sexta-feira, julho 27, 2007

Dar sentido ao PS

Dar sentido ao PS
É quando o adversário está derrotado que se prepara a próxima batalha. O actual estado de desordem do PSD não deve fazer o PS baixar a guarda. Pelo contrário: é necessário que o PS retome agora a iniciativa, para garantir que não virá a perdê-la para o PSD antes do próximo ciclo político (2009-13).
Todos perceberam já os pontos fortes do actual PS, mas também os seus pontos fracos. O PS de Sócrates teve a sorte de ver o poder cair-lhe nas mãos graças à inépcia das lideranças do PSD e à consciência pesada do dr. Sampaio. Mas teve o mérito indiscutível de saber agarrar a oportunidade e de constituir um governo cujo nível de competência é bem superior ao daqueles que o precederam. No poder, o PS de Sócrates restaurou a credibilidade das instituições e encetou um processo reformista consequente, apesar – ou sob a pressão – de um contexto de crise orçamental e económica.
Com Sócrates, o PS e o seu governo evitaram todos os erros de Guterres, mas parecem estar a cair num erro que Guterres não cometeu. Ao governo de Sócrates sobra em pragmatismo aquilo que a Guterres faltava em capacidade de decisão e realização. Mas Guterres tinha, desde os Estados Gerais, uma visão e um discurso legitimador. Foi isso que o levou a ganhar eleições. E é isso que falta, crescentemente, ao actual governo e ao partido que o sustenta.
No combate político, a primeira batalha a travar é sempre a das ideias e das consciências. Quem ganha esta batalha tem a porta aberta para a vitória nas urnas. Neste aspecto, a direita que agora parece politicamente tão anémica tem marcado pontos. Às muitas iniciativas e movimentos da direita (como o Compromisso Portugal, mas não só), à sua progressiva conquista do espaço de opinião nos ‘media’, tem correspondido o quase absoluto silêncio da área do PS. Aqui não se encontram movimentos de cidadãos, nem ‘think tanks’, nem publicações de relevo.
A habilidade do actual PS tem consistido em antecipar ou reciclar as ideias da direita sempre que elas parecem suficientemente boas, dúcteis e factíveis . Mas isso não pode durar para sempre, nem funciona em todos os casos. O PS tem de formar uma visão e um discurso coerente para dar sentido à sua acção presente a ao programa para 2009-13. Este esforço, que implica reflexão interna e abertura à sociedade civil, tem de ser feito desde já, ou poderá chegar demasiado tarde.
Qualquer socialista minimamente atento ao que o rodeia compreenderá que a base ideológica do PS hoje não pode ser a social-democracia clássica, com a sua desconfiança em relação ao mercado livre e a ligação privilegiada ao movimento sindical. Mas essa base também não poderá ser a Terceira Via, demasiado agarrada à herança de Tatcher, insuportavelmente paternalista e incapaz de gerar uma sociedade equilibrada. O tipo de base ideológica que melhor parece corresponder às preocupações e às boas práticas do governo do PS é o “liberalismo social”. Mas, uma vez que o substantivo “liberalismo” é oficiosamente proibido em Portugal, pode-se-lhe chamar “socialismo liberal” (ainda que a palavra “socialismo” seja aqui puramente retórica).
Este socialismo liberal tem de afirmar a absoluta prioridade das liberdades básicas enquanto forma de respeito por cada cidadão e pela sua capacidade de saber o que é melhor para si mesmo. Tem de valorizar o mercado não apenas pela sua eficiência, mas porque ele é melhor para a liberdade individual. Tem de pôr em evidência a igualdade de oportunidades e o papel que o acesso ao ensino, à formação profissional e os cuidados de saúde universais desempenham nesse quadro. Tem de trabalhar para a redução das desigualdades colocando maior ênfase no sistema fiscal do que no sistema de segurança social, já excessivamente sobrecarregado. E tem de compreender que a sociedade civil pode fazer quase todas estas coisas melhor do que o Estado e com menos dinheiro dos contribuintes (por ex., para quê agora mais creches públicas em vez de subsidiar as creches dos sectores privado e social?).
Clarificar a sua base ideológica e ser capaz de ligar aquilo que faz – e que por vezes parece meramente casuístico ou oportunista – a uma visão para Portugal é o grande desafio do PS.
João Cardoso Rosas, Professor de Teoria Política

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