domingo, agosto 26, 2007

Eduardo Prado Coelho. Luto.


Eduardo Lourenço
26.08.2007, Eduardo Lourenço (Público 26 Agosto 2007)
Eduardo
Surpresa absoluta não foi, mas o choque foi o mesmo. Desde esta manhã a pequena ou grande capela da cultura portuguesa perdeu o seu oficiante mais brilhante e activo. Terá passado para a "outra margem" com a caneta na mão. Ou, talvez, com o mais moderno e mágico dos objectos comunicantes que tanto o fascinavam.

Com ele desaparece - como custa escrevê-lo - o actor mais disponível, mediático e plural da cena portuguesa da sua geração e do nosso tempo. Tudo lhe interessou, do cinema à poesia, da crítica literária, que teve nele o seu cronista-mor, à ficção, mar de sonhos sem fim que desde jovem se tornaram para ele uma precoce segunda life. E naturalmente a política, de que foi, cedo, comentador empenhado e que nunca de todo abandonou. De referências musicais estão cheias as suas crónicas e nada de provocador nelas o deixava indiferente. Como se precisasse das múltiplas pulsões do tempo que eles exprimiam para acompanhar as múltiplas eternidades do seu presente tão excessivo de dons e de urgência vital.

Embora não fosse filósofo de formação, tinha a paixão das ideias, as mais subtis e paradoxais, as mais up-to-date também, que de Foucault a Derrida enquadraram a sua reverie pessoal e deram à sua escrita luminosa um eco de rara qualidade. Não creio que o mais lido dos nossos intelectuais "inorgânicos", o mais influente, sobretudo depois que se tornou o comentador do nosso quotidiano, como se merecêssemos que ele fosse o nosso tácito de serviço, tenha merecido até hoje aquela leitura de extrema finura que ele dedicou aos textos dos outros, mesmo aos que talvez o não merecessem. Do pecado de generosidade ninguém se deve arrepender. Aquietado, enfim, a sua obra espera que os seus émulos mais jovens a revisitem e nela se inspirem como ele soube fazer para as gerações anteriores à sua. O rasto de luz que os seus textos deixaram - e são - não se perderá tão cedo na celebrada desatenção pátria. Podem esperar. Ensaísta

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