Mulheres sede submissas aos vossos maridos, como convém ao Senhor.
S.Paulo, Carta aos Colossenses
Nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas (...) possuirão o Reino de Deus.
S.Paulo, 1ª Carta aos Coríntios
Ontem, dia 27 de Junho, ao folhear o Diário de Notícias, deparei-me com um artigo de João César das Neves intitulado “A liberdade que mata a liberdade”, frase que logo me chamou a atenção por dela tresandar um cheiro a um certo conservadorismo que por este país se vai espraiando, sempre na tentativa de demonstrar que a verdadeira liberdade está em não ter nenhuma.
Ao iniciar a minha leitura do texto não me enganei. Quando cheguei ao fim sentia que o encadeamento das palavras era como que um arame farpado lançado para nos prender a todos numa moral supostamente universal. Num estilo moralista, a roçar o puritanismo, o sr. Neves espalha uma doutrina ultra-conservadora sobre a família e os costumes sexuais muito semelhante aos ensinamentos de S. Paulo – porventura o grande primeiro deturpador daquilo que seria a mensagem original de Jesus Cristo –, enquanto suspira pelos tempos em que o ideal de família vinha estampado nos postais do Império Britânico: a rainha Vitória e o príncipe Alberto rodeados da sua numerosa prol.
Antes de começar a desconstruir o iglô moral em que o sr. Neves nos quer enfiar a todos, convém dizer que toda a sua argumentação assenta no princípio de que todas as pessoas são cristãs ou, pelo menos católicas. Diria melhor: que todas as pessoas, cristãs ou não, se regem pela moral cristã tal como as suas igrejas a transmitem. Se partirmos do princípio que as opções religiosas são algo que pertence ao foro íntimo de cada um, algo de privado, qualquer tipo de moral que esteja no seu âmago também o é. Logo, o sr. Neves não pode querer que os valores em que acredita sejam partilhados por toda a sociedade, que é composta por indivíduos com diferentes convicções neste campo.Com isto não quero dizer que todos os valores são relativos (talvez até o sejam na sua essência na medida em que foram inventados pelo próprio Homem, mas na prática não o podem ser, pois a vida em sociedade tornar-se-ia impossível). Quero, sim, dizer que existem alguns que têm necessariamente de ser absolutos, mas outros não, podem variar e é preciso respeitar isso. Existem ainda alguns que são praticamente universais, mas que são interpretados de forma diversa.
Escolhi quatro excertos-chave do artigo para denunciar o reaccionarismo de costumes que por lá se passeia completamente impune:
1 º- “Enfraqueceu-se o matrimónio pelo divórcio e as uniões de facto”.
Bem, talvez o sr. Neves preferisse que não houvesse direito ao divórcio e assim sim, teríamos casamentos fortes que durariam 50 ou mais anos, mesmo que os cônjuges já não se amassem, mesmo que o marido espancasse a mulher sempre que o Benfica perdesse, mesmo que toda a sua relação fosse já um absurdo. Assim sim! Assim teríamos matrimónios fortes como o aço, embora vazios de significado.
É para isto que o divórcio serve, sr. Neves...Para evitar que as pessoas sofram mais e para que possam prosseguir na sua procura pela felicidade sem terem que esperar que o estranho que dorme ao seu lado na cama morra. É possível que a penitência seja um sacramento que lhe agrade, mas isto é ridículo!
2º - Logo a seguir à frase anterior: “Agora pretende-se descaracterizá-lo com o casamento de homossexuais. Qualquer aliança entre duas pessoas passaria a ser considerável como casamento”.
Primeiro de tudo, um matrimónio que se realize sem qualquer tipo de motivação religiosa, ou seja, um casamento pelo registo civil, é um mero casamento com o Estado. Cada vez mais, as pessoas estão a aperceber-se que, quando se ama verdadeiramente, não é necessário assinar uns quantos papéis e aguentar um fotógrafo e cento e cinquenta convidados bêbados durante um dia inteiro. Basta amar. Quem ainda se casa pelo registo, fá-lo pelos benefícios que daí advêm.
Porém, todos os cidadãos devem ter o direito a casar-se seja com quem for, pelo menos no registo civil. Penso que esta mudança não estará muito longe de se efectuar. Como quem casa pelo civil não é religioso, a questão da homossexualidade não se põe. Quanto à Igreja Católica, o sr. Neves que não se preocupe, pois não me parece que esta cometa o crime de evoluir neste aspecto. Neste campo, a situação é mais dramática para quem teve a infelicidade de ser homossexual e católico. Os representantes do seu Deus na Terra acham, simplesmente, que por causa de uns textos que S. Paulo e outras pessoas escreveram há centenas de anos, quem tem opções sexuais diferentes da maioria, não merece realizar o sonho de se casar.
3º - De forma irónica (e talvez invejosa, digo eu baixinho...) diz: “Mas no campo sexual a única regra admissível é fazer-se o que se quer, sem ninguém ter nada com isso.”
Uff!! Ainda bem que me confirma isso! Começava a ficar preocupado se assim não fosse. De facto, sexo é como a comida que comemos, os livros que lemos, os filmes que vemos, a música que ouvimos, os amigos que temos, os desportos que praticamos: é um prazer, é legal, não faz mal à saúde e, por isso, mais ninguém tem a ver com o assunto.
4º - “A mulher é sempre a grande sacrificada. Vivemos no tempo que mais a agride, despreza e oprime. O facto passa despercebido porque, paradoxalmente, tudo é feito em nome da sua libertação. Este magno embuste cultural é já o segundo da nossa era. O feminismo radical é paralelo ao marxismo, que destruiu a condição dos trabalhadores em nome da defesa dos seus interesses.
A opressão actual da condição feminina é fácil de demonstrar. Quais as principais vítimas da degradação da família? Da liberalização do aborto? Da banalização da pornografia?”. (...) No campo sexual a agressão é mais cínica. Vemos há décadas um esforço intenso para mascarar como natural um modo de vida promíscuo, hedonista, descomprometido. Esta filosofia nada tem de moderno. Ou feminino.” O autor acaba por dizer que a libertação da mulher a nível sexual favorece o machismo...: “A “mulher desinibida” é a realização do sonho mais machista de Casanova e Don Juan, em nome da paradoxal “libertação da mulher”.”
Neste caso, o sr. Neves tenta inverter o problema: tenta condenar a libertação da mulher afirmando que essa libertação é ilusória e que acaba por levá-la a uma maior opressão, pois isso supostamente tornava-a uma presa fácil para o homem, esse perigoso predador sexual (qual história do Capuchinho Vermelho e do Lobo Mau). Esta é uma desculpa para o autor do artigo defender um regresso da mulher ao lugar tradicional que a cultura judaico-cristã definiu à séculos atrás e que vigorou, de forma geral, no Ocidente até aos anos 60 do século XX.
Pelo contrário, a libertação da mulher é a melhor maneira de esta ser vítima de aplicações práticas de concepções retrógradas como esta, através do direito ao divórcio, ao aborto quando não tem condições económicas de ter um filho, a usufruir do seu corpo como muito bem entender, etc. Não favorece o machismo, mas evita-o. Uma mulher livre tem as armas de que precisa para se defender de abusos machistas. Uma mulher livre pode fazer um aborto e evitar que uma família estável economicamente, deixe de o ser, por ser obrigada a ter uma criança que não pode suportar, algo que acaba por ser prejudicial a esta também. Uma mulher livre sofre tanto como o homem quando a família se degrada ou passa por um processo de divórcio e é tão capaz de voltar a recompor a sua vida como o homem (não voltemos ao antigo estigma da mulher sozinha, desprotegida...).
A procura do prazer é um instinto básico, tanto no homem como na mulher. Caso o sr. Neves não saiba, as mulheres têm um apetite sexual igual ou superior ao dos homens – embora concorde que se possa expressar de uma forma algo diferente – e isso é sabido cientificamente pelo menos desde Freud. Se houve algo que este desde logo aprendeu, através da orientação do fisiologista Charcot, foi que a repressão de emoções e de instintos sexuais levava ao histerismo nas mulheres oitocentistas e dessa observação, o austríaco tirou ilações importantes que o levariam a desenvolver a psicanálise e a sua teoria sobre a origem das neuroses.
De facto, como diz, esta filosofia nada tem de moderno. Já os gregos e os romanos a tinham e isso só demonstra pela milionésima vez o quão sábios eram neste e noutros campos. A inexistência do conceito de “pecado”, que os intérpretes do cristianismo colocaram às nossas costas, fazia com que aproveitassem ao máximo os prazeres da vida. Tudo aquilo que sabe bem e não faz mal, só pode ser bom.
Enfim, a máxima que resume este artigo só pode ser: “Gays para a gafaria e mulheres para o gineceu”.
E foi assim que descobri que S. Paulo escreve no Diário de Notícias, em pleno ano de 2005 A.D. (Anno Domini).
Ricardo Revez
28-6-2005
S.Paulo, Carta aos Colossenses
Nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas (...) possuirão o Reino de Deus.
S.Paulo, 1ª Carta aos Coríntios
Ontem, dia 27 de Junho, ao folhear o Diário de Notícias, deparei-me com um artigo de João César das Neves intitulado “A liberdade que mata a liberdade”, frase que logo me chamou a atenção por dela tresandar um cheiro a um certo conservadorismo que por este país se vai espraiando, sempre na tentativa de demonstrar que a verdadeira liberdade está em não ter nenhuma.
Ao iniciar a minha leitura do texto não me enganei. Quando cheguei ao fim sentia que o encadeamento das palavras era como que um arame farpado lançado para nos prender a todos numa moral supostamente universal. Num estilo moralista, a roçar o puritanismo, o sr. Neves espalha uma doutrina ultra-conservadora sobre a família e os costumes sexuais muito semelhante aos ensinamentos de S. Paulo – porventura o grande primeiro deturpador daquilo que seria a mensagem original de Jesus Cristo –, enquanto suspira pelos tempos em que o ideal de família vinha estampado nos postais do Império Britânico: a rainha Vitória e o príncipe Alberto rodeados da sua numerosa prol.
Antes de começar a desconstruir o iglô moral em que o sr. Neves nos quer enfiar a todos, convém dizer que toda a sua argumentação assenta no princípio de que todas as pessoas são cristãs ou, pelo menos católicas. Diria melhor: que todas as pessoas, cristãs ou não, se regem pela moral cristã tal como as suas igrejas a transmitem. Se partirmos do princípio que as opções religiosas são algo que pertence ao foro íntimo de cada um, algo de privado, qualquer tipo de moral que esteja no seu âmago também o é. Logo, o sr. Neves não pode querer que os valores em que acredita sejam partilhados por toda a sociedade, que é composta por indivíduos com diferentes convicções neste campo.Com isto não quero dizer que todos os valores são relativos (talvez até o sejam na sua essência na medida em que foram inventados pelo próprio Homem, mas na prática não o podem ser, pois a vida em sociedade tornar-se-ia impossível). Quero, sim, dizer que existem alguns que têm necessariamente de ser absolutos, mas outros não, podem variar e é preciso respeitar isso. Existem ainda alguns que são praticamente universais, mas que são interpretados de forma diversa.
Escolhi quatro excertos-chave do artigo para denunciar o reaccionarismo de costumes que por lá se passeia completamente impune:
1 º- “Enfraqueceu-se o matrimónio pelo divórcio e as uniões de facto”.
Bem, talvez o sr. Neves preferisse que não houvesse direito ao divórcio e assim sim, teríamos casamentos fortes que durariam 50 ou mais anos, mesmo que os cônjuges já não se amassem, mesmo que o marido espancasse a mulher sempre que o Benfica perdesse, mesmo que toda a sua relação fosse já um absurdo. Assim sim! Assim teríamos matrimónios fortes como o aço, embora vazios de significado.
É para isto que o divórcio serve, sr. Neves...Para evitar que as pessoas sofram mais e para que possam prosseguir na sua procura pela felicidade sem terem que esperar que o estranho que dorme ao seu lado na cama morra. É possível que a penitência seja um sacramento que lhe agrade, mas isto é ridículo!
2º - Logo a seguir à frase anterior: “Agora pretende-se descaracterizá-lo com o casamento de homossexuais. Qualquer aliança entre duas pessoas passaria a ser considerável como casamento”.
Primeiro de tudo, um matrimónio que se realize sem qualquer tipo de motivação religiosa, ou seja, um casamento pelo registo civil, é um mero casamento com o Estado. Cada vez mais, as pessoas estão a aperceber-se que, quando se ama verdadeiramente, não é necessário assinar uns quantos papéis e aguentar um fotógrafo e cento e cinquenta convidados bêbados durante um dia inteiro. Basta amar. Quem ainda se casa pelo registo, fá-lo pelos benefícios que daí advêm.
Porém, todos os cidadãos devem ter o direito a casar-se seja com quem for, pelo menos no registo civil. Penso que esta mudança não estará muito longe de se efectuar. Como quem casa pelo civil não é religioso, a questão da homossexualidade não se põe. Quanto à Igreja Católica, o sr. Neves que não se preocupe, pois não me parece que esta cometa o crime de evoluir neste aspecto. Neste campo, a situação é mais dramática para quem teve a infelicidade de ser homossexual e católico. Os representantes do seu Deus na Terra acham, simplesmente, que por causa de uns textos que S. Paulo e outras pessoas escreveram há centenas de anos, quem tem opções sexuais diferentes da maioria, não merece realizar o sonho de se casar.
3º - De forma irónica (e talvez invejosa, digo eu baixinho...) diz: “Mas no campo sexual a única regra admissível é fazer-se o que se quer, sem ninguém ter nada com isso.”
Uff!! Ainda bem que me confirma isso! Começava a ficar preocupado se assim não fosse. De facto, sexo é como a comida que comemos, os livros que lemos, os filmes que vemos, a música que ouvimos, os amigos que temos, os desportos que praticamos: é um prazer, é legal, não faz mal à saúde e, por isso, mais ninguém tem a ver com o assunto.
4º - “A mulher é sempre a grande sacrificada. Vivemos no tempo que mais a agride, despreza e oprime. O facto passa despercebido porque, paradoxalmente, tudo é feito em nome da sua libertação. Este magno embuste cultural é já o segundo da nossa era. O feminismo radical é paralelo ao marxismo, que destruiu a condição dos trabalhadores em nome da defesa dos seus interesses.
A opressão actual da condição feminina é fácil de demonstrar. Quais as principais vítimas da degradação da família? Da liberalização do aborto? Da banalização da pornografia?”. (...) No campo sexual a agressão é mais cínica. Vemos há décadas um esforço intenso para mascarar como natural um modo de vida promíscuo, hedonista, descomprometido. Esta filosofia nada tem de moderno. Ou feminino.” O autor acaba por dizer que a libertação da mulher a nível sexual favorece o machismo...: “A “mulher desinibida” é a realização do sonho mais machista de Casanova e Don Juan, em nome da paradoxal “libertação da mulher”.”
Neste caso, o sr. Neves tenta inverter o problema: tenta condenar a libertação da mulher afirmando que essa libertação é ilusória e que acaba por levá-la a uma maior opressão, pois isso supostamente tornava-a uma presa fácil para o homem, esse perigoso predador sexual (qual história do Capuchinho Vermelho e do Lobo Mau). Esta é uma desculpa para o autor do artigo defender um regresso da mulher ao lugar tradicional que a cultura judaico-cristã definiu à séculos atrás e que vigorou, de forma geral, no Ocidente até aos anos 60 do século XX.
Pelo contrário, a libertação da mulher é a melhor maneira de esta ser vítima de aplicações práticas de concepções retrógradas como esta, através do direito ao divórcio, ao aborto quando não tem condições económicas de ter um filho, a usufruir do seu corpo como muito bem entender, etc. Não favorece o machismo, mas evita-o. Uma mulher livre tem as armas de que precisa para se defender de abusos machistas. Uma mulher livre pode fazer um aborto e evitar que uma família estável economicamente, deixe de o ser, por ser obrigada a ter uma criança que não pode suportar, algo que acaba por ser prejudicial a esta também. Uma mulher livre sofre tanto como o homem quando a família se degrada ou passa por um processo de divórcio e é tão capaz de voltar a recompor a sua vida como o homem (não voltemos ao antigo estigma da mulher sozinha, desprotegida...).
A procura do prazer é um instinto básico, tanto no homem como na mulher. Caso o sr. Neves não saiba, as mulheres têm um apetite sexual igual ou superior ao dos homens – embora concorde que se possa expressar de uma forma algo diferente – e isso é sabido cientificamente pelo menos desde Freud. Se houve algo que este desde logo aprendeu, através da orientação do fisiologista Charcot, foi que a repressão de emoções e de instintos sexuais levava ao histerismo nas mulheres oitocentistas e dessa observação, o austríaco tirou ilações importantes que o levariam a desenvolver a psicanálise e a sua teoria sobre a origem das neuroses.
De facto, como diz, esta filosofia nada tem de moderno. Já os gregos e os romanos a tinham e isso só demonstra pela milionésima vez o quão sábios eram neste e noutros campos. A inexistência do conceito de “pecado”, que os intérpretes do cristianismo colocaram às nossas costas, fazia com que aproveitassem ao máximo os prazeres da vida. Tudo aquilo que sabe bem e não faz mal, só pode ser bom.
Enfim, a máxima que resume este artigo só pode ser: “Gays para a gafaria e mulheres para o gineceu”.
E foi assim que descobri que S. Paulo escreve no Diário de Notícias, em pleno ano de 2005 A.D. (Anno Domini).
Ricardo Revez
28-6-2005
1 comentário:
Don't worry. Ele não percebe MESMO nada de mulheres.
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