«Sei muito bem que estou sozinho. Mas um homem não se rende», diz Manuel Alegre no seu conto no Expresso, na semana passada.
Que estranho Homem este, que às seis da tarde, todos os dias, se confronta com uma bizarra realidade: a de estar enquadrado, assumidamente, numa tela desconhecida de cores desconexas alinhadas por pintores que desconhece. É reabastecido, diz, mas não sabe por quem. É alvo frequente de algo, diz que não sabe bem do quê. Não sabe quem são os seus, se os tem, e quem são os outros, e o que lhe querem. Por razões de estética, não se rende. Sabe-se só, cercado e abandonado. Cheira-lhe a guerras que não conhece e não identifica.
Transportando-se para a ficcionada realidade do conto, Alegre escapa da dimensão política que o sufoca e o encosta. Na poesia, no seu universo, o político/poeta ri e existe. Não vê nomes nem caras. Só poesia.
Que mito procura Manuel Alegre no seu conto expressivo? O do Herói Romântico ou o do Vilão Negro? Sabe, por um lado, que na eventualidade de levar o seu «sonho» avante arrisca dividir o voto à esquerda e dar a vitória a Cavaco Silva. É o cenário do Vilão Negro, sempre independente e incómodo. Por outro lado, a beleza poética da sua «indisposição intelectual» remete-o para a categoria esquecida de Herói Romântico. Duas faces de uma mesma atitude e de um desejo moral. Alegre é, para ele mesmo, o último político romântico português. E é defendendo a existência intelectual desse Herói que abandona as análises pragmáticas da política contemporânea. É neste momento que se isola, e se refugia na ideia de si mesmo. É nesse momento que perde autonomia e deixa de contar. É nesse momento que deixa de ser presidenciável.
Manuel Alegre, na conjuntura actual, nunca poderia ser o candidato apoiado pelo PS. Perderia, fácil, a eleição para Cavaco Silva.
A verdadeira razão da não o considerarem para a corrida presidencial é-nos fornecida pelo próprio, ao se descrever abandonado, ausente, indiferente e traído. Quem se assume sozinho luta com quem? E em nome de quê? Em prol de um sonho solitário? Ausente de compromisso e de existência?
Mas com que manto de ingenuidade nos quer cobrir Alegre? Não é ele político há mais de trinta anos? Afinal, como diz, já há muito que fez a recruta. E como pode um oficial da sua patente e experiência reclamar que não sabe ler os planos de guerra? Não é dessa parra que se extraem Presidentes! Menos ainda em situações de urgência, como a que perpassamos.
Agora, entende-se a necessidade de Alegre se defender, de fazer uso da linguagem poética, de se remeter à situação, frágil e confortável, do sitiado e do manipulado. Afinal fora não só ultrapassado como humilhado, em plena praça pública e com honras de abertura de noticiário. Pensara que o haviam convidado para um baile de finalistas e saíra-lhe um de debutantes. Não reclama com o preponente, mas emburra com a descoberta do novo par.
Perante tal desenho, Alegre, poeta de sensações e de causas, não se podia render. Fazê-lo implicaria uma perda maior.
Só ainda não se conformou com a inevitabilidade da sua desistência em favor de Soares. No seu próximo conto, e como Homem de génio que é, espero encontrar o lugar do amigo «deste e de outro tempo»; aquele a quem um dia ofereceu um partido; aquele a quem um dia visitou em Belém; aquele que, num futuro próximo, desejará chamar «Meu Presidente».
JRS
Que estranho Homem este, que às seis da tarde, todos os dias, se confronta com uma bizarra realidade: a de estar enquadrado, assumidamente, numa tela desconhecida de cores desconexas alinhadas por pintores que desconhece. É reabastecido, diz, mas não sabe por quem. É alvo frequente de algo, diz que não sabe bem do quê. Não sabe quem são os seus, se os tem, e quem são os outros, e o que lhe querem. Por razões de estética, não se rende. Sabe-se só, cercado e abandonado. Cheira-lhe a guerras que não conhece e não identifica.
Transportando-se para a ficcionada realidade do conto, Alegre escapa da dimensão política que o sufoca e o encosta. Na poesia, no seu universo, o político/poeta ri e existe. Não vê nomes nem caras. Só poesia.
Que mito procura Manuel Alegre no seu conto expressivo? O do Herói Romântico ou o do Vilão Negro? Sabe, por um lado, que na eventualidade de levar o seu «sonho» avante arrisca dividir o voto à esquerda e dar a vitória a Cavaco Silva. É o cenário do Vilão Negro, sempre independente e incómodo. Por outro lado, a beleza poética da sua «indisposição intelectual» remete-o para a categoria esquecida de Herói Romântico. Duas faces de uma mesma atitude e de um desejo moral. Alegre é, para ele mesmo, o último político romântico português. E é defendendo a existência intelectual desse Herói que abandona as análises pragmáticas da política contemporânea. É neste momento que se isola, e se refugia na ideia de si mesmo. É nesse momento que perde autonomia e deixa de contar. É nesse momento que deixa de ser presidenciável.
Manuel Alegre, na conjuntura actual, nunca poderia ser o candidato apoiado pelo PS. Perderia, fácil, a eleição para Cavaco Silva.
A verdadeira razão da não o considerarem para a corrida presidencial é-nos fornecida pelo próprio, ao se descrever abandonado, ausente, indiferente e traído. Quem se assume sozinho luta com quem? E em nome de quê? Em prol de um sonho solitário? Ausente de compromisso e de existência?
Mas com que manto de ingenuidade nos quer cobrir Alegre? Não é ele político há mais de trinta anos? Afinal, como diz, já há muito que fez a recruta. E como pode um oficial da sua patente e experiência reclamar que não sabe ler os planos de guerra? Não é dessa parra que se extraem Presidentes! Menos ainda em situações de urgência, como a que perpassamos.
Agora, entende-se a necessidade de Alegre se defender, de fazer uso da linguagem poética, de se remeter à situação, frágil e confortável, do sitiado e do manipulado. Afinal fora não só ultrapassado como humilhado, em plena praça pública e com honras de abertura de noticiário. Pensara que o haviam convidado para um baile de finalistas e saíra-lhe um de debutantes. Não reclama com o preponente, mas emburra com a descoberta do novo par.
Perante tal desenho, Alegre, poeta de sensações e de causas, não se podia render. Fazê-lo implicaria uma perda maior.
Só ainda não se conformou com a inevitabilidade da sua desistência em favor de Soares. No seu próximo conto, e como Homem de génio que é, espero encontrar o lugar do amigo «deste e de outro tempo»; aquele a quem um dia ofereceu um partido; aquele a quem um dia visitou em Belém; aquele que, num futuro próximo, desejará chamar «Meu Presidente».
JRS
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