domingo, junho 15, 2008

Irish People


I. Irlandeses


Estou triste com o resultado do referendo ao povo irlandês sobre o Tratado de Lisboa. Gosto do país, dos irlandeses, dos que emigraram em barcos para a América, empurrados pela fome (falta de batatas) até Battery Station em Manhattan ou, posteriormente, a partir de Janeiro de 1892, até à estação de Ellis Island (no rio Hudson, frente a Battery) onde a primeira pessoa a entrar, no primeiro dia do ano, foi Annie Moore, vinda de County Cork, Ireland; sou apreciadora da música, dos pubs, da alegria, do irish coffee. E, sobretudo, do muito que aquele povo conseguiu crescer, na sua terra natal, com a ajuda dos fundos europeus.

A abstenção ao referendo foi enorme. Como interpretar esta falta de participação às urnas? Como interpretar tal ausência num referendo? E como interpretar o não! irlandês ao princípio de uma construção europeia? Talvez pelo sentimento de não participação real e efectiva na Europa: uma percepção, por parte de quase metade da população, segundo a qual os nãos! acabarão por se transformar em sins! com alguns atrasos.

A ser assim, os irlandeses estão apenas a dizer: atenção, nós existimos e somos cidadãos! É uma questão política de comunicação política - de falta dela. Uma espécie de greve às formas de fazer política mais do que aos conteúdos (quem leu o Tratado?...). Os irlandeses são cidadãos da Irlanda e são, também, todos, cidadãos europeus. No entanto, cerca de 50% disse não querer ter dupla cidadania e sim permanecer monogâmicamente fiel às raízes da terra mátria. Parece uma denegação verbal e política de uma identidade económica, cultural e social já adquirida e moldada ao e pelo caracter irlandês.


II. Holandeses

Vincent Van Gogh, Potato Eaters, oil on canvas, 1885. Van Gogh Museum, Amsterdam

"Comedores de batatas", de Van Gogh, Museu Van Gogh em Amsterdão, primeira obra importante do pintor, exprime a dureza da vida dos camponeses; um "interior holandês" (1) rural, frugal, familiar, coloquial. Na Holanda, a alimentação tradicional é, como na Irlanda, à base de batata (continua a ser: croquettes e empadão). Desconhecia a vertente, triste e escura - entre o neo-realismo e o expressionismo? - do pintor dos países baixos que um dia quis ser pastor protestante no seu país do Norte e acabou, devido a um des-gosto-amoroso, por partir para França, colorir campos de trigo dourados com corvos negros e girassóis verdes e amarelos, amar, auto-mutilar-se, enlouquecer e suicidar-se sob o Sol do Sul. No quadro, os exagerados nódulos dos dedos dos camponeses mostram os efeitos do peso do arado que revolve a terra, as descomunais mãos, duras e grossas abrem-se para semear e fecham-se para recolher... e, entre os dois gestos, repousam inertes e sem função (2) sobre os joelhos.


III. Futebol?


Porque não ligo ao futebol, nem as vitórias da equipa portuguesa nem os belos (dizem) golos dos nossos jogadores me servem de penso rápido. Desabafo com os meus redondos botões "Batatas! Bolas!".



1. Ironizo, invocando, por antinomia, os "interiores flamengos" do século de ouro (séc.XVII) pintados por Vermeer, elegantes, doces, tranquilos, de poucas palavras faladas, letrados e musicados; mãos que não trabalham a terra podem tocar espineta. Mãos que têm outras mãos para tocar nos produtos agrícolas (cf. o quadro " A Leiteira") têm tempo e saber para desfolhar epístolas, olhando longamente através da janela (cf. o quadro "Mulher vestida de azul lendo uma carta").

Vermeer, 1663-1664, Rijskmuseum, Amsterdam


2. Excepto a função de reposição de forças para o trabalho.

6 comentários:

Boavida disse...

É a cultura do povo, o futebol. É os grandes artistas da bola, é os arquitetos das grandes jogadas, é os maestros do meio campo...
Eu ficaria contente se o futebol substitui-se apenas a cultura, o problema é que, durante o Euro, o futebol substitui tudo, cultura, politica, jornais, telejornais, conversas de café... Já nem consigo ver a Quadratura do Circulo sem ser bombardeado por futebol.
E eu gosto de futebol!!!

Bem vinda de volta, Vera

Vera Santana disse...

boavida,

Obrigado, boavida, pelas boas vindas.

Esta coincidência referendo / Euro é mera?

Se achares bem, dá-me o teu email, para "termos um particular".

Vera

Light my fire disse...

Eu, que também não ligo ao futebol, acho que os irlandeses foram, neste caso, uma espécie de calcanhar daqueles: dos que acharam que a aprovação do Tratado era trigo limpo, e dos que entendem que a Europa é uma assunto demasiado importante para ficar entregue ao povo e, por isso, não fazem qulquer esforço para envolver o europeus na construção da Europa.
Repare-se que eu até sou europeísta, embora crítico de muitas práticas políticas da União, e acho que os atrasos na aplicação do Tratado de Lisboa são maus para a Europa e para os europeus. Mas a verdade é que ninguém explicou com clareza as reais consequências do tratado. Que não são, eu sei, tão catastróficas como apregoam os profetas do "não". Que, em alguns casos, são muito boas. Mas isso não foi explicado. E também não foi dito com clareza o que implica mais este adiamento. Que, em muitos aspectos, é bastante mau para todos. Hoje, por exemplo, foi notícia que 70% dos irlandeses que votaram "não" achavam que isso podia levar à renegociação do Tratado. E, pelos vistos, ninguém lhes explicou que a renegociação não era possível.

Mafarrico disse...

A coincidência referendo/Euro é curiosa, e dá jeito a vários governos. Eu gosto de irlandeses, embora conheça vários bem esquisitos, estou-me nas tintas para o futebol, e lamento a falta de um referendo europeu (europeu, mesmo: todos ao mesmo tempo) sobre o tema. De resto, talvez até votasse sim...

Viriato Teles disse...

Gosto de te ver de volta, Vera.
Do futebol nada sei, do referendo nada digo...

Vera Santana disse...

Confesso uma ignorância (só uma): não sei fazer links.

N´O Jornal da Concelhia de Lisboa, do Partido Socialista, a Carla Madeira explica muito claramente aquilo a que eu coloquialmente chamei "dupla cidadania", bem como alguns direitos dos cidadãos europeus. É de ler.

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