“Imerso no visível graças ao seu corpo, também ele visível, aquele que vê não se apropria daquilo que vê: apenas se abeira com o olhar, acede ao mundo, e por seu lado, esse mundo, do qual faz parte, não é em si ou matéria. O meu movimento não é uma decisão do espírito, um fazer absoluto que decretaria, do fundo do isolamento subjectivo, qualquer mudança de lugar miraculosamente executada no espaço. Ele é a sequência natural e a maturação de uma visão. Digo de uma coisa que ela é movida, mas o meu corpo, ele, move-se, o meu movimento desdobra-se. Ele não está na ignorância de si, não é cego para si, resplandece de um si… O enigma consiste em que o meu corpo é ao mesmo tempo vidente e visível. Ele, que mira todas as coisas, pode também olhar-se, e reconhecer então naquilo que vê o «outro lado» do seu poder vidente. Ele vê-se vendo, toca-se tocando, é visível e sensível para si mesmo. É um si, não por transparência, como o pensamento, que não pensa o que quer que seja sem o assimilar, constituindo-o, transformando-o em pensamento – mas um si por confusão, narcisismo, inerência daquele que vê em relação àquilo que vê, daquele que toca em relação àquilo que toca, do que sente ao que é sentido – um si. Portanto, que se compreende no meio das coisas, que tem um verso e um reverso, um passado e um futuro…”
Merleau-Ponty
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