segunda-feira, março 16, 2009

De que se fala quando se fala em perda de valores na sociedade actual?

. . . muito resumidamente, fala-se dos meios e das formas utilizados, com mais ou menos intensidade e frequência, para atingir fins socialmente respeitados e enaltecidos. As expectativas de mobilidade social ascendente aumentaram, felizmente, com a democracia conquistada depois de Abril de 74.

Ora, antes de 74/75, para conseguir ascender socialmente, um filho do proletariado tinha de seguir os caminhos - "tirar" um curso superior - e de cumprir as regras conviviais de cortesia e urbanidade impostos pelas classes dominantes e, ainda, de enaltecer o valor "mérito" associado à ascenção da burguesia, ou seja, passava por processos de aprendizagem mais intensivos e mais tardios do que um filho da burguesia. Dispendia mais energia e fazia-o menos precocemente que este. A mobilidade social individual era darwinista, venciam os mais fortes (ou os mais aptos...). Acrescente-se que o filho do proletário era educado dentro da família num quadro de uma moral estrita, disciplinada, frequentemente austera e ancorado no valor "trabalho", o que em muito ajudaria à interiorização de novas aprendizagens.

Ao filho da burguesia eram-lhe permitidas (nalguns casos, noutros, muito pelo contrário)mais "liberdades" e menos disciplina, porquanto o patamar social de partida era mais elevado. Muitos andaram a estudar enquanto boemiavam, não acabando - quantas vezes! - os cursos. Funcionava então o processo de "apadrinhamento" e lá se arrumava o rapaz, com curso inacabado, num banco ou numa empresa, via "cunha".

Com Abril, a generalização das expectativas de mobilidade social a um mais amplo leque de pessoas, aliada a um certo modo ocidental de olhar e de praticar liberdades burguesas - a partir de um determinado momento histórico, em nome do princípio narcisista do "prazer" nombrilista - e, ainda, conjugada com a hiper-mediatização do valor "sucesso" como finalidade social a alcançar, viria a alterar meios e modos de e para a ascenção social. Na década de 80, em Portugal, o automóvel começa a ser desejado já e agora; no século XXI, se o Pai não é rico vai-se ao BES, não importa a imprevisibilidade do pagamento das prestações; concomitantemente, o cumprimento das regras conviviais é trocado por um vazio nas trocas sociais de palavras e de gestos no quotidiano, uma vez que as formas de tratamento deixam de ser pessoalizadas ("bom dia, Senhor Joaquim", dizia-se ao entrar na mercearia) tendo-se deixado cair o tratamento pessoa a pessoa (passou a dizer-se, simplesmente "bom dia") e, mesmo este, quantas vezes é omisso!

Pode, por conseguinte, falar-se de um certo grau de "desvio social" no sentido que Merton dá ao conceito, já que, para atingir fins socialmente desejáveis - o "sucesso" - são percorridos caminhos não desejáveis mas permitidos, como o são o facilitismo nalgum Ensino Superior (e talvez mesmo no decurso do Ensino Secundário), o carreirismo nos partidos políticos (carreirismo quando se trata de subir no aparelho, ainda que as convicções sejam pouco fortes) o endividamento dos indivíduos e das famílias, a desagradabilidade no trato pessoal.

Neste cenário generalizado dos pequenos e quase surdos, porque permitidos, "desvios sociais" podem observar-se, qual tubarões a emergir no imenso mar turvo, enormes picos de grandes desviantes sociais - igualmente permitidos, até que as carecas lhes sejam postas a descoberto - como o são grupos financeiros que viveram de fraudes. E é destes que é feita a história, nos jornais, omitindo-se o pano de fundo - todos nós, ao fim e ao cabo - que somos coniventes sempre que fechamos os olhos a um diploma ou a um cargo conseguidos sem mérito ou a uma atitude de falta de cortesia para com uma pessoa, seja ela quem for. Um detalhe ínfimo: andamos todos e cada um a esquecermo-nos de tratar cada um pelo seu nome, quando enviamos emails - correio electrónico. Apesar de não ser nada difícil iniciar uma carta que vai seguir por correio electrónico por:

Maria, bom dia,

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para não perdermos as pessoas, cada pessoa, na multidão, nas massas, no incógnito.

Há modos e modos de fazer. Há meios lentos e há meios rápidos para atingir fins. E, por outro lado, há media que, por definição, são rapidíssimos, como o são os emails. Bem podíamos dar-lhes um pouco da lentidão que as pessoas merecem. Tempo. E saborear o Nome do Outro, ao escrever:

M a r i a, bom dia,

............................

1 comentário:

Vera Santana disse...

No comments?

Será um tema desinteressante e sem actualidade, o que se passa nas nossas sociedades consumistas e massificadas, onde a pessoa é inexistente e facilmente substituível?

Desacordem mas comentem, please!

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