Portugal tem muitos feriados de regime. Quatro para sermos exactos.
O mais relevante em termos simbólicos, sobretudo pela importância dada pelo sistema político, é o feriado do 25 de Abril, que celebra a criação da democracia portuguesa e o fim dos regimes autoritários (tanto republicanos como monárquicos) que haviam governado Portugal desde a sua criação desde 1140. Convém sempre lembrar, que apesar do carácter patriótico de muitos actos e eventos ocorridos durante a monarquia portuguesa e o próprio Estado Novo, é apenas com o 25 de Abril e a democracia que todos os portugueses passaram a ser mestres dos seus próprios destinos.
O 10 de Junho, sobretudo devido às suas conotações com as forças armadas portuguesas, que se revêem nele como o seu dia, e à sua importância como invocação da componente emigrante dos portugueses, espalhados pelos quatro cantos do mundo, é o segundo feriado de regime mais importante, nele se celebrando a criação de Portugal como um país independente e servindo, através da figura de Camões, como também o dia da cultura nacional portuguesa.
Do 5 de Outubro, relegado para um dia menor, quase sempre festejado em celebrações pálidas e reduzidas na câmara municipal de Lisboa, como se este dia que invoca a implantação da República em Portugal, ou seja o momento em que essa instituição abjecta que se chama monarquia foi varrida do sistema político naci0nal, tivesse sido um mero acontecimento de Lisboa, e não a destruição do conceito que torna institucionalizada politicamente a ideia que os homens são desiguais em virtude do berço em que nascem. Não existiria verdadeira igualdade em Portugal se não fosse a República. Os regimes monárquicos são por definição desiguais.
Mas é o 1 de Dezembro, o feriado que celebra a restauração da nossa independência nacional face ao domínio espanhol sobre Portugal de 60 anos, que de longe é o mais esquecido das celebrações de regime. Num tempo em que Portugal esteja num processo de integração europeia com Espanha e os restantes estados-membros da UE, em que existe uma cada vez maior dimensão europeia na nossa vida política, é compreensível que este feriado seja visto como pouco relevante dum ponto de vista simbólico.
Tal, contudo, é um erro!
Se o 25 de Abril é Liberdade (característica essencial da democracia), se o 5 de Outubro é a Igualdade (contra a desigualdade da monarquia) e o 10 de Junho é o Ser (a celebração do ser português), então o 1 de Dezembro é a Escolha!
A esmagadora maioria dos cidadãos portugueses nasceu com este atributo, não é algo que escolheram num determinado momento da vida. Mas a cidadania portuguesa é uma escolha. Todos nós somos livres de partir para outras terras e através dos mecanismos presentes nesses diferentes destinos somos livres de abdicar de serem cidadãos portugueses de forma a serem cidadãos de outros países.
Todos aqueles que permanecem portugueses, fazem-no porque o escolhem fazer.
O que o 1 de Dezembro nos lembra, é que o direito a fazer essa escolha é algo que no passado foi conquistado pelo sacrifício, pelo sangue e pela vida que numerosos dos nossos conterrâneos deram no processo desencadeado a 1 de Dezembro de 1640 e que viria a ficar para a História como a Restauração da Independência.
Eu sou um federalista europeu convicto. Acredito que a UE se deveria se tornar um único estado federal.
Eu sou um cidadão europeu.
Eu sou um cidadão da República Portuguesa.
Portugal é o meu país.
Se tenho a possibilidade de livremente escolher ser português, devo-o a todos aqueles que são invocados em 1 de Dezembro de 1640.
Por isso celebro a Restauração da Independência. É graças a ela que posso escolher ser português.
1 comentário:
Tenho alguma dificuldade em aceitar a classificação de tudo o que sucedeu após 1140 como sendo um regime autoritário. Pelos padrões actuais, sim, mas as diferentes épocas da História devem ser vistas no seu próprio contexto e, desse ponto de vista, houve momentos no nosso percurso histórico onde, mesmo sem uma democracia actual, foram entendidos pelos seus contemporâneos como momentos de liberdade e um contributo importante para o que temos.
A independência nacional, em primeiro lugar, conforme expresso pelo (apócrifo?) "credo" político de Lamego ("Nós somos livres, o nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertarão"); a revolução de 1385 pela sua dinâmica social e política; o trabalho do Infante D. Pedro e de el-Rei D. João II que, ao se apoiarem nos concelhos contra os privilégios da nobreza, foram tidos por emancipadores do povo; a revolução de 1640 que, retomando argumentos de 1385, afirmou o princípio de à comunidade nacional, mais do que ao direito hereditário, caber a escolha do seu Rei quando o bem nacional estiver em causa; a Constituição de 1822, a nossa primeira Lei Funtamental moderna e um marco fundador da democracia portuguesa.
São momentos escassos em liberdade e forma democrática para os nossos dias? Certamente. Mas talvez daqui a umas décadas olhemos para o sistema partidário instaurado nos pós-25 de Abril como sendo limitado, injusto e preverso pelo monopólio partidário na gestão da coisa pública. E o actual estado de coisas deixa advinhar um destino parecido. Mas menosprezar o passado e apelidá-lo de autoritário só porque não está conforme aos padrões actuais, é ridiculazar os esforços pela liberdade dos nossos antepassados e que abriram caminho ao que temos hoje. A arrogância de achar que agora sim chegámos à plenitude dos tempos é tão rídiculo quanto os ingleses menosprezarem a Magna Carta ou os escandinavos a tradição das "thingar" só porque não eram uma democracia como a de hoje.
Quanto à importância do 1º de Dezembro hoje, no contexto da União Europeia, eu diria algo diferente: foi porque nos voltámos a declarar independentes em 1640 que somos, dentro do espaço europeu, soberanos. Isto é, não dependemos de outro Estado para nos fazermos representar, tal como a Catalunha precisa de Espanha, a Bretanha da França ou a Escócia do Reino Unido.
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