segunda-feira, agosto 01, 2005

Incoerências

Cada vez mais, a confusão é algo que vai abundando por esse mundo.

Um bom exemplo disso é a confusão que em muitas ocasiões se faz entre atitudes “inteligentes” e atitudes “incoerentes”. Normalmente, este equívoco acontece quando se aponta o dedo a alguém que mudou - de forma mais ou menos radical - de opinião sobre determinado assunto apenas porque tem a honestidade intelectual suficiente para admitir que não tinha razão, ou que tinha, mas, entretanto, deixou de a ter. Ora, quando alguém tem a coragem de tomar esta atitude só pode ser inteligente, e não, incoerente, pois demonstra capacidade para evoluir, para mudar para melhor, perante si e perante os outros. É por este motivo que o mundo pula e avança e, não, por causa de coerências milenares baseadas em ideias cuja falsidade está mais que provada.

No entanto, há casos muito específicos, em que aquilo que nos parece incoerência, cheira a incoerência e sabe a incoerência, é mesmo incoerência...e da grossa. Tomei conhecimento de um bom exemplo de tal situação no passado dia 23 de Julho, quando, num momento de desorientação, deixei ficar a televisão na TVI durante mais de dez segundos. Estavam a transmitir a VII Grande Corrida TVI. As câmaras mostravam uma grande praça de touros cheia de marialvas fardados, tias acastanhadas, betinhos de sapatinho de vela sem meia, meninas debutantes, enfim, um intenso cheiro a Largo do Caldas misturado com o maneirismo de quem é candidato a cortesão, caso Portugal vire uma monarquia nos próximos tempos. Até aqui tudo normal para uma tourada. A estranheza veio quando o locutor anunciou que, no meio de todos aqueles protótipos de duques, condessas, marqueses e baronesas, estava o padre Vítor Melícias, identificado como um grande aficionado da “festa brava”. Mas, afinal, não é o padre Melícias um sacerdote franciscano? Não deveria ele ser, tal como o fundador da ordem a que pertence, um profundo amante de todos os seres vivos em geral, e um verdadeiro protector dos animais em particular? O que fazia Melícias na bancada daquela arena de sangue onde se torturam animais até à morte ao som de aplausos e cornetas festivas?

Isto é apenas um pequeno e relativamente pouco importante exemplo de incoerência ideológica, mas é suficiente para nos pôr a reflectir sobre a debilidade das convicções, das ideologias, das filosofias, enfim, das ideias, no mundo actual.Será que ainda existem? Para existirem tem que haver pessoas que as defendam, que as apliquem.Será que as há? O homem que se diz, por mero exemplo, socialista, é mesmo socialista ou é apenas uma designação que aprendeu a dizer? Será que aplica no dia-a-dia os princípios com os quais diz identificar-se?

Num mundo dominado pelo lado negativo do pós-modernismo, pela 3ª via, pela globalização selvagem, pelo imediato, pelo “vale tudo”, a ideia, bem estruturada, rica e inovadora (sem esquecer o que pode herdar de bom do passado), pode ser a solução contra as incoerências que vão tirando o rumo à civilização.

As ideias podem ser a nossa bússola.

1 comentário:

José Reis Santos disse...

grande texto Ricardo, mais uma vez...

NORTE.

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