O modelo adoptado pelas televisões portuguesas para os debates entre os candidatos à Presidência da República tem sido alvo de múltiplas críticas nos últimos dias pelo facto de promover uma espécie de “entrevistas paralelas” e não desencadear uma verdadeira discussão de ideias.
Deixem-me partilhar algumas das reflexões que tenho feito sobre o assunto.
À partida, este modelo anglo-saxónico seria o ideal. Cada candidato podia expôr calmamente as suas ideias e sem interrupções constantes – o que acabaria com o lema “quando mais alto falar, mais zangado pareço e quanto mais zangado parecer, mais parece que tenho razão” – e contribuiria para um maior esclarecimento. No entanto, o que se viu, até agora, foi a tentativa de falar muito e dizer pouco, de ser o mais ambíguo possível para agradar a todos, de usar o discurso do lugar-comum e da “cassette”.
Porém, o modelo que se usava antigamente em Portugal e de que todos sentem uma imensa nostalgia, o do “tudo ao molho e fé em Deus”, também não me parece solução. A impressão com que sempre fiquei desse tipo de debates foi a da confusão, do ataque pessoal, da retórica e do fait divers, ou seja, do pouco ou nenhum esclarecimento, mas sim, do favorecimento de quem tem o dom da palavra em detrimento de quem tem o dom da ideia. E digo isto fora de qualquer suspeição. Mário Soares, o candidato que apoio, teria claramente vantagem sobre o seu mais directo adversário num debate deste tipo, pois domina a arte da confrontação oral. Aliás, se houvesse mesmo um debate entre todos os candidatos, Cavaco Silva estaria em grande minoria, maior ainda do que se fossem eleições legislativas, isto porque, tratando-se de eleições presidenciais, os candidatos de esquerda sem nenhuma hipótese de ganhar têm apenas o objectivo de derrotar a direita e não a conquista de votos uns aos outros. Seria, assim, um “tiro ao boneco” desigual e injusto.
O pior de tudo isto é que os políticos portugueses parecem não ter a maturidade cultural e mental (no sentido de mentalidade) suficiente para aproveitarem as características deste tipo de debate e esclarecerem os eleitores. A forma dos debates mudou, mas o conteúdo continua o mesmo, ou melhor continua a não haver conteúdo. Agora, em vez de se interromperem uns aos outros constantemente, falam com tranquilidade, mas continuam a não dizer nada, a não serem objectivos, assertivos, claros. José Júdice dizia, de forma crítica, na última emissão de O Eixo do Mal, que esta situação tinha a ver com o facto de sermos latinos e de, por isso, não nos conseguirmos adaptar a um modelo de origem anglo-saxónica e nórdica. Isto fez-me pensar que esta história de que o sermos latinos serve para desculpar toda a incompetência, desleixo, falta de rigor e mediocridade que reina neste país tem que acabar de vez. São esses mitos que criámos sobre nós próprios que têm que ser destruídos, caso contrário, continuaremos presos a uma falsa identidade que nos impede de sermos melhores.
Voltando ao tema principal, parece-me que, ainda assim, o modelo das chamadas “entrevistas paralelas” é melhor que o da “peixarada” pelo qual clamam as mentes sedentas de “sangue” na praça pública. Isto porque ajuda a revelar mais claramente os políticos que têm poucas ou nenhumas ideias a apresentar. Se for este o caso, a tentativa de falar de uma forma vaga ou ambígua, de fugir às questões, de repetir os mesmos chavões vazios de conteúdo, é mais perceptível do que no modelo antigo que vigorava em Portugal. Neste último caso, o que tendia a prender a atenção e a fixar-se na memória dos telespectadores eram as ninharias, as ofensas, a confusão, a agressividade de alguns candidatos, e o facto de não ter havido debate de ideias passava despercebido.
Assim, com este novo formato de debate, não há desculpas. Quem tem realmente ideias a apresentar, só não o faz se não quiser. Não há interrupções, nem gritaria. O político vazio fica sozinho e exposto, sem a protecção do ruído de fundo produzido pelos exaltados oponentes.
Poder-se-ía dizer: mas, desse modo, não há confronto. Não é bem verdade. Se duas pessoas tem duas ideias diferentes sobre um assunto e as expressam uma de cada vez, percebe-se essa divergência, não é estritamente necessário que tenham que se interpelar. Os filósofos John Locke e René Descartes tinham ideias opostas sobre a origem do conhecimento e, que eu saiba, nunca o debateram em público. Basta ler o que cada um disse e ver que há diferenças.
De qualquer maneira, o confronto em debates políticos televisivos em Portugal não é esclarecedor. Raramente o foi. Resvala para campos que nada têm a ver com o que interessa aos eleitores e de que já falei atrás. Talvez num futuro próximo, possam existir em Portugal debates frente-a-frente, com discussão de ideias de uma maneira civilizada. Por enquanto, os nossos políticos ainda não sairam do infantário e, por isso, teremos que nos contentar com o mal menor.
1 comentário:
Estás-te a esquecer de um pequeno pormenor nos debates de modelo Anglo-saxónico - o nível de profissionalismo da "coisa". Neste modelo de debate, tão importante como a qualidade do político, é a qualidade do(s) moderador(es). E nesse aspecto, neste primeiro round, a TVI esmagou a concorrência.
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