quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Correio dos Leitores

Já tem algum atraso, é verdade (eu sei Fernanda), e nem sei se ainda está actual.

Vem no seguimento do último post.

Caros Amigos,

Das conversas que muitos de nós têm vindo a manter resulta a necessidade de criar um movimento de opinião, organizado sob a forma de uma associação cívica (doravante designada por AC, até melhor solução), que poderá evoluir de várias formas. No intuito de evitar equívocos e expectativas contraditórias (que poderiam gerar tensões e fazer implodir o movimento logo à nascença) convém afinar pontos de vista sobre a natureza do que é essencial na nossa insatisfação:

1.Crise de valores
A permissividade, o laxismo, a desonestidade, o exibicionismo social, o enriquecimento por meios ilícitos e o desrespeito pela lei e pelos direitos do colectivo não são fatalidades civilizacionais. Florescem entre nós porque os responsáveis pelo sistema de ensino, as autoridades que deveriam zelar pelo cumprimento da lei e os programadores de televisão (para citar apenas alguns dos mais importantes culpados) os promovem. As consequências económicas (falta de hábitos de trabalho, consumismo/ endividamento das famílias e do país, falta de eficiência e de competitividade das empresas nacionais, etc.) são decorrências naturais da crise de valores morais. Há, portanto, culpados, e há soluções, ainda que difíceis. É preciso que o sistema de ensino relance a integridade moral como um valor primordial. É preciso que a lei seja geral e universalmente aplicada. É preciso que a programação da RTP mantenha padrões de elevação contrastantes com a operação de intoxicação e bestialização das audiências em curso nos canais privados.

2.Crise do sistema de representação política
Comentadores dos mais variados quadrantes (Pacheco Pereira, António Barreto, Saldanha Sanches, Vasco Pulido Valente, etc.) têm identificado com bastante rigor as disfunções do sistema político português. Fazem já, em posição privilegiada, parte do que nós nos propomos fazer. E a verdade é que não basta. O sistema partidário/parlamentar isolou-se da realidade e, usando palavras simples, diz que sim a tudo e depois faz como quer, em defesa dos interesses corporativos de quem dele se apoderou – à frente de todos os outros, o lobby autárquico (em volta do qual gravitam os construtores e os promotores imobiliários) mas também os médicos, a indústria farmacêutica, a banca, etc. Nenhum partido nos (a nós, cidadãos honestos e independentes) representa. O sistema, com os media actuando como seus cães de fila, bloqueia a entrada de ideias e forças subversivas (não, não me esqueci do Bloco – o toque folclórico que dá credibilidade à farsa político-parlamentar; o que o Bloco pede, sistematicamente, não é o cumprimento da lei, como se imporia, mas o não cumprimento da lei; a bandeira do Bloco é a legalização de tudo o que seja crime ou infracção). Os media, ao serviço do sistema, ignoram (sempre que podem) ou então ridicularizam ou deformam propositadamente qualquer ideia ou programa que ameace o sistema de interesses instalado. Onde está o jornalismo de investigação em Portugal? Esgotou-se no processo Casa Pia... A corrupção a sério é sempre tratada pela rama e de forma inconclusiva. Diz-se sempre que não há provas. Se, apesar de tudo, aparecem, diz-se que não são suficientes...
Neste contexto, é preciso fomentar o aparecimento de forças políticas que representem valores tão simples como a integridade e a legalidade. Evoco, como um paradigma possível, os partidos radicais (de esquerda e de direita), nos parlamentos francês e italiano dos anos 70/80 do século passado, assim chamados não por serem extremistas mas exactamente porque defendiam, sem cedências nem compromissos, a radicalidade (de raiz) dos seus princípios. Chamavam as coisas pelos nomes. Foram-se dissolvendo e sendo absorvidos (um deles integrou-se na actual UDF francesa). É difícil manter a coerência e a independência. Mas deve sempre tentar-se.

3.Crise de autoridade
A Autoridade destituída a 25 de Abril de 1974 continua por restabelecer na Escola, na Estrada (extraordinária a Ordem de Serviço que proíbe a BT da GNR de disparar sobre viaturas suspeitas em fuga!), nos campos (vide os atropelos impunes dos caçadores) e nas cidades do país. Foi restabelecida apenas onde prevalece o poder económico, ou seja, nas empresas, e, mesmo aí, é parcialmente neutralizada por uma das 11 legislações laborais mais restritivas do Mundo. Seria desejável que se elegesse (o que já fazemos) alguém para mandar, mas que depois mandasse mesmo! É neste não exercício da autoridade que radica o ambiente de putrefacção social em que mergulhámos. Não há falta de leis mas sim de aplicação das leis. Há uma generalizada percepção de que tudo é possível... mesmo quando existe regulamentação em contrário.

A partir desta sensibilidade comum, proponho a elaboração de uma carta de princípios que norteie eventuais acções ou tomadas de posição da AC:

1.
Os membros da AC subscrevem a Declaração Universal dos Direitos do Homem e propõem-se actuar dentro dos limites das leis em vigor, sem prejuízo de pugnarem pela sua alteração sempre que tal se justifique.

2.
Os membros da AC não discriminam pessoas em função da raça, sexo ou credo religioso, aceitando discutir entre si, sem restrições e sem preconceitos, todo o tipo de ideias que possam contribuir para o melhoramento da sociedade.

3.
Os membros da AC filiam-se numa corrente civilizacional de matriz greco-romana (que instituiu o “civismo” e que promove a iniciativa e a responsabilidade individual, o exercício da autoridade legitimada pelo voto e pelo consenso, a prevalência do interesse colectivo sobre o de cada uma das pessoas singulares), com preferência pelas suas posteriores evoluções em sociedades de cultura protestante (que valorizam a ética do trabalho, da recompensa pelo mérito e o bem comum).

4.
Os membros da AC defendem a existência de boas relações com pessoas de todas as nacionalidades e culturas mas repudiam o multiculturalismo tal como ele tem vindo a ser aplicado em anos recentes – submissão da maioria a hábitos e comportamentos impostos por minorias étnico-culturais, por vezes em aberta hostilidade contra a sociedade. A tolerância e a aceitação da diferença não podem degenerar em dissolução de costumes e perda de identidade da sociedade que se pretende defender e recuperar.

5.
A importância atribuída pelos membros da AC ao cumprimento da lei e ao exercício da autoridade afasta desta associação, naturalmente, aqueles que relativizam estes conceitos, tendendo a dispensar do seu cumprimento os pobres, os ricos, os emigrantes, os membros de minorias étnicas, os desajustados sociais, os autarcas com obra feita e, potencialmente, toda a gente. Os membros da AC entendem a lei como um valor absoluto e não relativo.

6.
Os membros da AC propõem-se intervir no plano das leis e da sua aplicação, mas também no âmbito das mentalidades, da educação cívica e da exigência de boas práticas à generalidade das instituições. Propõem-se formular e transmitir as suas ideias de uma forma clara, coerente e consequente, repudiando o estilo “politicamente correcto” que actualmente prevalece.

7.
Os membros da AC constituem, entre si, uma fraternidade de cidadãos livres e interessados no bem comum, assistindo-se mutuamente no que estiver ao seu alcance.

Os aderentes a este corpo essencial de princípios são convidados a contribuir com a sua opinião e a manifestar a sua disponibilidade para exercer funções de coordenação. Depois de elaborada uma Carta de Princípios definitiva, seria necessário definir o modelo associativo, redigir um programa, eleger um porta-voz, etc., etc. Do meu ponto de vista, seria desejável criar um gabinete de estudos (para fundamentar com factos e números, sempre que possível, as nossas posições/reivindicações) e um gabinete de comunicação (para que as nossas ideias sejam transmitidas à opinião pública de forma clara e convincente). Antes, porém, conviria atrair para esta causa tantas pessoas de bem quantas for possível.

Cordiais Saudações
Jorge Almeida Bernardo

1 comentário:

Unknown disse...

O que é isto???

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