quarta-feira, maio 17, 2006

Delgado

Por puro esquecimento, não referi ontem o centenário do nascimento do muito celebrado Humberto Delgado (1906 – 2006).

Na verdade foi um esquecimento alimentado, pois evito entrar em grandes trocas de ideias em relação ao senhor. Lembro-me sempre de uma conversa, já há alguns anos, com um conhecido antiquário desta praça, que me confidenciava que a família Delgado tratava de, com muito cuidado, manter a boa memória do «general sem medo» incólume.

Eu, que já me estava a aventurar no ramo da História, sempre achei estranha essa confidência. Mas, verdade seja dita, que estranho que só se celebre a segunda metade da vida de alguém.
O que fez Delgado antes de 1958 onde, por um conjunto estranho de factores, se tornou no ícone anti-fascista por definição? Sei que estava nos Açores nos tempos da II guerra, como mandatado de confiança do Estado Novo, e que tinha tido, nos anos 30, expressas simpatias com a modernidade da «Nova Europa». Sei também que se aproxima dos americanos nessa altura, sendo depois destacado para Washington e para a NATO (é aí que ganha o a alcunha de «general Coca-Cola»).

É verdade que se afasta do regime de Salazar (onde chegou a ser apontado como delfim). Eu, para mim, tenho por razão que se teria desapontado com o carácter excessivamente católico, conservador e «mole» do salazarismo. Sempre pensei que Delgado queria algo com mais «fulgor», mais «fibra». Democrata? Tenho algumas dúvidas, talvez se preparasse para ser algo mais tipo Pinochet, avant la lettre, bem entendido.

Claro que o senhor está ainda (muito) bem protegido. A sua fundação, a família, a FLAD, etc, não deixam que se perturbe esta imagem definida.

Não é o único a sofrer deste estranho fenómeno que cola personagens históricas a uma ideia que de elas se construiu. Temos vários exemplos na nossa história contemporânea – ver Sá Carneiro, Spínola, Afonso Costa, etc. Delgado tem a agravante da imagem de Delgado ter sido construída pela família e pelos seus próximos colaboradores. Só isso, para mim, é motivo de desconfiança…

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