quarta-feira, outubro 11, 2006

Senhor Ramos


O senhor Ramos pôs o seu segundo programa no ar. E não pára de ganhar pontos. A série «A minha vida...», da RTP, patrocinou a visão, certamente esclarecida, de Adriano Moreira (curto cv aqui e aqui). Que momento televisivo, uma entrevista silenciosa (desta vez o senhor Ramos só ouviu, como sinal de respeito, uma vez que não estava entre pares, como com a senhora Mónica) que se aproximava de uma idílica paisagem de Mar, enquadrado num misterioso sino revelador (ou seria esta sineta? é que o resto da paisagem confere - o pátio, o mar, o forte, a cadeira, a decadência).
Cínica a imagem do senhor Moreira, agora já com o peso curvado dos anos, sentado numa frágil cadeira no que pareceu ser um forte, daqueles bélicos, lá para os lados da linha de Cascais. Não, o senhor não caiu. Terá o senhor Ramos querido dizer, insinuar, alguma coisa com a imagem? Pois que atrevidote...
Retirámos algumas pérolas:
Nunca tive nenhuma ligação a nenhum grupo político e tal (claro, isso deve de tê-lo ajudado a chegar a Ministro do Ultramar em 1961... )
Salazar estava convencido de que a III guerra mundial estava próxima ( e por isso defende as colónias...)
Portugal está sempre à espera de um salvador, de um Sidónio, [e isto porque] o país viveu sempre segundo uma cadeia de comando. (obedecendo, acrescentamos nós)
Tem de haver valores de referência, pois em política há escolhas a fazer (estranho, e eu que julgava que o senhor Moreira não tinha ligações políticas...)
O Estado é uma invenção cultural
As fronteiras hoje mudaram: a geográfica continua em Espanha, mas a de segurança está na NATO, a económica na UE e a cultural na CPLP (desta gostei).
E depois andava sempre com a ideia que «a roda anda, mas o eixo não anda», sendo que o eixo é a Nação, de longe a palavra mais utilizada na entrevista. Enfim, mais um exercício de restiling político-histórico, onde a memória do professor foi bem tratada, nunca questionado ou desafiado. A ideia era essa. passar a imagem da crise de valores, de Nação, de Portugal, associado à crise global, à necessidade de salvador, de ordem e de obediência. Mais uns pontinhos para o senhor Ramos, que assim se aproxima, se desafio, a bom porto. Esperamos pelo próximo programa, com ansiedade.

Alguns exemplos de malandrice.
1 - O ultramar foi tratado muito ao de leve, valorizou-se que foi o senhor Ministro Moreira que reviu o estatuto do indígena, dizia que pensava sempre nos pretos e nos seus direitos políticos e nas suas condições sociais - eles que tinham muitos direitos. E cá em Portugal? Como era? Era uma abertura política...
2 - Chamou, sem que crítica daí viesse, os movimentos de libertação de terroristas. Bom, em bom rigor era essa a terminologia que o regime utilizava à época, mas claro que hoje é condição moral que permite todas as atrocidades. É como que dissesse «o regime, na altura, já lidava com terroristas…»

3 – no seu CV mostrado no fim do programa, indicam que esteve na Assembleia Constituinte, como que mostrando o seu grande carácter democrático. Pois, é mentira. Esse senhor à altura andava a fazer curriculum no Brasil (como tantos outros) e só volta a Portugal nos finais dos anos 70 (aí sim, para a Assembleia da República, na bancada do CDS).

4 – Já vos contei a história de uma colega minha que queria fazer-lhe a biografia? Tenho de contar. E aquela onde o senhor Moreira, num colóquio sobre Goa, disse que de nada sabia (da invasão) quando na altura era… Ministro do Ultramar!!!
5- para não diserem que não sou construtivo, deixo um elogio funebre, do senhor Moreira, ao tal outro senhor da cadeira, o que acabou por cair...

Pois, e perpetuamos nós almas dessas em homenagens públicas de frequência estimada. Não bastava ter uma Universidade, havia de ter um canal do Estado...

1 comentário:

Ricardo Revez disse...

Concordo com tudo o que dizes, Zé. No entanto, o Estado é uma invenção cultural porque é uma criação do Homem. Não existia por si própria se não tivesse sido inventado. O Estado não é natural, logo é cultural.

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