quinta-feira, agosto 17, 2006

100 anos


Aparentemente este senhor faria hoje 100 anos.

Acho, sinceramente, que não teria melhor aniversário em vida. Primeiras páginas dos jornais de referência, entrevistas a familiares directos em prime time televisivo no canal do Estado, imagem refeita e uma ideia: não fez mais porque não o deixaram, porque não pode, porque os ultras – esses malucos-que-justificam-tudo– o impediram.

Hoje, liderado pelo afilhado e as suas conversas em família, caiu-se na fácil tentação desculpatória e revisionista. «Era, na essência, um professor». «Ainda hoje o estudamos, nas suas sebentas, nos seus livros». «Todos os dias pensava em como podia acabar com a Guerra Colonial». Tudo verdades contadas. Como verdade foi a DGS, uma PIDE pseudo light que nunca deixou de existir e de se fazer sentir. Como de verdade foram as cargas lançadas açaimas sobre indefesos estudantes; como foi o policiamento das Colónias frente a grupos terroristas ilegais. Como de verdade foram as eleições de 1969, de 1972 e 1973. De verdade foi também o fim da censura, e instalação do exame prévio.

Muito mudou para que tudo ficasse na mesma. O professor, mesmo com a sebenta sabida, nada fez.

Porque falhou? «Os homens tem limites», dizia a filha na Grande Entrevista da RTP 1 (agora finda). E Marcelo tinha os seus. Doutor aos 25, Catedrático aos 27. Procurador, Ministro, Comissário da Mocidade Portuguesa, Presidente da Comissão Executiva da União Nacional. Professor de mérito e Magnifico Reitor. A Marcelo foram oferecidos todos os limites. O regime não tinha para si segredos. Liberais, Ultras, Católicos, monárquicos. A todos conhecia, com todos convivia. Sabia com que contar.

Verdade é que Wiriamu aconteceu, Ribeiro dos Santos aconteceu, os Gorilas aconteceram. A verdade é que não soube, que errou. E pagámos por isso. Todos.

Não basta tentar lembrar a sua Primavera. Depois de qualquer longo Inverno até o mais ténue raio ofusca. Ver Marcelo, nas suas palestras íntimas televisionadas, com os seus óculos escurecidos, a face comida quando se desconforta, não engana. Este senhor não é um democrata. Não é um liberal. Não fez tudo o que queria? Que raio de político é que o faz?
Olhem a foto. Tem todo de democrata, não tem?

1 comentário:

Ricardo Revez disse...

De facto, se sentia que nada podia fazer (ou que não o deixavam fazer) para mudar as coisas, porque é que continuou no cargo?

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