sexta-feira, junho 24, 2005

Sobre o Luto Nacional

No Público de ontem (23/06/2005), aparecem num artigo assinado, declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, a "justificar" o porquê de não ter sido declarado Luto Nacional aquando da morte de Vasco Gonçalves em 12/06/2005, apesar do PCP ter apresentado um requerimento nesse sentido (fonte: Público).

Nas palavras do Ministro, Vasco Gonçalves foi apenas Primeiro-Ministro de Governos Provisórios e não Constitucionais, e a concessão do Luto Nacional teria sido já utilizada em demasia, sendo que chega a defender legislação para o Luto Nacional, que clarifique quais as razões que levam à sua declaração.

Ambos os argumentos são incompreensíveis!

O período de 1974-76, vigência dos Governos Provisórios, foi a fundação da nossa democracia e do nosso Estado social. Portugal deve mais aos homens e mulheres que governaram durante esse período, do que a qualquer Governo Constitucional.

O segundo argumento, claramente uma ilusão à concessão de Luto Nacional pela morte da vidente Lúcia, é também miserável. A concessão de Luto Nacional depende do mérito absoluto e não do mérito relativo da pessoa em causa. Ou alguém merece que seja declarada Luto Nacional no seu falecimento, ou não merece.

Se Mário Soares e Sá Carneiro tivessem falecido no mesmo dia, iríamos negar o Luto Nacional a um, só porque morreu o outro?

Vocês dirão que isto é tudo "fumaça", e que a verdadeira razão porque Vasco Gonçalves não teve direito a Luto Nacional foi por causa do PREC e do"gonçalvismo". A minha resposta a isso é o caso de Álvaro Cunhal, que teve Luto Nacional, com um papel muito mais importante no "verão quente" de 75. Quem atirar a primeira pedra...

Vasco Gonçalves foi o Primeiro-Ministro do 13º mês, das reformas e pensões extensíveis ao povo em geral, e se temos um sistema de segurança social, a ele o devemos. Só por isso, Vasco Gonçalves merecia a concessão de Luto Nacional. Se consideramos que os aspectos negativos do PREC ultrapassam os seus benefícios, então Cunhal também o não merecia.

Sem falar no caso de Eugénio de Andrade. Embora não conheça a sua obra, toda a gente parece afirmar que ele foi um dos maiores poetas portugueses do Séc XX. Que eu saiba, grandes poetas não nascem (ou morrem) a toda a hora. E se Carlos Paredes teve direito...

Mas o verdadeiro aspecto trágico-cómico desta história, é que a concessão do Luto Nacional representa nada mais do que colocar a Bandeira Nacional a meia-haste, não havendo por isso qualquer custo para o Estado.

É uma vergonha que este governo, mais uma vez, tenha negado as suas raízes ideológicas. Ao negar o Luto Nacional, tenta-se apagar a imagem histórica de Vasco Gonçalves, dando assim mais munição legítima a quem quer dividir a esquerda. E a direita ri...

Para referência, cá vai um apontamento jurídico sobre o Luto Nacional:

Parecer da Procuradoria-Geral da República

1 - Ao decretar luto nacional, o Governo pretende, por esse meio e no apelo a regras de cortesia tradicionalmente praticadas e aceites, manifestar o pesar sentido pelo falecimento de cidadãos, ou cidadãos, nacionais ou estrangeiros, que, pelo seu perfil e (ou) a sua projecção, se entenda deverem receber essa homenagem dos Portugueses; (...)

3 - Não se encontrando codificadas as manifestações de luto, é uso içar a meia haste a Bandeira Nacional, simbolo nacional constitucionalmente reconhecido, exprimindo a vontade colectiva de um Povo (...)

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