar agora. Pior seria repetir no erro. Repito, é uma medida de transparência que é de louvar.
Claro que esta decisão, não antecipada, suscitou uma interessante reacção corporativa por parte de alguns visados que, agora com o lugar de deputado em risco (para o serem terão de abdicar da candidatura autárquica), tem vindo para os órgãos de comunicação social plasmar as suas indignações. Ao contrário de alguns amigos, eu acho vergonhoso que deputadas da qualidade da Leonor Coutinho ou da Sónia Sanfona se insurjam contra esta medida, quase dando em entender que o seu lugar cativo na Assembleia da República lhes tinha sido vilmente roubado. Esse lugar não devia ser de quem quer «servir o povo?». De quem quer «servir o país?». Então que sentido faz o tal sentimento de pertença e de direito?
E o que dizer das afirmações da Leonor Coutinho acerca da «carreira de deputado»? Desculpem a vinha costela anglo-saxónica, mas tenho para mim que os lugares políticos devem ser encarados sempre como temporários. Não existe – ou não devia existir – essa tal carreira, como é subentendida pela Leonor Coutinho. Os Partidos deviam, isso sim, recrutar os elementos que julguem mais capazes para dar corpo a um determinado projecto político (que deveriam agregar diversas valências, provindas de varias proveniências); elementos esses que regressariam à sociedade civil depois de cumprido os propósitos do projecto ou aquando da alteração do mesmo.
O que também está subentendido nas declarações da Leonor Coutinho, e é mais grave – em minha opinião -, é a suposta existência de um sistema de equilíbrios intra-partidário que permite acordos e arranjos que perpetuam uma elite partidária na rede de cargos públicos e políticos. Tal insinuação, que denuncia uma gritante falta de democracia interna na vida partidária portuguesa, permite ainda visualizar como o sistema partidário português é gerido e como ele afasta outras possibilidades de recrutamento, nomeadamente quando tratamos de lugares intermédios do sistema político (situação que naturalmente limita a renovação e a mobilização extra-partidária).
Por fim, a reacção extemporânea da Leonor Coutinho leva-me ainda a querer seguir este caso com alguma atenção (até por razões académicas), e de querer saber – uma vez quebrado o tal acordo prévio – o que farão agora estes atingidos. Regressarão à sociedade civil ou serão colocados numa qualquer gaveta de acesso político? Que tipo de novos acordos serão forjados?
Não se entenda, no entanto, esta situação como exclusiva do Partido Socialista. Nem pensar. Este sistema existe em todos os partidos com acesso a cargos públicos e à administração do Estado. É, aliás, um dos cancros da nossa democracia contemporânea; da nossa III República. E um diagnostico conhecido e comprovado. Para quando mais soluções?

10 comentários:

Vera Santana disse...

Para além da minha visão sobre a questão do "2 em 1" (duplas candidaturas) e da ordem partidária de prevenção contra as ditas, pergunto:

1. as duplas candidaturas, no PS, são uma especificidade feminina?
2. as duplas candidaturas, no PS, são uma novidade da época eleitoral de 2009?
3. já alguém se deu ao trabalho de fazer a história das duplas candidaturas, dentro do PS, nos últimos 30 anos, numa perspectiva de género?
4. que as mulheres são mais polivalentes do que os homens é uma tese defendida por muitos autores e pela experiência da vida quotidiana; será o caso?

Os casos de "2 em 1" ora mediatizados, sendo protagonizados por mulheres-políticas, têm constituído um dos factores de explosão do backlash anti-feminista. As políticas de quotas aparecem como as Grandes Culpadas da acumulação de candidaturas.

Talvez a acumulação de cargos continue masculina. Pergunto, apenas, pois não tenho dados que me permitam pesquisar esta questão, seja dentro do PS seja dentro de outros partidos.

Aconselho a leitura do estudo de André Freire sobre as Mulheres na Política. Daqui de onde estou, no Sul com Sol de Portugal, não estou na posse da referência bibliográfica completa.

Unknown disse...

Eh, pá! Não tinha visto esta decisão como um backlash anti-feminista. Deve ser mesmo... ou então, Vera, e não desprezando as duplas-candidaturas masculinas (que as há) será uma boa maneira de ter mais mulheres nos órgãos, em vez das mesmas mulheres. Torna-se chato, na ansia de defender o género, não conseguir defender, dentro da luta de género, o que de bom essa medida pode ter.

E quanto ao facto de se ter mediatizado o feminino, bom... foram elas, com especial destaque para a Leonor Coutinho, que mais burburinho levantaram. Dos homens, só me lembro de ler o Miguel Coelho.

Bottom line, e nem comentando a "carreira de deputado", as quotas são más porque criam vícios para combater outros vícios. Mas terão de ser, na mesma, respeitadas. Logo, para substituir estas "distintas deputadas" à Assembleia da República, teremos de escolher outras mulheres. Sinceramente, não consigo ver onde está o backlash anti-feminista contra as quotas (mas se souberes diz-me, para me inscrever).

Vera Santana disse...

Rui,

Não respondeste às minhas questões 1., 2. e 3, o que seria fundamental para descrever o terreno no qual se situaria uma discussão mais profunda.

Quanto à questão 4., é de outra natureza.

O que vai ficar na memória dos portugueses - porque é o que está a ser escrito como História - é que houve, em 2009, no Partido Socialista, um punhado de mulheres ávidas de poder que quiseram perpetuar o exercício de cargos políticos de relevo e que, para isso, açambarcaram candidaturas "aos molhos".

O que não faz parte da História, porque está oculto, é que houve, durante 3 décadas de democracia, punhados de homens ávidos de poder que quiseram perpetuar o exercício de cargos políticos de relevo e que, para isso, açambarcaram candidaturas "aos molhos". E que atingiram, durante 3 longas décadas, os seus objectivos.

Eis onde reside o backlash: na legitimação ad-eternum - durante décadas (e séculos) - do desejo masculino de poder, bem como na sua concretização; na des-legitimação, no início do século XXI, do desejo feminino de poder.

A construção da igualdade entre géneros sofre, de facto, uma rude chicotada; a política de quotas, face visível e mediatizada do caminho para a igualdade, apesar de mais não ser do que um mero instrumento transitório, aparece nos media como a Grande Culpada.

A História é a dos vencedores, don´t forget it. Seria preciso fazer a Herstory dentro do PS (e não só dentro do PS).

Que há outras mulheres que vão ocupar metade dos duplos cargos daquelas? Claro! Mas não é desse aspecto que os media se encarregam, nem é desse facto que as memórias se alimentam.

O poder é estrutural e total: integra estruturas objectivas (os cargos) e estruturas subjectivas (as mentalidades). Não te esqueças que defendes que o que é preciso é "mudar as mentalidades". É claro que sim, mas, para que isso aconteça sem que seja necessária uma descida à Terra de uma vontade divina, é preciso transformar as estruturas objectivas (regras de jogo e regras de escrever o jogo)

Unknown disse...

Não sei qual o interesse das primeiras três perguntas, porque a História é isso mesmo: História. E serve para aprendermos. Mas mesmo sem estudos digo-te que:
1) Não. Nem no PS, nem em outro lado.
2) Não. E?
3) Não vale a pena. Claramente os homens estão com esmagadora maioria.

Mas nada disso invalida o que disse. Tu queres olhar para a "coisa" como uma perseguição de género. Já eu acho que é uma perseguição ao comodismo/aparelhismo. Não te esqueças que uma das primeiras pessoas a criticar a medida foi oi Miguel Coelho. Fala-se de aparelhistas e...

Acontece que os casos mais mediáticos foram os femininos. Leonor Coutinho à cabeça. Mas outra pessoa que se poderia considerar prejudicada seria o Marcos Perestrello. Não me parece que tenha criticado.

Só se falou nos casos femininos porque, este ano, já havia o precedente das Europeias. No Porto o resultado está à vista. Mas sobre as Europeias já falámos (nota: depois desta sequência de eleições deviamos era falar da qualidade das lista que apresentamos/apresentámos ao eleitorado). O PS, e na minha óptica muito bem (só peca por atraso) decidiu nos próximos dois conjuntos de listas não permitir a dupla candidatura. A única crítica que se poderá fazer, e realmente sem argumentação contra, é que já devia ter sido anunciado antes, e isso permitiria que as pessoas envolvidas optassem por uma das hipóteses. Mas isso é uma coisa. Outra é querer ver nisso um ataque às quotas. Não o é, uma vez quye elas se mantém!

Mas continuo a dizer: CONTRA AS QUOTAS: MARCHAR! MARCHAR!

Vera Santana disse...

Rui,

Obrigado por responderes. Fica tudo dito.

Só um pormenor: jamais falei ou falarei em perseguição. Muito menos relativamente ao género. Pena que entendas o que eu digo a partir dessa noção psicologizante que nada tem a ver com a minha forma de olhar sociologicamente. É um factor estrutural e está enraizado nas práticas de toda/os, disse eu.

As quotas são temporariamente necessárias. Tal como foi necessário tomar temporariamente o Carmo e temporariamente levar o poder para as ruas.

São decisões históricas difíceis.É com elas que "o Mundo pula e avança".

Unknown disse...

"As políticas de quotas aparecem como as Grandes Culpadas da acumulação de candidaturas." Não sou eu que entendeo, és tu que o dizes... logo no teu primeiro comentário!

Vera Santana disse...

Rui,

Sim eu disse "aparecem como as Grandes Culpadas". Não disse "são as Grandes Culpadas".

Nesta mínima diferença residem muitos factores. Nomeadamente os que reproduzem desigualdades de género. Assim, sim, estás a desmontar o que eu afirmei: a sociedade trata discriminadamente homens no poder e mulheres no poder.

Unknown disse...

Eu também não disse que eram as grandes culpadas. Tu puxaste o assunto para as quotas. E defendes um erro (as quotas) com erros passados. Eu continuo a defender o fim das quotas. E continuo a achar que esta medida, das duplas candidaturas, só peca por tardia. Mas adiante...

Vera Santana disse...

1. Só agora me pronuncio sobre a questão das duplas candidaturas e sobre a sua morte, a tiro. Eram um erro que se arrastava há 34 anos de democracia, assassinado com um tiro súbito, vindo da organização que o perpetuava.
1.1. 34 anos de cegueira e um súbito ataque de boa consciência?
1.2. concordo em absoluto com a erradicação deste erro;
1.3. concordo que ela foi tomada com décadas de atraso; durou quase tanto quanto os 50 anos de Estado Novo.

2. outro aspecto é a manutenção da "esmagadora maioria" masculina em lugares de topo, durante 34 anos de democracia: esmagadora maioria com uma esmagadora duração
2.1. não porque os seres do sexo masculino sejam "maus" mas porque as normas sociais tendem a ser reproduzidas - por homens e por mulheres - se não houver um golpe de asa;
2.2. não porque os seres do sexo feminino não estivessem e estejam preparados para assumir cargos de topo mas pelas razões apontadas no ponto anterior.

3. Porque estamos numa sociedade onde a Verdade é o que vem nos media (cada vez menos, pois temos a Internet) a população vê uma organização política a tomar uma posição ética e vê que essa posição ética é dirigida a um par de mulheres políticas conhecidas de toda/o/s. Há uma leitura imediata dos acontecimentos que associa mulheres com poder E oportunismo carreirista.

Unknown disse...

Se quiseres mudar o âmbito da discussão para o "aspecto(que) é a manutenção da 'esmagadora maioria' masculina em lugares de topo" não temos discussão porque estamos de acordo. No que não estamos de acordo é no método (Quotas) e na razão ("porque as normas sociais tendem a ser reproduzidas" - Eu prefiro questões (subjectivas) de valor)

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