sábado, fevereiro 04, 2006

Liberdade, Liberdades

Podemos dizer mesmo tudo o que pensamos? Se não, o que nos impede? Onde se traçam os limites, se existentes, à liberdade? Deve ser esse processo individual ou colectivo? Endógeno ou exógeno? Natural ou imposto?

Sobre o caso dos cartoons já muito se tem escrito e dito, correndo opiniões que cobrem praticamente todos os espectros de análise.

Pergunta rápida: onde estava a discussão quando se proibiu na Áustria os cartazes com Bush, Blair e a Rainha de Inglaterra? Onde estava a Liberdade aí? Não estaremos a ser apenas reactivos? Não estaremos apenas a dar importância ao assunto por estarmos a causar reacções no mundo fundamentalista islâmico? E reagirmos a elas?

Deve a liberdade ser total? Que limites à liberdade?

Ética, educação, respeito devem apenas ser palavras vãs? Ou devem ter conteúdo?

O problema, ou um deles, é que a fronteira e a argumentação à volta da teoria e da prática torna a questão bem mais complexa. É óbvio que, para mim, em teoria, não deve haver limites à liberdade de expressão; e que esses limites serão, sempre, subjectivos, temporais e coercivos. Mas a prática mostra, diariamente, que a Liberdade tem fronteiras.

Mas, então, não há limites? Claro que há, e são impostos, em primeiro lugar, por definições e parâmetros individuais; agindo como um código genético pessoal que, inscrito em cada um de nós, nos impossibilita de apenas reagir. Ao pensar no que faço censuro-me. E essa auto-censura é um limite à minha Liberdade. Este é o meu mecanismo de controlo. Este mecanismo é depois aperfeiçoado pela minha educação e pela minha noção de ética, pelo menos.

Em segundo lugar, há a acrescentar os limites colectivos, aditados pela vida em sociedade. E estes são, na teoria, invisíveis. Na prática são bem sentidos. São chamados tabus. Os mecanismos de controlo aqui são palpáveis de varias maneiras: por decreto (leis de censura), pelo pudor, pelas hierarquias ou pelas percepções individuais das consequências colectivas das nossas opiniões. As fronteiras à liberdade sentem-se nos acordos e compromissos diários que pautam a nossa vida colectiva.

O que se passa hoje é que procuramos criar uma sociedade global, uma qualquer opinião pública (publicada e publicitada) mundial. E aí a transposição da teoria à prática falha. Falha porque apesar de termos um sentido colectivo universal – que existe do ponto de vista económico mas não cultural, no que se pode chamar de globalização – não o temos no sentido em que as diversas concepções de indivíduos estão representadas. Ou seja, é fácil, por exemplo, que nas sociedades anglo-saxónicas as questões do abuso de liberdade de expressão (ciclicamente postas em causa) se contextualizem na sua própria história e definições colectivas. Logo, o indivíduo ao se colocar perante a sua sociedade sabe o que dela tem, o que dela espera e o que dela prevê. A transição Teoria – Prática, Individuo – Colectivo é transparente e assente em séculos de experimentações.

Ao se transpor as nossas concepções para um Mundo desconceptualizado, ou arrogantemente pressupomos ter o poder da definição ou incorremos no risco de esbarrar com outras definições estranhas que não as nossas. Devemos saber considerá-las.

Devemos então procurar criar uma qualquer noção de Ética Mundial, de Educação Global, que possibilite a partilha de valores e conceitos que permitam que um novo caldo cultural emirja. Onde cartoons já não sejam tema.

Até lá não poderíamos mostrar mais algum respeito por este Outro? Eu penso que sim. Mais quando queremos que ele também nos respeite. Mais ainda quando sabemos que há quem aproveite estas falhas de comunicação.

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