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terça-feira, janeiro 22, 2008

Percepção, leituras e política.


O Daniel Oliveira rebate aqui o que recentemente escrevi sobre a nova Lei Autárquica. Rebate, mas sinceramente não convence. Não convence porque não debate, porque limita a responder-me; a apresentar uma leitura reactiva, e não reflexiva.

Em primeiro lugar, devo dizer que não me pronunciei sobre a nova Lei; apenas procurei fomentar o debate sobre a mesma. No meu ponto de vista, as questões decisivas são as da transparência, da exequibilidade política e da estabilidade governativa.

O Daniel foca, e bem, que «não só não há instabilidade nas câmaras, como a queda de executivos parece não resultar de falta de maiorias».

Resta saber quantas dessas câmaras onde não existe maioria absoluta são sustentadas por negociações pós eleitorais, o que é negociado na mesma e que parte do programa sufragado é colocado em prática. Porque um dos problemas da negociação não assumida é a possível inviabilização do sufragado; ou seja, no acordo necessário para a construção da estabilidade, seja negociado o programa eleitoral. É neste sentido que defendo um modelo mais transparente, «winner takes all», pois nessas circunstâncias sabemos que teremos oportunidade de colocar em prática as promessas de campanha (sem depender de terceiros).

Esta avaliação leva-nos a um segundo ponto do argumento do Daniel, o que envolve a negociação política nas autarquias locais Estranho, devo dizer, a inocência do meu amigo Daniel, quando sugere que «Nenhum técnico competente aceita um cargo para boicotar resultados». Não digo que tal seja a regra, mas também não é a excepção. Como, então, contornar esta situação? Estabelecendo regras de nomeação; e entre os modelos possíveis, os de cariz maioritário parecem-me os que permitem um recrutamento mais criterioso e transparente. Não quer isto dizer que as nomeações sejam de responsabilidade exclusivamente partidária, aqui estou de acordo com o Daniel; mas uma clara definição da relação entre o nomeado e quem o nomeia implica uma maior possibilidade de escrutínio. Neste sentido, pode o poder político ser directamente responsabilizado pela decisão que tomou. Pelos eleitores, que sabem quem é nomeado, em que condições, por que critérios.

Existindo uma relação directa entre a nomeação e o ciclo eleitoral, desaparecem as nomeações escondidas, as negociatas os esquemas que se construíram e se mantêm há décadas no nosso poder autárquico.

E mais, eu nem me importo que o recrutamento seja partidarizado. Se forem maus, só resta a penalização máxima em democracia: o voto!

Também concordo com o Daniel acerca da inércia política que impede que certos círculos sejam quebrados; mas porque não pensar que esta Lei pode ser a oportunidade certa para operar esse desejo? É que parte da inércia advém do processo de negociação permanente que se verifica em muitas Câmaras.

Já não entendo muito bem o argumento do poder político limitado pelo voto. Que eu saiba o Poder é limitado pelo sistema político desenhado. Não se vota se o poder legislativo, o executivo e o judicial devem ser independentes ou em que grau deve ser tal independência. Portanto não é o voto que limita o Poder Político. O que julgo que o Daniel quis dizer foi que quando se vota por maiorias relativas em detrimento de maiorias absolutas é porque «não se quer dar todo o poder a um partido». Claro que esta análise colectiva carece de confirmação individual (pois todos os eleitores querem que o seu voto seja efectivo, que não seja distribuído, o que o torna absoluto); mas também padece de alguma confusão acerca do como deve ser eleito o poder executivo e o legislativo; e das virtudes e defeitos dos modelos maioritários e pluralistas.

Consideremos que o executivo é a Câmara Municipal e o Legislativo a Assembleia Municipal, e que encontramos algum correspondência formal entre o modelo autárquico e o modelo parlamentar. Quando votamos para o «Governo» esperamos que esse voto seja maioritário, de que se eleja apenas um partido para governar (pode ser bem diferente, eu sei, mas o sistema português é geralmente adverso a coligações – nunca nenhuma terminou uma legislatura). Complementarmente, o voto para a Assembleia legislativa, o Parlamento, deseja-se pluralista, no sentido em que se julga não só necessário que estejam as principais forças sociais e políticas na principal câmara de produção legislativa.

Claro que a prática é bem mais densa que esta explicação simplista, mas o argumento é de que se deve rever os poderes da Assembleia Municipal, garante da diversidade política da localidade, dando-lhe mais poderes; mas simultaneamente dotando o órgão executivo da maioria desejável para implementar as suas políticas. É claro que terá de existir a complementar alteração cultural, e acabar com os parasitas políticos que impedem que se faça boa política. Esta mudança não vai ser imediata, mas vai acontecer. Vai ter de acontecer, com o risco da delapidação do Bem Comum.

Um último ponto para estranhar a comparação entre o que se passa na Lei Autárquica e a na Lei eleitoral para a Assembleia da República. Não têm nada a ver; e qualquer transposição seria estranha, pois estamos perante duas dimensões da política bem distintas. Nessa lógica, então deveríamos reproduziríamos a Lei que elege o topo da hierarquia do Estado, e não vejo vantagens em criar ciclos uninominais, de apuramento maioritário para as eleições legislativas e autárquicas. Adiante.

Termino com lembrando que ambos os casos que ele me sugere para comparar estão sujeitos ao mesmo sistema de negociação infra-institucional; ou seja, fora dos locais de sufrágio e mantidos pelas forças partidárias que dominam o poder autárquico desde o 25 de Abril.

Mas também te digo, Daniel, se consideras que não há diferença, porque não mudar a lei? Pode ser que esta traga boas consequências, que imponha a tal mudança cultural que advogas. É que é necessário mudar o estado das coisas.

Aí concordamos, não?

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Lei Autarquica

Aqui neste blogue temos dedicado ampla atenção às questões relacionadas com matéria eleitoral. Há dois anos organizámos um colóquio sobre a reforma do sistema eleitoral (para a Assembleia da República), que terminou com a apresentação de proposta própria em sede parlamentar.
Hoje, como sabem, está na agenda política a questão eleitoral; quer para a eleição parlamentar, quer para as Autarquias.
Sobre o processo hoje em decurso, temo que tudo esteja a ser executado nas costas da opinião pública, e publicada, sem o devido escrutínio público que matérias desta importância devem ter.
Vejo que sobre a matéria autárquica o Daniel Oliveira colocou, hoje, um longo post.

Uma lei eleitoral muda-se quando tem mesmo de ser. São necessárias décadas para que os eleitores a compreendam, a usem com objectivos que devem ser respeitados (umas vezes garantir estabilidade, outras impedir abusos de poder, umas garantir a continuidade, outras regenerar os cargos políticos) e para se sentirem confortáveis com ela. Era necessário mudar a lei eleitoral autárquica? Vejamos: [continue a ler aqui]

Concordo com a premissa inicial: porquê a necessidade de mudança? E concordo também com parte do argumentário exposto. Parece-me óbvia a necessidade da eleição simultânea da Vereação e da Assembleia Municipal, mais ainda depois do episódio de Lisboa; e que já não se entende, do ponto de vista sistémico, o poder de voto dos Presidentes de Junta (mais ainda quando se está a reflectir sobre a reordenação administrativa da Cidade).
O que está em causa, e esse é um tema que o Daniel não pega, é que modelo político queremos para as nossas cidades. Este é que é o debate que tem de ser feito. Qual o papel das Freguesias? Qual a sua ligação com a Autarquia? Que modelo autárquico? Um modelo maioritário? Ou pluralista? O deve ser entendido como governabilidade autárquica?
A nova lei subentende que a boa governação necessita estabilidade executiva, e por isso «constrói» executivos fortes. E em teoria não está errada; pois a execução da política pública sufragada deve poder ser possível. Ou seja, quem for eleito deve ter a possibilidade de executar o seu programa eleitoral. Tem de ter os meios de colocar em prática o seu projecto político conforme apresentado ao eleitorado.
Se pensarmos nos elementos necessário para a execução de políticas públicas, na articulação necessária entre o topo e a base, observamos que um modelo maioritário faz sentido. Imaginem que há um presidente de Câmara com vereadores da oposição no executivo. Com pelouros. Qualquer relação política que poderão desenvolver terá de ser limitada, pois ambos defendem projectos políticos diferentes. E como se resolvem os conflitos? Por acordos, que muitas vezes ultrapassam os actores locais para serem decididos pelas direcções nacionais. Sempre fora dos olhares dos eleitores, que apenas assistem.
O mesmo acontece na restante escada hierárquica, ao nível das directorias. Faz algum sentido que director A de partido B vá executar a política de partido C? o que o impede de boicotar a implementação das directrizes recebidas? O que o impede de favorecer o seu partido?
É esta a situação actual; agravada pela falta de cultura cívica e política da maioria dos titulares de cargos de chefia, que são politicamente nomeados mas que não se demitem quando o cenário política se altera, esperando por uma demissão forçada, de preferência bem negociada (financeiramente, entenda-se). Se correlacionarmos este exemplo com o estado dos Partidos Políticos e com a questão do acesso è rede distributiva de recursos do Estado, facilmente concluímos que não é do interesse de alguns quebrar este quotidiano (nomeadamente do PCP, PSD, PS essencialmente, mas também CDS e agora o BE); muito pelo contrário, a sua persistência significa um porto seguro na gestão das redes de poder internas e na manutenção de um mercado eleitoral fixo.

Na base deste argumento, como se depreende, encontra-se a premissa de que é necessário confiança na implementação de políticas públicas. Confiança política, em última análise. E eu temo que, no sistema vigente, esta seja negociada e não assumida.
Mais, observando o comportamento interno de algumas câmaras, verifica-se que os exemplos de «sabotagem política» multiplicam-se, que a inércia institucional é uma constante; e que uma relação que se quer dinâmica fica refém da capacidade negocial dos intervenientes.
O que defendo é, então, uma definição clara do que é a hierarquia de execução; ou seja, o que necessita o executivo para colocar em prática a sua política. Esta definição tem de ser transparente e criteriosa.
Um sistema, se quisermos, mais americanizado, género «winner takes all», onde se sabe, porque está pré-determinado, que X lugares são directamente dependentes da administração política vigente. Cada 4 anos vagam. Para que o próximo projecto político possa ser executado.
Parece-me ser este o espírito da Lei, mas julgo que não é neste sentido que o debate se tem desenrolado. Com pena, porque esta é a altura para o fazer.

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