quarta-feira, março 17, 2010

Boys

[artigo no Diário Económico publicado ontem, 16 de Março 2010. Comentem, se assim o entenderem, no site do DE]


Alguns acontecimentos recentes na vida política portuguesa têm relembrado a célebre expressão de António Guterres quando, em referência à herança cavaquista (que tinha partidarizado ferozmente o aparelho de Estado), assumiu publicamente que não haveria – no seu governo - ‘jobs for the boys’.

Sabemos hoje que tal acabou por não ser verdade; como sabemos não há nenhum governo que não recorra a ‘boys', seja ele do PS, PSD ou CDS.

Estes ‘boys' têm sido apresentados como jovens vigaristas sedentos de poder e influência. E há, de facto, gente com estas características na política; como os há na academia ou na sociedade civil. Mas a verdade é que o sistema político português - ou qualquer um, para esse efeito - necessita de ‘boys'. São eles afinal algum do pessoal de confiança política dos detentores de cargos públicos; e só quem entende a vida política como um lugar seminarista - onde se tem uma relação directa não com Deus mas com o Estado - pode pensar que qualquer político em exercício de cargos públicos pode dispensar, na sua ‘entourage', de pessoas da sua estrita confiança.

Os ‘boys' são - na maioria dos casos - criados no caldo dos partidos, nas suas juventudes partidárias, onde adquirem uma sólida cultura política e uma forte rede de relações partidárias. Fazem vida de gabinete quando o seu partido está no poder, sendo apoio essencial à produção legislativa ministerial; e, a maioria deles, regressa mesmo à vida privada ou à academia quando na oposição. Muitos são bem qualificados, com mestrados e doutoramentos. E desengane-se quem julgue que esta não é a norma verificável; o que não quer dizer que não haja quem - visivelmente - lhe escape.

Dito isto, não me revejo na forma como se tem operado algumas nomeações por parte dos governos em Portugal, especialmente no que respeita às indicações para algumas empresas públicas ou semi-públicas. Assim como não entendo como pode qualquer nomeação política onerar mais que o Presidente da República. É necessário, e eu defendo-o, uma maior profissionalização da vida política; o que não significa uma partidarização do Estado. Para tal o jogo tem de ser bem claro. Devemos saber quem necessita de nomear e para onde, de forma clara e transparente. Com conhecimento prévio e em processos públicos e publicitados. Entendo, por exemplo, que a Assembleia da República e as novas formas de comunicação podem desempenhar um papel importante nesta área. Deveria, por exemplo, existir um sítio na internet onde se possa consultar todas as nomeações de determinado executivo; e o Parlamento devia de ter o poder de confirmação sobre (mais) algumas nomeações, em particular quando se trata de colocações em empresas onde o Estado é accionista.

Nos Estados Unidos, no começo de cada ciclo governativo, sabe-se a priori que vagam cerca de 7000 cargos de nomeação directa do Presidente. Em Portugal não há certezas desses números, e o processo de nomeação escapa-se por entre as últimas páginas do Diário da República. E enquanto não se definir com critérios transparentes estas necessárias nomeações, não saberemos distinguir entre os ‘boys' que tem de existir e os que se aproveitam dos esquemas que o sistema permite

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