Vi-o em Julho de 2008, em Viena, numa merecida exposição individual. É de OK. Intitula-se "Salvem as Crianças Bascas", data de 1937.
É um Grito.
É um Grito.
OK não estava, ao invés de Pablo Picasso, do lado certo da História, para fazer história com a sua Guernica. Não estava em Paris, centro da arte. Não era espanhol, centro da guerra civil e da forte e fugidia esperança das várias esquerdas. Não era cubista-abstracto. Não fez um quadro mas um cartaz. Não foi exibido na Expo de Paris, muito menos embalado por um coro de intelectuais, qual tragédia grega.
OK - Oskar Kokoshka - era modernista, expressionista e defensor do figurativismo (a única via pedagógica, cria ele, qual neo-neo-realista). No quadro sobre o bombardeamento de Guernica, pintou uma realidade concreta e única e não símbolos universalizantes: uma mãe e uma criança, um assassino avião de guerra alemão (esboçado de modo a invocar um brinquedo de lata), uma ponte, uma cruz quebrada e, ao fundo, restos de uma aldeia bombardeada, sem luta nem resistência. Nasceu na Austria, falava alemão. Pintava o que ninguém via com um pé firme no que todos viam. Criou uma "Escola de Ver" não académica, aberta; inclusiva, dir-se-ia hoje. De um retrato, rejeitado por falta de "verosimelhança", feito por encomenda, disse pintar não o sujeito mas o que lhe ia no âmago, para lá da pele (para cá da pele). Procurava sentidos, para re-ligar. A política da sua arte levou-o a mostrar, em simultâneo, os horrores do fascismo e do estalinismo. Esta Guernica era, visivelmente, um cartaz de propaganda política. Contra os nazis, claro.
Fez parte da lista dos artistas degenerados, o que poderia ter sido um adjuvante para uma narrativa a terminar numa exposição, mundial, desta Guernica, mas ... não foi suficiente. Ele era feio, solitário, desajeitado, um pouco (muito? tudo?) doido. Não tinha salero nem falava francês no quotidiano. Não incarnava O Amante, pois só se lhe conhecem duas mulheres, Alma (que o deixou e endoidou) e Olga, espaçadas entre si no tempo e no espaço. Era figurativista, après la lettre. Não viria a ler o Libé no Café Fiore ... frequentara, isso sim, o Café Românico, em Weimar.
Era poeta.
Na sua Guernica havia mensagens a mais, demasiado situadas e sofredoras (femininas, numa revolução de machos?): a cruz católica derrubada, a mãe e a criança, em primeiro plano, a aldeia, em plano longínquo. Não poderia nunca tornar-se num Ícone do Mundo do século XX. A sua Guernica-sem-nome-próprio, sem agónicos cavalos viris em post-luta, continha mensagens sociais a menos e apresentava uma fraca tensão dramática, social: expressava, simplesmente, sem conotações metafóricas, a dor humana e familiar, rasgada e impotente, numa povoação-sem-nome, fora de Madrid, nos montes. Não encontrei reproduções na net.
Era O Grito.
Nota: era o grito, aquele, concreto e situado, saído de dentro para fora da voz, pintado de fora para dentro da pele; e, hélàs, o que conta, no discurso político, é, não um grito, mas uma metáfora, diria Lakoff; abordarei este tema noutro post, sobre modos de fazer propaganda. Aliás, marketing institucional.
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