terça-feira, fevereiro 07, 2006

A liberdade da Clarinha




Muitos intelectuais que berram sobre a liberdade de expressão, ainda não perceberam que o mundo mudou. É engraçado ver a Clara Ferreria Alves no programa Eixo do Mal, a espernear muito agastada porque o escritor francês Michel Houellebecq teve que abandonar Paris, após ter afirmado e escrito que a religião muçulmana era a mais estúpida de todas e justificar porquê. Clara, até chega a colocar a questão “Ou eles os bárbaros, ou nós, os civilizados”. Dá para perguntar eles quem e nós quem, pois aqueles tugas que apanham a buba e dão porrada na mulher, também pertencem ao clube dos “civilizados”?

Ai Clara, coitadinho do Michel, que pena! Teve que dar de frosques de Paris, deixar os clubes de swing e as putas de Pigalle? Não faz mal, de certeza que vai encontrar conforto numa qualquer casa de massagens em Banguecoque, como ele tão bem sabe. E depois, poderá escrever também que as mulheres europeias não sabem tratar de um homem, como afirma em plataforma, provavelmente o seu romance mais famoso.
Ó Clara, caguei pró gajo! Até porque se algum judeu, árabe, negro ou cigano decidir abordar pelo diálogo uma claque de futebol em fúria, orgulhosa das suas suásticas e cânticos racistas, no mínimo é capaz de ser espancado, entre outros mimos.
É preciso diferenciar liberdade de provocação, e as intenções de Houellebecq não eram assim tão inocentes, para além do momento não ser o mais oportuno.

Tais como a do jornal dinamarquês que tentou esticar a corda. Ou do iluminado director do Le Soir, a tentar aumentar as vendas de um jornal em declínio, ou do cada vez mais centro direita El País, com os espanhóis feridos no seu orgulho após o 11 de Março.

É verdade que há manipulação por parte das autoridades do mundo árabe e um claro incentivo à violência, que tem sido excessiva. Tal como foi a reacção dos negros em LA na década de 90 quando Rodney King foi espancado por 4 polícias brancos. Excessiva seria brando para justificar a horripilante cena do camionista branco, pontapeado quase até há morte, simplesmente porque… era branco!

Esta é pois a falta de bom senso que as populações em fúria têm, quando decidem aderir a uma onda de protesto violenta, porque já não têm nada a perder e há um acontecimento público que aglutina essa fúria, que serve para canalizar a frustração e marcar um alvo a abater. A Dinamarca passou a ser o alvo e ser loiro nestes dias no médio oriente, é perigoso. Essa foi a consequência da tal liberdade de expressão, que não podia ser calada, amordaçada ou refreada.
Falemos então um pouco mais dela, com bom senso e não apenas para manifestar uma arrogante vontade de provocar.

Esta questão dos cartoons não é tão inocente como parece. Quantas pressões é que todos os dias qualquer director de jornal não sofre de ministros, empresários, lobbys, partidos políticos, associações e outras máfias, para não publicar a matéria a,b,c. ? Todos os dias, por essa Europa fora isso acontece. Na Europa e no mundo. Em Angola, por exemplo, a polícia política comprou recentemente, (quando não roubou os ardinas) quase toda a edição de um jornal crítico do governo para evitar um escândalo político.

A questão é que nós, “os civilizados” da Europa, não vamos permitir que alguns árabes, “os bárbaros”, nos ameacem ou condicionem, cá dentro. Isso não. Não podemos admitir essa merda! Que abuso é esse? Permitir que terceiro mundistas venham cá arrotar postas de pescada, ainda que nós façamos o mesmo com os seus governos.

Por exemplo, o Hamas ganhou e ainda nem sequer foi empossado como governo e já a União Europeia ameaçava, que ou reconhecem Israel ou acabam os subsídios. Pessoalmente parece-me bem, mais do que razoável para poder haver paz. Penso que a generalidade das pessoas concordará comigo, mas será que os árabes pensam o mesmo que nós? E será que não se indignam também por a EU mandar na festa e não só na Palestina? Tal como nós, os “bárbaros” também sentem, pensam e têm orgulho.

Por vezes dá sempre jeito puxarmos dos nossos galões de europeus, fazendo valer toda a cartilha da liberdade e do código deontológico para justificar uma atitude, que tem mais de susceptibilidade pessoal do que propriamente de acção profissional.

Noutro contexto, esses princípios são os mesmos que o jornalista enfia na gaveta automaticamente, sem dó nem piedade, quando o chefe de redacção o chama à pedra porque fulano, que é dono do jornal, telefonou para não publicarem o artigo X, que é contra o seu amigo Y. E esta, é que é a “LIBERDADE DE EXPRESSÃO” dos jornais, cada vez mais condicionada pelos interesses económicos, pois como tudo, os jornais são empresas. E lá por terem alguns objectivos sociais e culturais, têm de dar lucro, pois há salários e custos que pagar, e publicidade para atrair. Senão, fecham!

Já há muito que ninguém é independente, como nos querem fazer crer (excepção feita talvez para alguns sites pessoais), mas nunca rádios, jornais ou canais televisivos. A história do jornalista herói é treta, e a do jornalista justiceiro, é pior ainda. Em boa hora os espanhóis afastaram Manuela Moura Guedes.

Mas, já agora onde estava a liberdade de expressão dos jornais norte americanos após o 11 de Setembro? Provavelmente adormecida, pois ninguém falava contra a guerra, Bush ou Guantánamo. O Post, o Times, nada. Ninguém. Unidos em prol de um desígnio nacional que contagiou toda a gente numa espécie de histeria colectiva ao longo de meses, com os fantasmas do terrorismo a toldarem por completo qualquer reflexão crítica séria. Houve excepções de mentes lúcidas, como Gore Vidal ou Chomsky, porém esperava-se muito mais da maior sociedade de informação do mundo, onde se pratica a tal liberdade de expressão.

Isto para nem falar do recente escândalo do Google na China.

Sou jornalista e já vivi e assisti a alguns episódios sobre a liberdade de expressão. Há seis anos, quando estava na Exame, a revista publicou uma história sobre as dificuldades económicas do grupo Jerónimo Martins. Como represália foi banida dos supermercados Pingo Doce até hoje, que pertencem ao mesmo grupo. Onde estava o cartoon de protesto?

O meu pai sempre me dizia que "a tua liberdade acaba onde começa a dos outros". Se calhar tinha razão.

N’Dalo Rocha

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