Passou recentemente (no dia 14) mais um aniversário da Revolução Francesa, momento primordial da nossa contemporaneidade social e política. Não o assinalámos aqui na Loja de Ideias, nem sei porquê. Esquecimento, talvez. Provavelmente. De tanto nos esquecemos nos dias de hoje...
Recebi, entretanto, uma intervenção de uma amiga sobre a revolta do povo de Olhão contra os invasores franceses. Poucos se recordarão do evento, e poucos são os livros de história que registam o acontecimento ou que lhe dotam da devida importância.
Isto vem ao encontro de uma reflexão larga sobre esquecimento e memória, sobre o que escolhemos, como colectivo organizado, preservar para o nosso futuro. E é grave que nos esqueçamos de assinalar (mais) um aniversário sobre o 14 de Julho de 1789, assim como é grave esquecermos o que o Povo de Olhão fez, há 200 anos...
A minha amiga teve a oportunidade de relembrar a Assembleia da República deste episódio. Ela chama-se Esmeralda Ramires e é deputada pelo Algarve. Esta foi a sua intervenção:
Portugal é hoje um país livre e democrático que é membro de pleno direito da União Europeia, a quem ainda recentemente deu um prestimoso contributo para a construção do Tratado Europeu, um instrumento de revitalização política, vital para este mundo globalizado em que vivemos. Mas Portugal é também um dos países mais antigos da Europa e que tem, entre as suas maiores riquezas, uma inolvidável História. É neste contexto que no ano em que se comemora o bicentenário da Guerra Peninsular, trago a esta Câmara, casa mãe da democracia, uma evocação histórica de uma parte da memória colectiva dos portugueses.
A memória do feito heróico e patriótico da povoação de Olhão durante a primeira invasão francesa, ao protagonizar duas verdadeiras epopeias, a sublevação contra os franceses e a viagem ao Brasil para informar a família real da expulsão dos invasores.
Saúdo os representantes democráticos do povo de Olhão, os descendentes directos de alguns dos seus heróis e todos os cidadãos e cidadãs que se encontram hoje aqui presentes.
Uma nação não se constrói de forma linear, por isso a sua História resulta da convergência de muitos factos e atitudes relevantes para o seu território e para o seu povo ao longo da sua caminhada e ainda das vicissitudes e dos diferentes contextos políticos, sociais, geográficos e antropológicos em que os mesmos ocorrem.
Não se pode esquecer ou ignorar a História, mas sim conhecê-la e compreendê-la, pois ela é a memória de um povo e um povo sem memória é um povo sem futuro.
É nesta senda que hoje, ao evocar o protagonismo histórico do Algarve, mais concretamente de alguns dos seus filhos, quiçá, mais audazes, o povo de Olhão, o faço, não numa atitude de patriotismo exacerbado e anacrónico, mas, numa dimensão de partilha, coesão e reconhecimento.
É uma evocação devida à povoação de Olhão. Á povoação sim, pois foram todos os homens, mulheres, jovens e idosos da então pequena aldeia, que no dia 16 de Junho de 1808, recusando-se a aceitar a submissão a uma soberania estrangeira, se sublevaram contra as tropas francesas, abrindo caminho para a sua expulsão do Algarve e escrevendo assim, uma página de patriotismo, coragem, audácia e coesão não só na História do Algarve mas também na História de Portugal.
Como Fernando Pessoa, escreveu num dos seus poemas: Eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura.
Também aquele povo nunca se viu pequeno, diminuído ou limitado, talvez, porque, habituado como estava a lutar contra o mar exortava os medos e olhava em frente até onde o olhar já não alcançava.
Por isso não se quedou em quaisquer interesses de classe ou indecisões de outra natureza. Reagiram contra os invasores, responderam à chamada, armaram-se, organizaram-se, atacaram e defenderam-se, por terra e por mar, sofreram baixas, inclusive mortes, mas, com muita ousadia, muita coragem e porque não, com a sorte que protege os mais audazes, qual David contra Golias, venceram.
Foi uma sublevação que tendo tido o seu epílogo entre os dia 12 e 18 de Junho de 1808, se desenvolveu num contexto político, militar e social de que os historiadores nos têm dado conta, na perspectiva nacional. Falta, todavia, integrar nessa perspectiva os contextos e os factos ocorridos nas diferentes regiões e localidades deste país, para que a História seja mais fiel e justa para com os seus protagonistas.
E, no pequeno apontamento que aqui cabe fazer, recordo que após a grande excitação do povo, no dia 12 de Junho quando as Armas Reais foram destapadas, a revolta eclodiu no dia 16, quando o Coronel José Lopes de Sousa, Governador de Vila Real de Santo António, afastado de funções, ao ver o povo ler os editais a apelar aos portugueses para ajudarem os amigos franceses contra os espanhóis, reagiu rasgando o edital, acto aplaudido pela população que a seguir hasteou a bandeira nacional e tocou os sinos a rebate, convidando todos os patriotas dos campos e das freguesia circunvizinhas a tomarem parte na luta.
Estava iniciada a revolta que se materializou no dia 18 de Junho, quando o povo comandado pelo Capitão Sebastião Martins Mestre, enfrentou as forças francesas, num primeiro confronto por mar e depois por terra, na ponte de Quelfes e na Meia Légua e que culminou com a vitória dos revoltosos.
Só após a constatação da vitória, resultante da decisão inabalável dos olhanenses é que a classe aristocrática que constituía o poder administrativo regional, oportunisticamente adormecida, levantou igualmente o pendão da revolta estendendo-a a toda a província e juntos expulsaram os invasores do então Reino dos Algarves.
E, foram novamente os pescadores olhanenses que num pequeno caíque, de Bom Sucesso, seu nome se fizeram ao mar, rumo ao Brasil, para numa atitude de grande sabedoria informar a família real, o que teve como corolário a sua ascensão a vila, ficando assim a criação do concelho de Olhão indelevelmente ligado à insurreição contra os invasores franceses.
Efectivamente, perante a audácia e coragem daqueles homens que tinham vencido não só as tropas francesas, como os perigos do mar, desde a armada francesa, aos corsários e piratas e ainda a fome e a sede, o Príncipe Regente D. João, futuro D. João VI, agraciou o povo da aldeia de Olhão no Reino do Algarve com o título de Vila de Olhão da Restauração.
Mas não só, de acordo com os termos do Alvará Régio de 15 de Novembro de 1808, assinado no Rio de Janeiro, o Príncipe elevou-a à categoria de Vila, com todos os privilégios, liberdades, franquezas, honras e isenções, de que já gozavam as vilas mais notáveis do Reino de Portugal.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Ainda no âmbito da evocação à povoação de Olhão não podemos ignorar o futuro que aquela construiu em duzentos anos. Desde logo da concessão do título de Vila à delimitação do seu Termo, decorreram 18 anos de grande perseverança e combatividade até que em 1826, D. Pedro reconheceu o Termo de Olhão como concelho com as freguesias de Olhão, Pechão, Quelfes, Moncarapacho e Fuseta.
Entretanto registou um crescimento populacional de 5 mil para 45 mil habitantes, a par de um desenvolvimento que teve sempre subjacente uma atitude de liberdade, coragem, coesão, empreendedorismo e ambição, escrevendo continuamente a História, como o fez na defesa da causa liberal, ao lado de D. Pedro IV, lutando contra tudo e contra todos ou ainda para a implantação da República.
E, não poderia deixar de dar algumas notas sobre algumas das características mais relevantes de Olhão, designadamente a extasiante paisagem da Ria Formosa, de que Olhão é a capital. E citando o poeta João Lúcio, um dos filhos de Olhão, que tão bem soube interpretar o Algarve e o seu clima, as suas paisagens e as suas gentes, no seu poema “ O Algarve” ,
“Oh meu ardente Algarve impressionista e molle,
Meu lindo preguiçoso adormecido ao sol,
Meu Louco sonhador a respirar chimeras,
Ouvindo, no azul, o canto das espheras…”
E ainda dar uma nota sobre os seus padrões culturais que são únicos e que resultam do contacto de várias culturas, nomeadamente a árabe-islâmica, que conferiu aos olhanenses uma mundo vivência de que são exemplo a arquitectura cubista, as suas açoteias, os seus mirantes, as suas estreitas e sinuosas ruas, ou mesmo as suas lendas, de que destaco a Floripes e o menino dos olhos grandes.
Paisagens e mistérios que tão bem foram descritos por Aquilino Ribeiro no Guia de Portugal, por Raul Brandão, nos seu escritos sobre “ Os Pescadores”, por António Sérgio, na História de Portugal por Manuel da Fonseca nas suas “Crónicas Algarvias”, ou por Miguel Torga e ainda cantados por Zeca Afonso, de que cito esta quadra, que hoje se adequa:
O Vila de Olhão
Da Restauração
Madrinha do Povo
Madrasta é que não
Outra dimensão não menos importante da hoje cidade de Olhão, tem sido a sua capacidade de se desenvolver de forma harmónica, sem se descaracterizar, mantendo a traça, mantendo as tradições e as suas actividades económicas da pesca, de que o seu importante porto é exemplo, do marisqueio e da industria conserveira ao mesmo tempo que se abre às novas tecnologias ligadas ao mar, bem como ao turismo.
É, pois, com muito orgulho que presto hoje esta singela homenagem a Olhão, concelho que se fez a si próprio e que ganhou por direito um lugar na nossa história colectiva.
A memória do feito heróico e patriótico da povoação de Olhão durante a primeira invasão francesa, ao protagonizar duas verdadeiras epopeias, a sublevação contra os franceses e a viagem ao Brasil para informar a família real da expulsão dos invasores.
Saúdo os representantes democráticos do povo de Olhão, os descendentes directos de alguns dos seus heróis e todos os cidadãos e cidadãs que se encontram hoje aqui presentes.
Uma nação não se constrói de forma linear, por isso a sua História resulta da convergência de muitos factos e atitudes relevantes para o seu território e para o seu povo ao longo da sua caminhada e ainda das vicissitudes e dos diferentes contextos políticos, sociais, geográficos e antropológicos em que os mesmos ocorrem.
Não se pode esquecer ou ignorar a História, mas sim conhecê-la e compreendê-la, pois ela é a memória de um povo e um povo sem memória é um povo sem futuro.
É nesta senda que hoje, ao evocar o protagonismo histórico do Algarve, mais concretamente de alguns dos seus filhos, quiçá, mais audazes, o povo de Olhão, o faço, não numa atitude de patriotismo exacerbado e anacrónico, mas, numa dimensão de partilha, coesão e reconhecimento.
É uma evocação devida à povoação de Olhão. Á povoação sim, pois foram todos os homens, mulheres, jovens e idosos da então pequena aldeia, que no dia 16 de Junho de 1808, recusando-se a aceitar a submissão a uma soberania estrangeira, se sublevaram contra as tropas francesas, abrindo caminho para a sua expulsão do Algarve e escrevendo assim, uma página de patriotismo, coragem, audácia e coesão não só na História do Algarve mas também na História de Portugal.
Como Fernando Pessoa, escreveu num dos seus poemas: Eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura.
Também aquele povo nunca se viu pequeno, diminuído ou limitado, talvez, porque, habituado como estava a lutar contra o mar exortava os medos e olhava em frente até onde o olhar já não alcançava.
Por isso não se quedou em quaisquer interesses de classe ou indecisões de outra natureza. Reagiram contra os invasores, responderam à chamada, armaram-se, organizaram-se, atacaram e defenderam-se, por terra e por mar, sofreram baixas, inclusive mortes, mas, com muita ousadia, muita coragem e porque não, com a sorte que protege os mais audazes, qual David contra Golias, venceram.
Foi uma sublevação que tendo tido o seu epílogo entre os dia 12 e 18 de Junho de 1808, se desenvolveu num contexto político, militar e social de que os historiadores nos têm dado conta, na perspectiva nacional. Falta, todavia, integrar nessa perspectiva os contextos e os factos ocorridos nas diferentes regiões e localidades deste país, para que a História seja mais fiel e justa para com os seus protagonistas.
E, no pequeno apontamento que aqui cabe fazer, recordo que após a grande excitação do povo, no dia 12 de Junho quando as Armas Reais foram destapadas, a revolta eclodiu no dia 16, quando o Coronel José Lopes de Sousa, Governador de Vila Real de Santo António, afastado de funções, ao ver o povo ler os editais a apelar aos portugueses para ajudarem os amigos franceses contra os espanhóis, reagiu rasgando o edital, acto aplaudido pela população que a seguir hasteou a bandeira nacional e tocou os sinos a rebate, convidando todos os patriotas dos campos e das freguesia circunvizinhas a tomarem parte na luta.
Estava iniciada a revolta que se materializou no dia 18 de Junho, quando o povo comandado pelo Capitão Sebastião Martins Mestre, enfrentou as forças francesas, num primeiro confronto por mar e depois por terra, na ponte de Quelfes e na Meia Légua e que culminou com a vitória dos revoltosos.
Só após a constatação da vitória, resultante da decisão inabalável dos olhanenses é que a classe aristocrática que constituía o poder administrativo regional, oportunisticamente adormecida, levantou igualmente o pendão da revolta estendendo-a a toda a província e juntos expulsaram os invasores do então Reino dos Algarves.
E, foram novamente os pescadores olhanenses que num pequeno caíque, de Bom Sucesso, seu nome se fizeram ao mar, rumo ao Brasil, para numa atitude de grande sabedoria informar a família real, o que teve como corolário a sua ascensão a vila, ficando assim a criação do concelho de Olhão indelevelmente ligado à insurreição contra os invasores franceses.
Efectivamente, perante a audácia e coragem daqueles homens que tinham vencido não só as tropas francesas, como os perigos do mar, desde a armada francesa, aos corsários e piratas e ainda a fome e a sede, o Príncipe Regente D. João, futuro D. João VI, agraciou o povo da aldeia de Olhão no Reino do Algarve com o título de Vila de Olhão da Restauração.
Mas não só, de acordo com os termos do Alvará Régio de 15 de Novembro de 1808, assinado no Rio de Janeiro, o Príncipe elevou-a à categoria de Vila, com todos os privilégios, liberdades, franquezas, honras e isenções, de que já gozavam as vilas mais notáveis do Reino de Portugal.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Ainda no âmbito da evocação à povoação de Olhão não podemos ignorar o futuro que aquela construiu em duzentos anos. Desde logo da concessão do título de Vila à delimitação do seu Termo, decorreram 18 anos de grande perseverança e combatividade até que em 1826, D. Pedro reconheceu o Termo de Olhão como concelho com as freguesias de Olhão, Pechão, Quelfes, Moncarapacho e Fuseta.
Entretanto registou um crescimento populacional de 5 mil para 45 mil habitantes, a par de um desenvolvimento que teve sempre subjacente uma atitude de liberdade, coragem, coesão, empreendedorismo e ambição, escrevendo continuamente a História, como o fez na defesa da causa liberal, ao lado de D. Pedro IV, lutando contra tudo e contra todos ou ainda para a implantação da República.
E, não poderia deixar de dar algumas notas sobre algumas das características mais relevantes de Olhão, designadamente a extasiante paisagem da Ria Formosa, de que Olhão é a capital. E citando o poeta João Lúcio, um dos filhos de Olhão, que tão bem soube interpretar o Algarve e o seu clima, as suas paisagens e as suas gentes, no seu poema “ O Algarve” ,
“Oh meu ardente Algarve impressionista e molle,
Meu lindo preguiçoso adormecido ao sol,
Meu Louco sonhador a respirar chimeras,
Ouvindo, no azul, o canto das espheras…”
E ainda dar uma nota sobre os seus padrões culturais que são únicos e que resultam do contacto de várias culturas, nomeadamente a árabe-islâmica, que conferiu aos olhanenses uma mundo vivência de que são exemplo a arquitectura cubista, as suas açoteias, os seus mirantes, as suas estreitas e sinuosas ruas, ou mesmo as suas lendas, de que destaco a Floripes e o menino dos olhos grandes.
Paisagens e mistérios que tão bem foram descritos por Aquilino Ribeiro no Guia de Portugal, por Raul Brandão, nos seu escritos sobre “ Os Pescadores”, por António Sérgio, na História de Portugal por Manuel da Fonseca nas suas “Crónicas Algarvias”, ou por Miguel Torga e ainda cantados por Zeca Afonso, de que cito esta quadra, que hoje se adequa:
O Vila de Olhão
Da Restauração
Madrinha do Povo
Madrasta é que não
Outra dimensão não menos importante da hoje cidade de Olhão, tem sido a sua capacidade de se desenvolver de forma harmónica, sem se descaracterizar, mantendo a traça, mantendo as tradições e as suas actividades económicas da pesca, de que o seu importante porto é exemplo, do marisqueio e da industria conserveira ao mesmo tempo que se abre às novas tecnologias ligadas ao mar, bem como ao turismo.
É, pois, com muito orgulho que presto hoje esta singela homenagem a Olhão, concelho que se fez a si próprio e que ganhou por direito um lugar na nossa história colectiva.
Esmeralda Ramires
3 comentários:
Não comemorei o 14 Juillet mas - faço-o sempre, ano após ano - memorei-o. Fui egoísta. Para o ano co-memoro aqui no blog, com todos.
oi José
Obrigada por colocar meu modesto blog na sua "outras lojas". E o blog do professor Idelber," O Biscoito Fino e Massa" é um dos melhores blogs do Brasil, Idelber está sempre furando a imprensa brasileira nos assuntos mais polêmicos.
Adoro o Loja de Idéias descobri nas prévias das eleições americanas, passo sempre por aqui.
Sucesso
Um abraço do Brasil
Fui um dos Olhanenses a estar presente no Parlamento para assistir a essa evocação. Obrigado por a referires.
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