quinta-feira, outubro 19, 2006

Rivoli


Editorial de Amílcar de Correia, no Público, retirado do Kontratempos, do Tiago Barbosa Ribeiro, decerto dos melhores blogues actuais.
«Rivoli
A actual Câmara do Porto não sabe o que fazer dos teatros que lhe compete gerir, porque se recusou desde sempre a delinear qualquer política cultural para a cidade. A concessão do Rivoli a privados é apresentada como um acto contabilístico, quando na verdade se trata de um acto político.
Há quinze anos, o problema da cultura no Porto era sobretudo uma questão de hardware: o Teatro Nacional de São João era uma sala abandonada, o Rivoli aspas aspas, o Teatro Carlos Alberto um espaço inóspito e vetusto, os teatros Helena Sá e Costa e Campo Alegre nem sequer existiam e o Sá da Bandeira era ainda o palácio da pornografia na Baixa da cidade. A política cultural dos mandatos de Fernando Gomes - a cargo de Manuela de Melo, e com a colaboração do então ministro da Cultura -, por muitos subsidiodependentes que tenha criado, como diz o actual presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, permitiu renovar algumas daquelas salas e criar uma programação diversificada e mais contemporânea, que teve o seu natural auge no ano de 2001.
O que se passou a seguir, como se sabe, foi o descalabro. Com a vitória da coligação PSD-CDS/PP, Rui Rio entregou a Cultura a Marcelo Mendes Pinto, líder da concelhia dos populares no Porto, o mesmo que antes classificara a candidatura de Rio como pouco entusiasmante. O que resultou daqui foi a criação de uma política paralela, gizada pelo próprio Rui Rio, mais vocacionada para os coretos, as corridas de automóveis antigos, as festas da Rádio Festival ou os concertos anuais no Edifício Transparente, o que esvaziou de todo a programação do Rivoli.
Limitado à dança e a pouco mais, o teatro (renovado a cem por cento por verbas do Estado e de fundos comunitários) foi-se transformando, paulatinamente, numa desinteressante barriga de aluguer. Marcelo Mendes Pinto nem sequer terminou o mandato. E alguém se lembra do nome do senhor que se lhe seguiu? Como agora diz o próprio Mendes Pinto, a anunciada intenção da Câmara do Porto em entregar a gestão daquela sala a uma empresa privada confunde cultura com lazer e é o melhor exemplo da total ausência de estratégia cultural do actual executivo. Seja a sua gestão municipal ou privada, uma instituição como o Rivoli pode assegurar um serviço público de qualidade e a sua programação conciliar públicos de diferentes gostos e tamanhos.
Mas o modelo escolhido por Rio representa a total desresponsabilização da autarquia em matéria de divulgação e produção artística, de formação de públicos e de desenvolvimento cultural da própria cidade. A segunda maior autarquia do país demite-se totalmente da gestão do seu principal teatro municipal, pondo em causa uma série de eventos de prestígio (festivais de cinema fantástico, de marionetas, de jazz, de novo circo ou de teatro ibérico), reduzindo o Porto a uma expressão assumidamente paroquial. A actual câmara não sabe o que fazer dos teatros que lhe compete gerir, porque se recusou desde sempre a delinear qualquer política cultural para a cidade. A concessão do Rivoli a privados é apresentada como um acto contabilístico, quando na verdade se trata de um acto político e preconceituoso, de quem está convencido de que Cultura é sinónimo de esquerda e subsidiodependência. Ironicamente, hoje, o problema da cultura no Porto é uma questão de software.»
Ainda no tema, concludente exposição do Daniel Oliveira (no Arrastão).

Sem comentários:

Pesquisar neste blogue