Não acho que se possa alternar entre uma ou outra situação como se ambas se situassem no mesmo patamar moral, político e ideológico. O julgamento de Saddam não pode ser encarado com um enquadramento puramente jurídico, tem de ser contextualizado no conjunto das suas dimensões. Então, o invasor benévolo, o portador da liberdade, mal se instala no poder abole a pena de morte. Depois, prende e julga o antigo ditador por exactamente condenar à morte 143 pessoas e, como pena, condena-o à morte?...
Não parece um pouco «faz o que digo, mas não o que faço?».
Onde anda a moral? Para onde remeteram a justificação última de que se libertou o Iraque do jugo totalitário em prol da defesa moral da superioridade democrática e da Liberdade?
E as consequências políticas? Alguém julga que matar Saddam será visto como algo de pacifico, tranquilizador por parte da população sunita? E a Xiita? Não será a sua execução (mais) uma boa acha numa fogueira que se quer, pelo menos, morna?
E ninguém se interessa pelas inevitáveis repercussões ideológicas? No uso de Saddam como mártir, como exemplo, agora prático, de luta contra o grande demo?
Mais além deste imbróglio está o verdadeiro sujeito desta situação: o que fazer, em períodos de transição, com os ex-líderes? Como definir e estabelecer os limites da justiça transicional.
Por exemplo, pensem em Portugal. Executaríamos Marcelo Caetano? E Pides? E ex-ministros? Onde se actua e com que barreiras? Na procura de um futuro colectivo, comum, não será mais conveniente atenuar as clivagens? Porquê, então, matar Saddam?
[A continuar]
Sem comentários:
Enviar um comentário