segunda-feira, junho 25, 2007

Carta a Ana Paula Vitorino

Carta de António Brotas, recebida via email, sobre a Ota, que divulgamos.

Lisboa, 23 de Junho 2007
Cara Ana Vitorino,
Envio-lhe aqui uma crítica às propostas que apresentou no passado dia 21, na FIL, relativas ao traçado, construção e modo de financiamento das linhas do "projecto TGV".
Começando pelo que parece quase certo.
Disse que o projecto global seria dividido em troços cuja construção seria posta em concurso separadamente para ficar ao alcance dos grupos nacionais. Certíssimo. Acrescentou que o primeiro troço seria o da linha de Badajoz ao Poceirão. Não é normal uma linha TGV (isto é, uma linha que permite o trânsito de comboios TGV) terminar numa plataforma logística. No imediato, a linha vinda de Badajoz deve terminar no Pinhal Novo onde há uma estação da FERTAGUS. Depois, pensaremos como é que o TGV pode chegar a Lisboa. Do Pinhal Novo, ou de um ponto do percurso, deve partir um ramal de baixa velocidade (mas de bitola europeia) para o Poceirão. É também necessária uma ligação de baixa velocidade (de bitola europeia) de Sines ao Poceirão. Não a vejo referida na proposta apresentada Em contrapartida, vejo uma linha de Sines a Évora, o que significa que enquanto o projecto não for completado por uma linha directa, as mercadorias para irem de Sines ao Poceirão terão de passar por Évora. Depois de construida a ligação ao Poceirão, a linha de Sines para Évora ficará naturalmente às moscas, porque as mercadorias seguirão o trajecto Sines, Poceirão, Évora, Badajoz e não serão muitos os passageiros dos comboios de Sines para Évora .
Há uma questão de terminologia que tem dificultado bastante debate sobre estes assuntos. Não devemos falar de um "Projecto TGV". O que está em causa, é a futura rede ferroviária portuguesa de bitola europeia, em que algumas linhas, mas não todas, permitirão o trânsito de comboios TGV. Assim, a linha do Pinhal Novo a Badajoz deve ser projectada para permitir o trânsito de comboios TGV para Madrid e, também, de comboios para o transito local. Devem, obviamente, ser previstos desvios da linha principal para a paragem destes comboios nas diferentes cidades.
A linha para Badajoz deve ser encarada como uma linha fundamental para o desenvolvimento do Alentejo. Esta função será absolutamente esquecida se o seu projecto for confiado a entidades privadas unicamente interessadas no TGV.
2-No projecto apresentado, é proposta, não unicamente a ponte para o Barreiro (que Ana Vitorino defendeu recentemente numa conferência na Sociedade de Geografia) mas, também, uma entrada a Norte de Lisboa para uma linha TGV para o Porto, com passagem pela Ota (que a ANA Vitorino continua a defender independentemente de se fazer ou não o aeroporto da Ota). Em conjunto, as duas propostas têm custos ambientais e financeiros gigantescos.
Faço-lhe notar que, se porventura for construida a linha para o Porto com saida pelo Norte de Lisboa, esta linha pode biforcar um pouco antes da Ota, para atravessar o Tejo perto de Vila Nova da Rainha, com custos incomparavelmente inferiores aos da ponte para o Barreiro, seguindo depois para Badajoz e para o Algarve. A ponte para o Barreiro parece neste caso não se justificar. Os habitantes de Lisboa farão com trajectos ligeiramente mais longos, mas todo o país acima de Vila Franca de Xira beneficiará.
3-A construção da linha TGV de Lisboa ao Porto não é, obviamente, uma prioridade nacional.
O seu custo é muito grande e o timing para a sua construção tem de ser muito cuidado, porque se esta linha aparecesse agora feita a CP arriscava-se a ir à falência. A prioridade dada à construção desta linha foi devida, sem dúvida, à insistência em construir o aeroporto da Ota. Foi assim encomendado o estudo do troço de Pombal a Alenquer com passagem pela Ota da futura linha TGV Lisboa para o Porto antes de se saber como entrará esta linha em Lisboa (questão que continua por esclarecer) . O projecto do troço referido foi entregue no Instituto do Ambiente, em 19 de Novembro, para avaliação do seu impato ambiental (o que obriga a um mês de consulta pública) mas foi depois retirado por tempo indeterminado.
A linha TGV para o Porto em que se insiste e agora apresentado na FIL tem uma zona entre as serras de Montejunto e dos Cadeeiros com declives muito elevados, o que faz com que não seja conveniente para o trânsito de mercadorias. Assim, a aceitação desta linha, imposta pela passagem na Ota, faz com que no futuro, toda a Região Centro fique com um TGV inconveniente para a sua economia.
4- As razões apontadas em 1, 2 e 3 parecem-me mais do que suficientes para que aceitemos uma pausa para repensar estes assuntos.
No programa eleitoral do PS, apresentado ao País em 2005, não estão previstas concessões de exploração semelhantes às que vejo agora anunciadas. O actual governo não foi mandatado para resolver os problemas ferroviários do país até ao ano 2040. Foi mandatado para resolver bem os problemas que se põem agora, sem comprometer as possibilitades de resolver convenientemente os que se seguirão. Nestas condições, permito-me dirigir-lhe a si, o mesmo apelo que dirigi aos candidatos à Cânara de Lisboa:
"Penso que os candidatos à Câmara de Lisboa devem:
Apoiar calorosamente a construção urgente da linha de Badajoz ao Pinhal Novo.
Propor que, nos dois anos a seguir, se estudem seriamente as diferentes possibilidades dos comboios TGV atravessarem o Tejo, a ligação ferroviária ao futuro aeroporto de Lisboa cuja localização será entretanto definida, e, ainda, a chegada a Lisboa dos futuros TGV para o Porto, cuja linha será construida quando for considerado conveniente".
5-No projecto agora apresentado, o que mais me choca, no entanto, é o não estar prevista a construção da linha de bitola europeia de Aveiro a Vilar Formoso acordada com os espanhois na Cimeira Ibérica de 2003.
Sabe a Ana Vitorino o que é que isto significa? Significa o afastamento em relação à Europa e consequente atraso de toda a Beira Alta e, numa larga medida, da Região Centro.
Admitemos, como hipótese, que daqui a 15 anos circulam em todas as linhas agora previstas, mas não numa linha de Aveiro a Vilar Formoso, comboios de bitola europeia. Por onde pensa a Ana Vitorino que sairão do país as mercadorias do Norte? Sairão por Vigo, e irão para a Europa pela linha espanhola que passa a Norte de Bragança.
A não construção da linha da Beira Alta vai relançar a "cintura de ferro", construida pelos espanhois no final do Século XIX, quando não quizeram que a Galiza ficasse ligada a Madrid pelo território português. Foi esta opção que levou à falência a banca do Porto, que tinha investido na linha do Douro com ligação a Zamora. A não construção da linha da Beira Alta faz do Norte de Portugal uma região satélite da Galiza, e impede as indústrias espanholas de Salamanca a Valadolid de utilizar o porto de Aveiro, como seria altamente conveniente para elas e para nós.
6-As linhas de Badajoz ao Pinhal Novo e de Vilar Formoso a Aveiro, são linhas com custos perfeitamente ao alcance das finanças portugusas, que podem estar a funcionar dentro de poucos anos, que não nos obrigam a complicadas e inconvenientes operações de "engenharia financeira", que reforçam a nossa autonomia e poder de decisão, e resolvem o nosso mais premente problema ferroviário: o do isolamento em relação à Europa quando a Espanha mudar toda a sua rede para a bitola europeia.
7-Os problemas ferroviários do Norte são certamente dificeis. Temos de criar no Porto um centro para os pensar e planear. É dificil a construção da linha de bitola europeia de Vigo ao Porto, é dificil a sua ligação à futura linha TGV para Lisboa. Mas , se começarmos a pensar numa ligação de Aveiro ao Porto a construir depois da linha de Vilar Formoso a Aveiro, podemos antever um projecto de dimensão verdadeiramente europeia, que pode influenciar todo o Norte da Península, o de uma "Estrada de Santiago ferroviária" que, partindo da Corunha, ligue Santiago de Compostela, Vigo, Braga, Porto, Aveiro, Viseu, Guarda, Cidade Rodrigo, Salamanca, Medina del Campo, Burgos, Valadolid, Vitória, São Sebastião, Hendaia. Os espanhois já asseguraram fazer a parte deles. Compete-nos a nós fazer a nossa. Não se trata de um projecto imediato, mas de um projecto para um futuro relativamente próximo.
8- Não compete ao actual governo executá-lo, mas compete-lhe assegurar as condições para que seja possivel. Para isso basta-lhe que, modestamente, nestes dois anos, assegure a construção da linha de Badajos ao Pinhal Novo, mande fazer os estudos necessários, e se abstenha de dar passos irreversiveis e altamente controversos.
Terei todo o gosto em discutir consigo estes assuntos, no ambito académico, do Partido Socialista, ou da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Com as minhas melhores saudações
António Brotas
PS- Permito-me juntar uma nota esclarecedora, sobre uma questão hoje muito falada, que divulguei há dias, mas ainda não consegui publicar.
A Portela + 1
A expressão "Portela + 1" , hoje muito usada na Comunicação Social pode significar que o aeroporto da Portela deve continuar em funcionamento durante um largo periodo (não inferior a duas décadas) e que devemos iniciar o mais rapidamente possivel a construção por fases de um novo aeroporto num local onde possa vir a ter uma muito grande possibilidade de expansão. Se a primeira fase (uma pista e algo mais) puder ser inaugurada daqui a 5 ou 6 anos, todas as difuculdades aeronauticas presentes e futuras da região de Lisboa ficam resolvidas. Daqui a uns 10 anos, ou mais, quando começarmos a pensar na construção da 2ª fase do novo aeroporto, teremos de decidir se ele se deve expandir de modo a substituir completamente a Portela, ou se devemos adoptar em definitivo o modelo dos dois aeroportos em funcionamento. Esta discussão agora é prematura.
A fórmula "Portela + 1" pode, no entanto, também significar que devemos, desde já , desviar para bases militares e outros aeroportos parte dos voos low cost que actualmente sobrecarregam a Portela, retardando assim a sua saturação. Tenho defendido esta solução, desde que ela seja feita com encargos muito reduzidos. As duas concepções são perfeiramente conciliáveis. O que me parece totalmente errado é encararmos a solução "Portela + bases militares" como uma solução definitiva que nos dispense de pensarmos num novo aeroporto.
O projecto de um novo aeroporto convenientemente planeado e a construir de um modo faseado numa zona onde possa ter uma grande possibilidade de expansão, como é o caso da Carreira de Alcochete, pode ser, com as actividades anexas que pode estimular e desenvolver , um projecto com um imenso impacto no desenvolvimento português neste meio século.
António Brotas
Professor Jubilado do IST

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